O grupo francês de prospetiva estratégica LEAP/E2020 responde sim à pergunta, considerando que se desenha uma convergência de tendências negativas. Pode ocorrer “uma série de choques violentos”. Quatro ‘bolhas’ vão rebentar – saiba quais.
O ano de 2011 pode vir a ser um ano de convergência de várias tendências negativas gerando uma situação “implacável”, diz o grupo francês de prospetiva LEAP/E2020 (Laboratoire Européen d’Anticipation Politique/Europe 2020), no seu primeiro boletim confidencial do ano.
Este ambiente negativo prende-se com o sério risco de, durante o ano, rebentarem quatro “bolhas”: a dos preços das commodities onde já se fala de vários “choques” (alimentar, petrolífero, nos minerais estratégicos); a da especulação em torno das dívidas soberanas e das obrigações do Tesouro; a do imobiliário residencial e comercial em países onde o “dinheiro quente” continua a alimentar a sua expansão; e finalmente a dos balanços dos bancos globais onde se alojam “pelo menos 50% de ativos fantasmas”.
As bolhas nos ativos financeiros e não financeiros continuam a ser alimentadas pelo nível elevado de liquidez global que é gerado pelas políticas monetárias oficiais de “alívio quantitativo” (quantitative easing, dinheiro injetado pelos bancos centrais a juros abaixo da inflação) da Reserva Federal americana, do Banco de Inglaterra e do Banco do Japão, bem como por políticas similares que continuam em vigor na Europa e nas economias emergentes, refere o boletim.
Uma convergência destas, a concretizar-se, tem uma amplitude maior do que a turbulência que ocorreu durante a crise financeira de 2007/2008 e a Grande Recessão que se seguiu em 2009. O grupo francês associa-lhe, agora, uma “guerra de divisas” larvar entre as grandes potências.
Raiva contra o sistema
“O ano de 2011 será marcado por uma série de choques violentos”, diz o grupo francês. Há muitas sociedades que estão à beira de um ataque de nervos – qualquer rastilho pode disparar a “raiva contra o sistema”.
Segundo o LEAP, esta “raiva” é visível nas sociedades que integram o que ainda é considerado Terceiro Mundo e em particular em regimes ditatoriais e autocráticos. A pressão da carestia de vida nas camadas pobres e o desemprego crónico ou impossibilidade de mobilidade social, até em segmentos com qualificações, gera uma situação insustentável. Como se viu, recentemente, na ‘Revolução de Jasmim’ na Tunísia cujo efeito de contágio se começa a observar em todo o Magrebe, com particular destaque esta semana no Egito, com movimentações populares, derrocada da Bolsa no Cairo e disparo do risco de incumprimento da dívida soberana. O LEAP sublinha que, neste caso, há a possibilidade de uma vaga varrer os “satélites do Ocidente” em termos geopolíticos.
Mas não está latente só nesse mundo mais pobre. A mesma situação ocorre nos Estados Unidos com largas camadas da população que oscilam entre a nova pobreza e a raiva política aberta e na Europa em que os cidadãos ficaram ensanduichados entre o desemprego e o desmantelamento progressivo do estado social, diz o boletim.
O mesmo mal social também abrange as economias emergentes que vivem verdadeiros dilemas. O caso que poderá ter o maior impacto na economia mundial é a China que está entalada entre a hiperinflação em produtos sensíveis e a bolha imobiliária de um lado e a necessidade de manter a economia sobreaquecida para garantir emprego e manter a sensação de sucesso, por outro.
Em todos estes países crescem assimetrias gritantes, verdadeiras “bombas relógio” em montagem.
Impotência dos grandes
Um facto político novo junta-se nesta conjuntura, diz o boletim. Depois de mais de três anos sobre o início da crise financeira, ficou patente a “impotência dos principais atores geopolíticos”. Esboroaram-se a esperança e confiança iniciais na superpotência mesmo com uma liderança renovada, na Europa, na China e no G20.
“O mundo de 2008 foi apanhado de surpresa pelo violento impacto da crise, mas, paradoxalmente, o sistema internacional estava mais bem equipado para responder, na medida em que se centrava em torno de um líder indisputável”, refere o estudo. O que contrasta com a situação atual: “Em 2011 já não é esse o caso. Não só não há mais um líder desses, como a situação se agravou pelo facto de muitas sociedades estarem à beira de uma rutura económica e social”.
O estudo refere que a História é como uma mulher sexy de banda desenhada – dá um primeiro aviso (o que aconteceu com a crise financeira de 2008) antes de dar um chuto. “Estimamos que em 2011, ela dará o chuto”, conclui com ironia