segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

GEOPOLÍTICA ECONÓMICA PRENUNCIA A MILITAR



Apesar dos mecanismos de financiamento montados por Bruxelas desde maio do ano passado e da intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), os investidores internacionais continuam a considerar que a Grécia e a Irlanda correm o risco de entrar em incumprimento da dívida soberana num horizonte de cinco anos.
“Intervencionada” desde maio com uma almofada de financiamento de mais de 100 mil milhões de euros até 2013, Atenas viu a sua probabilidade de entrar em default (incumprimento) aumentar até ao início de janeiro deste ano. Os próprios juros da dívida no mercado secundário aumentaram de um dígito para dois e continuam acima de 11%.
Um padrão quase idêntico se verificou com Dublin, que apesar de dispor desde final de novembro de um plano de apoio financeiro de dois mecanismos da União Europeia (UE), de empréstimos bilaterais de três países fora da zona euro, e de tranches do FMI, viu o seu risco de incumprimento aumentar, a ponto de ter atingido um máximo na segunda-feira desta semana. Apenas nos juros implícitos da sua dívida, o efeito aparente do acordo com Bruxelas e o FMI se está a sentir. O nível de juros baixou quase um ponto percentual, do patamar dos 9% para os 8%, mesmo assim um nível elevadíssimo.
Os dois países continuam a ser membros do ‘clube’ dos 10 países com maior risco de incumprimento do mundo, com a Grécia inclusive liderando o grupo e a Irlanda considerada pior do que a Argentina e a Ucrânia.
Por isso, a interrogação é legítima: para que serviu, então, a entrada de Bruxelas e do FMI na gestão das contas desses países?
Esqueletos no armário
Ainda que seja cedo para avaliar esses efeitos, pois no caso de Atenas ainda não decorreu um ano de intervenção e quanto a Dublin mal começou, há um aviso que o próprio governador do Banco Central da Irlanda, Patrick Honohan, deixou na semana passada: “Os pacotes de ajuda não reduzem os problemas nem os riscos de cauda. Nem o FMI nem as facilidades da UE oferecem um seguro contra este tipo de riscos – são, apenas, emprestadores”.
O papel fundamental destes acordos, disse o governador, é político: “quebrar hesitações e acelerar a tomada de decisões difíceis”, leia-se programas de austeridade e neutralização da oposição política a esses rumos. Por ‘riscos de cauda’ entende-se o facto de os mercados financeiros temerem que as surpresas ainda não tenham acabado, que há mais “esqueletos no armário”, mesmo que aparentemente invisíveis, que poderão vir à tona nos próximos anos.
A própria baixa de juros no mercado secundário e o sobe-e-desce das probabilidades de incumprimento destes dois países – bem como de outros em risco na zona euro – deriva mais da intervenção do Banco Central Europeu (BCE) do que do resto. “No conjunto, as medidas tomadas não se revelam uma solução efetiva para o problema da insolvência, apenas adiam o dia do juízo final para algum momento no futuro. Este processo tem, ainda, a agravante de concentrar os riscos nas contas do BCE”, diz-nos o professor alemão Ansgar Belke, da Universidade de Duisburg-Essen, que, ainda, recentemente disse isto mesmo num relatório para a Comissão de Assuntos Económicos e Financeiros do Parlamento Europeu.
Cinzia Alcidi, do Center for European Policy Studies, um think tank de Bruxelas, afirma mesmo que o BCE corre o risco de “se tornar, de facto, um bad bank”, um banco do lixo existente na dívida soberana de países da zona euro.
Alcidi e Belke temem que os políticos da UE tardem em ter um plano B e que empurrem Jean-Claude Trichet, o presidente do BCE, para um beco sem saída, que já deve pesar mais de €180 mil milhões (cerca de €76,5 mil milhões através do programa de compra de dívida soberana e o resto em colaterais) de exposição à dívida dos ‘periféricos’.
Ganhar tempo
O essencial das intervenções ocorridas é ganhar tempo para que os governos lidem com os cancros já detetados, diz Cinzia Alcidi. Os pacotes de resgate permitem ao país ficar pelo menos até meados de 2013 numa espécie de ‘cerca’ protegida da necessidade de recorrer aos mercados financeiros sobretudo para emissões de dívida de médio e longo prazo.
