segunda-feira, 23 de abril de 2012

já vejo luz ao fundo do túnel


Presidenciais francesas

O vento começa a mudar na Europa

23 abril 2012
Presseurop
Financial Times Deutschland, Rzeczpospolita, El País, To Vima
Segundo a imprensa europeia, a primeira volta das eleições presidenciais em França tem uma vencedora, Marine Le Pen, e dois vencidos, Nicolas Sarkozy e… a Alemanha.
Havia muito que a necessidade de uma segunda volta, que será disputada por François Hollande e Nicolas Sarkozy, era anunciada pelas sondagens, que, nos últimos dias, colocavam em primeiro lugar o candidato socialista. Em contrapartida, a votação obtida pela candidata da Frente Nacional não estava prevista. Com perto de 20% dos votos, Marine Le Pen vai ter peso na campanha do Presidente cessante.
Para o Financial Times Deutschland, o segundo lugar de Nicolas Sarkozy é uma "humilhação", que reflete a "rejeição brutal" de que este é alvo. Este diário alemão considera que a primeira volta não é apenas "um resultado, mas um veredicto contra um Presidente incapaz de realizar as reformas necessárias". Convencido de que os franceses querem desembaraçar-se de Sarkozy a qualquer custo, o FTD salienta que François Hollande poderá ter um sentido do pragmatismo, essencial para sair da crise:
Os resultados desta primeira volta contêm em si uma grande oportunidade e, ao mesmo tempo, um risco ainda mais significativo. Paradoxalmente, essa oportunidade esconde-se por trás da aparência incolor de Hollande e da sua presença pouco dinâmica. Se não houver um milagre nas duas próximas semanas, a França irá ter um Presidente enfadonho, no lugar de alguém que faz constantemente a sua autopromoção. Mas, devido ao seu caráter discreto e à sua falta de determinação, Hollande poderá, melhor do que o seu antecessor, ser capaz de lançar uma política pragmática de reformas necessárias ao país, para sair da crise da dívida e da miséria económica.
Em Varsóvia, o editorialista do diário Rzeczpospolita, Marek Magierowski, considera que "Nicolas Sarkozy vacila". Segundo Magierowski, o Presidente cessante
terá dificuldade em conquistar os apoiantes de Marine Le Pen, muitos dos quais deverão ficar em casa daqui a duas semanas. Se quiser sonhar com a reeleição, Sarkozy deverá arriscar tudo e deslocar-se mais para a direita. Decididamente mais para a direita. Se quiser ganhar, terá que se tornar lepenista. Nem que seja só por algum tempo.
Por seu turno, o jornal El País considera que os efeitos da votação em França ultrapassam as fronteiras daquele país. Este diário de Madrid escreve:
Toda a Europa, e não só, se sente afetada por estas eleições, em que se defrontam conceções diferentes da integração ao nível do continente. Apesar de, na última etapa, Sarkozy se ter aproximado das teses de Hollande, que defende que, na UE e, em especial, na zona euro, devem ser delineadas estratégias de crescimento, e não apenas medidas de austeridade asfixiantes, existem outros elementos, como o controlo da imigração na UE, que os separam. Seria paradoxal que o principal aliado de Rajoy [primeiro-ministro espanhol] na UE viesse a ser um socialista no Eliseu. Mas só aparentemente, porque Sarkozy foi isso mesmo para [o socialista José Luis] Zapatero.
Para o jornal grego To Vima, a votação em França constitui "uma lição para a Alemanha". "A derrota de Nicolas Sarkozy não é apenas a sua própria derrota, mas também a da política alemã", afirma este diário de Atenas. Uma política que Sarkozy "apoiou fielmente". O jornal salienta que, destas primeiras eleições importantes desde a assinatura do pacto orçamental, se destacam duas mensagens:
Em primeiro lugar, que o papel de liderança da Alemanha e da França é a principal questão que divide o eleitorado francês. Em segundo, que, apesar de estar a ser menos atingido, o povo francês sente as consequências da política imposta pela Alemanha na Europa […]. Se a segunda volta confirmar a derrota de Sarkozy e a França mudar de Presidente, isso não significa que o novo chefe de Estado vá realmente reagir contra as imposições que a Alemanha faz à Europa. Em especial, porque os mercados ameaçariam rapidamente a França com taxas de juro elevadas, se esta não se adaptasse à política alemã. […] Portanto, a Europa muda contra a Alemanha. Porque é possível assustar os governos, mas não os povos. É por isso que, quer François Hollande seja ou não eleito, o início do fim da imposição das regras pela Alemanha já começou.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

