É mais provável este ano um pânico no mercado da prata do que um novo choque petrolífero. O que poderá repetir cenas já vividas em 1979/1980. Com mudanças radicais impensáveis, diz Luís de Sousa, editor português do The Oil Drum.
Os media internacionais têm-se focalizado nas oscilações das cotações do barril de crude e no disparo dos preços na bomba de gasolina (que já atingiram novos máximos históricos como em Espanha na semana passada), bem como na alta dos preços das matérias-primas agrícolas e do impacto direto que tem tido no cabaz alimentar de largas massas da população, particularmente nos países pobres.
Contudo, para alguns analistas, o que está a ocorrer no mercado da prata deve ser seguido com particular atenção. Mesmo em termos de metais preciosos, as luzes da ribalta vão, em regra, para o ouro e a sua corrida para fixar novos máximos históricos em valor nominal. No entanto, o preço da prata, nos últimos doze meses, disparou 84%, enquanto o do ouro subiu menos de 30%.
A própria relação do preço do grama de ouro com o grama de prata “melhorou” a favor deste último metal precioso. De mais de 80 vezes para menos de 49, nos últimos três anos. A relação mais favorável para a prata, nos últimos trinta anos, ocorreu no começo dos anos 1980 quando o grama de ouro valia apenas 32 vezes o grama de prata, mesmo assim muito acima da “média histórica” de 15 gramas de prata para 1 grama de ouro.
A onça de prata subiu de 18 dólares no início do ano passado para quase 31 no final do ano e, agora, está abaixo de 27,5 dólares, depois de uma correção durante estas semanas de janeiro. Mesmo no final de 2010 estava longe do valor alcançado em janeiro de 1980 quanto atingiu os 48,70 dólares na sequência de um pânico nos mercados.
O cenário de 1979/1980
Para muitos analistas a tendência especulativa não vai abrandar. Para Luís de Sousa, editor português do The Oil Drum, poderá mesmo ocorrer um “pânico” a iniciar no mercado da prata, que conduza a um disparo extraordinário dos preços nos metais preciosos e depois, por arrasto, em todas as commodities. Algo similar ao que ocorreu no mercado da prata e depois do ouro em finais de 1979 e em 1980 e que, por razões geopolíticas da altura (ataque do Iraque ao Irão em setembro de 1980), acabou por convergir com um dos choques petrolíferos.
Segundo este especialista, “um primeiro aviso sério deu-se em abril de 2010, justamente nas semanas que se seguiram ao anúncio da criação da Facilidade Europeia de Estabilização Financeira, quando o bulhão da prata se esgotou no centro da Europa e muitos retalhistas colocaram limites às encomendas, impedindo o acesso à maioria dos investidores”.
Na realidade, sublinha o especialista português, o stock industrial de prata é extremamente baixo, o equivalente a um ano de extração – trata-se de um mercado profundamente distinto do mercado do ouro. Pelo que a oferta não está a responder à procura, e tem dificuldade em fazê-lo. “Ao contrário do que poderá estar a acontecer com outras commodities, o avanço do preço da prata tem sido causado unicamente pelo mercado físico do bulhão a retalho. Isto nota-se na pequena dimensão do mercado de títulos (futuros) quando comparado com outras commodities; o valor dos futuros abertos na prata é menos de um terço daquele no mercado do ouro. Mas tal torna-se sobretudo aparente na enorme diferença entre os valores do retalho e do mercado grossista, um fosso que hoje se situa em torno de 20%. Nos períodos em que o mercado de títulos grossista corrige em baixa, normalmente o preço do retalho mantém-se, alargando assim esta margem, num claro sinal de força da procura”.
Gatilho para mudança radical
Também o analista e investidor americano James Turk, editor do Free Gold Money Report, referiu esta semana o mesmo fenómeno atual de backwardation neste mercado da prata: “Quando isto acontece, o preço no mercado spot [para uma entrega próxima] é mais alto do que o preço no mercado de futuros [para uma entrega em data mais distante]. Isto acontece muito raramente no mercado de metais preciosos. Ora quando isto sucede, o preço tem de subir até ao ponto em que os detentores de metal físico se sentem ‘seduzidos’ para vender o metal e aceitar uma divisa nacional em troca”. Turk refere que o efeito desta situação “anómala” no mercado da prata poderá ser um evento disruptivo eminente – ele fala mesmo que “quando algo similar no passado aconteceu, o preço da prata disparou 40% em poucas semanas”.
No caso de um pânico deste tipo, os bancos centrais terão de intervir radicalmente. Mas os analistas não arriscam que políticas, então, poderão ser tomadas. “O pânico de 1980 foi um evento fraturante que provocou enormes mudanças, tanto económicas como geopolíticas. Os acontecimentos de 1979/1980 foram o gatilho de um processo de transição para um novo sistema económico e monetário”, conclui Luís de Sousa.
Entrevista curta com James Turk
«Daqui a 3 ou 4 anos creio que a relação entre o ouro e a prata estará abaixo dos 20»
P: A comunicação social está muito focalizada nas oscilações de preços no petróleo e no risco de explosões sociais derivadas do disparo dos preços alimentares. O risco no mercado da prata é mais grave?
R: Apesar de eu referir o risco de um evento no mercado da prata, o disparo nos preços alimentares é mais importante.
P: Relativamente ao pânico no mercado da prata, tem-no apontado como algo que pode ocorrer “em algumas semanas”. Tem na ideia o que aconteceu muito rapidamente em 1979 e 1980 e que afetou a economia global?
R: Sim. É exatamente o que eu penso. A inflação surge primeiro nos preços das commodities e depois como que fura para toda a economia. O enorme salto dos preços alimentares significa que há muita inflação a caminho.
P: Que consequências podem derivar desse pânico na prata?
R: Mais gente trocará divisas nacionais por commodities e outros ativos fortes.
P: A relação entre o ouro e a prata poderá regressar aos níveis médios históricos?
R: Daqui a 3 ou 4 anos creio que a relação entre o ouro e a prata estará abaixo dos 20 – ou seja 20 gramas de prata para 1 grama de ouro – e próximo da sua média histórica de 17.