No caso irlandês lida-se com a insolvência de um sistema financeiro em que pululam bancos-zombie, aludiu o próprio governador do banco central. A Irlanda foi uma espécie de Islândia em ponto grande. Mais de 40% do resgate financeiro destinam-se a sanear o sector financeiro irlandês. Esta chuva de euros vai a par com um programa de austeridade que se sentirá particularmente este ano, com um corte orçamental de €6 mil milhões. Muitos analistas duvidam que a economia irlandesa nos próximos três anos acompanhe os desejos oficiais (de um crescimento acima de 2%).
Kevin O’Rourke, professor no Trinity College, de Dublin, aponta um erro capital: “O problema irlandês é de solvência e está a ser tratado como sendo de liquidez”. A própria ‘limpeza’ do sector bancário, diz O’Rourke, “não está na direção certa”, e acrescenta secamente: “O primeiro ponto de uma tal agenda deveria ser impor cortes de cabelo (hair cuts) aos detentores de títulos desses bancos”.
Os analistas interrogam-se, ainda, como vai decorrer o programa de austeridade em 2012 e 2013 se o governo mudar, como tudo indica, nas próximas eleições legislativas antecipadas neste primeiro trimestre.
A Grécia, entretanto, já recebeu três tranches de financiamento (mais de €31 mil milhões), mas o panorama de recessão não larga o país. As previsões apontam para a continuação da quebra do produto nos próximos dois anos, o que atrapalha o ajustamento. No entanto, “o Governo anunciou que conseguiu já em 2010 contrair em 36,5% o seu orçamento central, o que ficou acima do objetivo acordado com a UE/FMI”, sublinha-nos Jens Bastian, investigador do think tank Eliamep de Atenas. Mas as receitas líquidas ficaram abaixo do acordado. “Os resultados são, por isso, mistos”, ri-se. E não deixa de sublinhar que o leilão de dívida de curto prazo ocorrido esta semana “correu bem”, com os estrangeiros a comprarem 37%.
O maior risco apontado para a Grécia é social – o de irrupções na sociedade grega, incluindo a guerrilha urbana, o que assusta os investidores internacionais, que, além de mais, ainda não se esqueceram da imagem de vigarice deixada pelo anterior governo de direita. Mas Jens Bastian tem esperança: “Uma nova camada de políticos está a emergir nas Finanças e nas câmaras das grandes cidades como Atenas e Salónica, que apostam em mais transparência, credibilidade e cuja afiliação às dinastias políticas tradicionais é limitada ou nula”.
Resultados após a intervenção
GRÉCIA
- Criação em 2 de maio da Facilidade Especial ‘mista’ UE/FMI até 2013 no valor de €110 mil milhões (€30 mil milhões do FMI)
- Três tranches de empréstimos já desbloqueadas em 2010 (€20 mil milhões em maio, 9 mil milhões em julho e 2,5 mil milhões em dezembro) a uma taxa média superior a 5%
- Défice orçamental em % do PIB em 2010 (previsão): -9,6%
- Dívida Pública Bruta em % do PIB em 2010 (previsão): 141%
- Previsão de recessões em 2010, 2011 e 2012; retoma ligeira só a partir de 2013
- Probabilidade de default disparou de 45% em 3 de maio para 53,85% em 14 de janeiro
-Continua a liderar o ‘clube’ dos 10 de maior risco de incumprimento à escala mundial
- Juros implícitos da dívida pública a 10 anos no mercado secundário dispararam de 8,5% em 3 de maio para 11,11% em 14 de janeiro
- Problemas principais: dificuldade em re-estabelecer credibilidade política em virtude de comportamento do governo anterior da Nova Democracia substituído em finais de 2009 e riscos elevados de conflitos sociais internos com irrupções de guerrilha urbana
- Defaults desde a independência (1829): 1843, 1860, 1893, 1932
IRLANDA
- Aprovação a 28 de novembro de 2010 do Plano de apoio da UE/FMI e de 3 países fora da zona euro até 2013 no valor de €67,5 mil milhões (a que acrescem as contribuições “internas” irlandesas de €10 mil milhões por parte do Fundo Nacional de Reserva de Pensões e €7,5 mil milhões de reservas de caixa da Agência de Gestão do Tesouro). Apoio da UE é retirado da Facilidade Europeia de Estabilização Financeira (veículo intergovernamental) e do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (supranacional, que advém do orçamento da Comissão Europeia). A parte do FMI serão €22,5 mil milhões.