notícias da contra-informação

Economia

FMI, um aliado inconveniente

18 abril 2012
NRC Handelsblad Roterdão
Christine Lagarde, a diretora do FMI, numa conferência de imprensa em Paris, em outubro de 2011.
Christine Lagarde, a diretora do FMI, numa conferência de imprensa em Paris, em outubro de 2011.
Bloomberg via Getty Images
O Fundo Monetário Internacional, que acaba de alertar a Europa para o risco de uma nova crise, faz parte da troika encarregada de ajudar os países em dificuldade. Mas há um ano que o salvador se manifesta menos conciliador, sob a presidência da francesa Christine Lagarde.
No Natal, a diretora do FMI, Christine Lagarde, ofereceu uma joia da Hermès à chanceler alemã. Angela Merkel também lhe tinha dado um presentinho: um CD de Beethoven tocado pela Orquestra Filarmónica de Berlim.
No entanto, o relacionamento pessoal entre as duas mulheres passa presentemente por uma dura prova, quando o FMI, após dois anos de intenso envolvimento na luta pela contenção da crise na Europa, começa a expressar o seu descontentamento. Resta saber se a China, o Canadá e o Brasil o vão seguir.
O FMI de há um ano era muito diferente do FMI de hoje. Para Dominique Strauss-Kahn, o papel de "salvador do euro" surgia como uma benesse: ambicionava tornar-se Presidente da França. Com Christine Lagarde, o FMI tornou-se "um parceiro menos estável", segundo um funcionário europeu.

Um parceiro de segundo plano

A diferença de personalidades entre o economista e político "DSK" – que se demitiu em maio de 2011, na sequência de uma acusação de violação – e a advogada e executiva Christine Lagarde, que lhe sucedeu, só parcialmente explica essa mudança de rumo.
Acima de tudo, o FMI tem cada vez mais dificuldade em lidar com o papel que lhe atribuem na "troika", formada com o BCE e a Comissão Europeia. Habituado a agir de forma independente, tornou-se "um parceiro de segundo plano” na zona euro.
Os europeus da troika são muito rigorosos: o seu principal comandante é a Alemanha. Em caso de divergência de opinião, o FMI é, por vezes, o único membro a votar a favor dos gregos.
"O FMI nunca se viu em tal situação", considera Charles Wyplosz, do Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento, de Genebra. "O FMI mergulhou num banho de política."
Já com Dominique Strauss-Kahn, os países não-europeus protestavam contra este fenómeno. Os críticos também se expressavam, internamente. Mas o número dois do FMI, o norte-americano John Lipsky, não tinha peso, perante o seu inspirado superior.
Quanto ao diretor do Departamento Europeu, António Borges, ex-vice-governador do Banco de Portugal, nunca contradisse o patrão. Um português que tratava de Portugal – também isso foi decidido por Dominique Strauss-Kahn.
Strauss-Kahn decidia tudo. Convocava os chefes de Estado, participava nas cimeiras europeias. Tinha grande influência sobre a chanceler alemã. Acabava de entrar num avião para Berlim, quando foi detido. Angela Merkel ficou em choque. "Isto é grave", disse ela quando ouviu a acusação, "mas preciso dele!".
Logo após a saída de Strauss-Kahn, Lipsky também deixou o FMI. O seu sucessor, David Lipton, é, segundo Charles Wyplosz, "muito poderoso. Trabalha sob instruções de Clinton e Obama. Encarna a Casa Branca. Lipton considera que as medidas tomadas pelos europeus para a crise são inúteis".

