quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

COISAS SIMPLES QUE A MEMÓRIA VALORIZA - A MERDA E O PAPEL

Quando eu nasci, mal saí do Hospital de Santa Maria ( quarto nº 2 ) no Porto, fui com os meus pais viver para um enorme edifício chamado Convento do Ferro que fica mesmo por baixo do tabuleiro superior da ponte D. Luís .

O edifício, enorme - e de que procurarei aqui voltar a falar  e com fotografias dos anos quarenta e cinquenta para mostrar como era viver naquela altura - tinha um corredor que corria cada um dos pisos ao meio e donde partiam saídas para salas ou quartos. Ou seja, era a funcionalidade no seu melhor.

Até onde a memória me não esqueçe, sempre, mas sempre, se assinou um jornal diário que estava disponível à hora do pão , ou seja a partir das sete da matina.
Primeiro , era o 1º Janeiro que aos fins de semana trazia as aventuras do Príncipe Valente em banda desenhada e que em mim exerceu o primeiro estímulo pelo conhecimento da  História. Depois , não sei porquê, veio o Comércio do Porto , e depois o Notícias.

O que recordo bem desse tempo é que o quarto de banho ficava no extremo do enorme edifício, e correspondia á última porta do enorme corredor : por aí se entrava num espaço comprido e muito  estreito onde estava no fim a sanita ( separada por uma parede completa do resto do que hoje chamamos "casa de banho " ( à lisboeta).

Junto à sanita havia pregado à parede um estilete que suspendia um conjunto de bocados de papel de jornal atrasado e há muito lido por todos os que em casa sabiam lêr, e que servia para aquilo que hoje é uso dar ao papel , chamado , higiénico. Era duro mas funcionava com uma insondável macieza depois de esfregarmos as folhas entre as nosas mãos.

Funcionava duplamente , uma vez que já tinha sido lido por todos e terminava a sua vida , numa função nobremente escatológica - e de limpeza .

Pus-me a pensar nisto quando , numa discussão, me disseram que não era possível à maioria das pessoas portuguesas poupar : é , e elas nem ( ainda ) imaginam como é fácil.

Mas a questão maior estava nisto: naquele tempo não se dispensava o alimento intelectual, mas secundarizava-se a merda. Agora não se dispensa o cuidado com a merda e prescinde-se da necessidade intelectual.Factos são factos. 

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