- 1ª tranche de empréstimo do FMI no valor de 5,8 mil milhões em dezembro de 2010 e 2ª tranche por parte das facilidades europeias no valor de €5 mil milhões em janeiro de 2011
- Défice orçamental em % do PIB em 2010 (previsão): 32,3% (incluindo a intervenção nos bancos)
- Dívida Pública em % do PIB em 2010 (previsão): 94%
- Recessão ligeira em 2010 (estimativa de -0,2%) e retoma económica a partir de 2011 a taxas de crescimento superiores a 2%
- Probabilidade de default subiu de 40,81% em 29 de novembro de 2010 para 42% a 14 de janeiro de 2011
- Irlanda desceu do 3º para o 4º lugar no “clube” dos 10 de maior risco de default à escala mundial
- Juros implícitos da dívida pública a 10 anos no mercado secundário desceram de 9,2% em 29 de novembro de 2010 para 8,33% em 14 de janeiro
- Principais problemas: insolvência do setor financeiro em virtude da bolha imobiliária dos anos 2000, risco das previsões de crescimento serem excessivamente otimistas e probabilidade de mudança de governo nas eleições legislativas antecipadas a realizar no primeiro trimestre de 2011
- Nunca teve defaults desde a independência (1916)
[Texto Longo]
O Global Economic Prospects 2011 alerta para os malefícios do “dinheiro quente” e projeta uma desaceleração no crescimento da economia mundial. Teme os efeitos da alta de matérias primas alimentares e uma resolução “desordenada” da crise da dívida na zona euro.
[Pode comparar os riscos apontados pelo Banco Mundial com os Cisnes Negros de 2011)
Uma recaída na recessão – double-dip, na famosa expressão do economês em inglês – à escala global este ano é considerada improvável pelo relatório Global Economic Prospects (GEP) do Banco Mundial, publicado esta semana.
Mas a projeção daquela entidade internacional aponta para uma desaceleração do crescimento em 2011 à escala global, um dado fundamental para o painel de bordo dos exportadores e investidores.
De uma taxa real de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,9% em 2010, aponta-se para uma taxa mais reduzida, de 3,3%. Só em 2012, a desaceleração se inverte ainda que a taxa de crescimento prevista, de 3,6%, seja inferior à de 2010.
No comércio mundial, a desaceleração é quase para metade entre 2010 e 2011: de um crescimento de 15,7% (uma recuperação notável face à quebra brutal de 11% em 2009) para uma projeção mais moderada de 8,3%.
Onde vai arrefecer o crescimento
Esta realidade de desaceleração encobre, no entanto, uma assimetria de movimentos. Há um conjunto de países emergentes e desenvolvidos que vão desacelerar muito mais do que os restantes. À cabeça a Tailândia, seguindo-se o Brasil, Argentina e depois os países de alto rendimento per capita não pertencentes à OCDE. O “modelo exportador” destes países vai ressentir-se bem como a dinâmica dos seus mercados internos.
Os dois motores do crescimento entre as grandes potências mundiais, a China e a Índia, vão também arrefecer o crescimento – ainda que ficando acima do número mágico dos 8%. A China baixa de 10% em 2010 para 8,7% em 2011 e a Índia de 9,5% para 8,4%. São reduções da dinâmica de crescimento na ordem dos 12-13% inferiores ao arrefecimento entre 35% a 60% no grupo de países referido acima.
No conjunto dos países de altos rendimentos per capita (os ricos), a taxa de crescimento vai abrandar, também, de um nível estimado de 2,8% em 2010 para uma projeção de 2,4% este ano. A zona do mundo desenvolvido com crescimento mais sofrível é a zona euro, que descerá de um crescimento de 1,7% para 1,4%. No entanto, a maior quebra de dinâmica será no Japão que poderá descer abruptamente de 4,7% em 2010 para 1,4% este ano. O crescimento da economia americana deverá manter-se nos 2,8%.
Continua claro que o “motor” do crescimento mundial se situa nos países em desenvolvimento e emergentes.
O relatório faz uma simulação no caso de novas medidas de austeridade serem introduzidas no segundo trimestre de 2011, por força das circunstâncias. No caso de uma consolidação orçamental adicional de 1 ponto percentual do PIB e de uma redução de 2,5% no investimento, o impacto negativo no crescimento mundial será de 0,6 pontos percentuais no PIB em 2011 e de 0,9 pontos percentuais em 2012. Nos países de alto rendimento per capita (os ricos), o impacto será superior a essa “média”.
As bolhas que o “dinheiro quente” insufla
A outra grande preocupação do relatório é o “dinheiro quente” (hot money, na gíria financeira) que gera arriscados movimentos especulativos de curto prazo induzindo alta volatilidade, uma situação que provoca enormes estragos nas economias afetadas.
As bolhas nos ativos desenvolveram-se nos mercados emergentes quer nos títulos (mais 30%) como nas participações (42%) no ano passado. Segundo a Investment Management Association, do Reino Unido, os mercados emergentes foram os “mais populares para o dinheiro dos investidores dos fundos privados”. O fluxo de capitais privados para os países em desenvolvimento expandiu-se 44%, mas mesmo assim muito abaixo do pico em 2007.
No conjunto dos BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China -, a oferta de moeda cresceu 27% ao ano em 2010, e destacou-se no caso russo com um crescimento de 38%. Os preços do imobiliário em oito países da Ásia Oriental aumentaram 17% ao ano desde 2007.
Vários países em desenvolvimento dispõem, agora, de reservas superiores a 40% do seu PIB, com destaque para a Argélia e Líbano acima de 80% e Tailândia e China acima de 50%. Na Europa, a Roménia tem mais de 40%. “O custo de manter reservas tão elevadas pode ser alto – particularmente tendo em conta o risco das taxas de câmbio, sobretudo quando estão concentradas numa dada divisa” (como o dólar).
O Banco Mundial aponta o dedo “à política monetária nos países de alto rendimento per capita”, em virtude de taxas de juro muito baixas (em alguns casos, negativas, em termos reais) mantidas pelos bancos centrais destinadas a prevenir a deflação e a alegadamente favorecer a economia real desses países e a retoma económica. Este dinheiro barato tem gerado, no entanto, o que tecnicamente se designa por “carry-trade”: “os investidores pedem emprestado nos países com taxas de juro baixas e investem em países em desenvolvimento com taxas mais elevadas”, sublinha o relatório.
Alta nas commodities
O terceiro ponto de preocupação que o relatório do Banco Mundial aponta diz respeito à volatilidade nos mercados de commodities, com destaque para os metais industriais, os metais preciosos (sobretudo a prata) e para as matérias-primas alimentares.
O impacto desta alta – particularmente das alimentares – é já sensível nos preços ao consumo em muitos países em desenvolvimento e emergentes, com disparos hiperinflacionários, como tem sido noticiado na China.
O Banco Mundial alerta que, se esta alta prosseguir, “a pobreza pode intensificar-se” e os riscos de explosões sociais e políticas também.
Preocupação com o risco de default
A vaga de pré-defaults (incumprimentos da dívida soberana) em vários países da Europa que brotou em força em 2010 – quando se julgava ser um fenómeno “isolado” à pequena Islândia e depois à Grécia, fruto de vigarices de um governo que foi deposto em eleições – continua a preocupar o Banco Mundial. É mesmo o risco mais importante no curto prazo, sublinha o relatório, que teme “uma resolução desordenada” do problema.
Segundo as simulações do Banco Mundial, “um grande defaultC pode ter um impacto cumulativo que pode ir até -4,1% do PIB mundial, no caso de uma perda de confiança muito séria”.
O que ocorrer na Península Ibérica – Portugal e particularmente Espanha – terá particular impacto, diz o relatório, na América Latina, no Magrebe, no Médio Oriente e em África. “Aproximadamente, 11% dos depósitos na América Latina e Caraíbas estão em bancos espanhóis, enquanto os empréstimos por parte de bancos espanhóis representam 9% de todos os ativos bancários da região. Os bancos portugueses, por seu lado, desempenham um papel importante no Brasil e contam com 30% ou mais dos ativos em países africanos como Angola e Moçambique”, diz o relatório.

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