Duas escolas de pensamento opostas

Em novembro, Christine Lagarde demitiu António Borges. O seu substituto, o anglo-iraniano Reza Moghadam, é um homem competente, mas não tem ligações com a zona euro. A direção do FMI tende cada vez mais a privilegiar as posições anglo-saxónicas, em detrimento das europeias.
Os britânicos e norte-americanos reforçam o seu controlo sobre uma crise que tem duas escolas de pensamento opostas a combatê-la: de um lado, estão os defensores do rigor orçamental e, do outro, os que estão convencidos de que uma tal abordagem representa um perigo para a economia. Angela Merkel pertence ao primeiro grupo, Christine Lagarde ao segundo.
Christine Lagarde enviou uma equipa do FMI a Itália, fora do quadro da troika. Quer que os bancos europeus atraiam mais capital. Pretende a criação de um gigante corta-fogo. E os eurobonds, as obrigações europeias. O que suscita irritações na Europa.
Quando era ministra da Economia e Finanças da França, Christine Lagarde defendia já um fundo de apoio poderoso e obrigações europeias. Nessa época, Angela Merkel conseguiu pôr a questão de lado. Agora não: a Europa pretende obter fundos do FMI.
Recentemente, estas correntes vieram à tona num discurso de Christine Lagarde, proferido em Berlim. Tinha jantado com Angela Merkel, a quem tinha levado uma vela perfumada com flor de laranja, simbolizando "a esperança", como explicou mais tarde, "porque temos tido debates difíceis". Nessa noite, Angela Merkel teve acesso prévio ao discurso de Christine Lagarde: um longo acerto de contas em relação à política europeia da Alemanha.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

APOGEU CHINÊS PROVOCARÁ MAIOR INTIMIDADE EURO-AMERICANA

Debate

Marte e Vénus, dez anos depois

11 abril 2012
El País Madrid
Marte e Vénus. Escola de Fontainebleau, séc. XVI.
Marte e Vénus. Escola de Fontainebleau, séc. XVI.
Os americanos acreditam no Deus da guerra, os europeus inspiram-se na Deusa do amor, afirmava o americano Robert Kagan em 2002. Mas após o Iraque, o Afeganistão e a crise europeia, esta tese controversa revela uma reviravolta surpreendente das perspetivas.
Chegou a hora de deixarmos de fingir que não somos diferentes, disse há dez anos Robert Kagan. A frase suscitou grande polémica. Os americanos – escreveu Kagan no seu artigo (“Power and Weakness”, Policy Review 113/2002) – são de Marte (o Deus da Guerra) e os europeus são de Vénus (a Deusa do Amor).
Os americanos – prosseguia Kagan – vivem num mundo hobbesiano, um mundo regido pelo uso da força, enquanto os europeus vivem (ou imaginam viver) num mundo kantiano, regido pelo direito e pelas instituições. Por conseguinte, enquanto os europeus fazem todos os possíveis por se livrarem do poder e da força, os americanos utilizam esses dois instrumentos para moldarem o mundo à sua imagem e semelhança.
Terminada a Guerra Fria, dizia Kagan, os europeus preparavam-se para viver num mundo feliz. No entanto, o 11 de setembro de 2001 demonstrou que o mundo não mudara no sentido que os europeus desejavam. Mas, em vez de enfrentarem a realidade, estes empenham-se em negá-la.

Novo intervencionismo liberal

O artigo de Kagan viria a dar origem a um livro com o mesmo título e a rios de tinta e críticas. Hoje, dez anos depois, a revista em que o artigo foi originalmente publicado (Policy Review) apresenta uma interessante retrospetiva, encabeçada pelo mesmo autor, Robert Kagan (“A Comment on Context”, Policy Review 172/2012), e seguida por um interessantíssimo artigo de Robert Cooper (“Hubris and False Hopes”), um dos arquitetos intelectuais da política externa europeia.
Kagan conta várias coisas que não sabíamos e que ajudam a compreender melhor o seu artigo. Em primeiro lugar, o texto foi concebido antes do 11 de setembro e, obviamente, antes da guerra do Iraque, pelo que não pretendia de modo algum ser uma justificação para essa guerra ou para as políticas de Bush. As diferenças entre a Europa e os Estados Unidos são estruturais e já eram visíveis na época de Clinton. A Administração Bush viria agravar essas diferenças, mas não as gerou, afirma Kagan.
O autor conta igualmente que, na realidade, no momento em que escreveu o artigo, a maior influência que sofreu foi a de um europeu, Robert Cooper, o diplomata britânico que, durante uma década, assessorou Javier Solana na União Europeia, e também ele autor de um texto polémico, "O Estado pós-moderno" (2002), no qual se advogava um "novo intervencionismo liberal". As democracias europeias, argumentava Cooper, precisavam de superar os seus receios e intervir militarmente no exterior, em defesa dos valores da democracia liberal. Por esse mundo fora, dizia Cooper, não havia apenas entidades pós-modernas como a UE, mas também Estados modernos e Estados fracassados que se regiam por parâmetros clássicos como a força ou o poder.

Humildade de ambos os lados

O facto de a crítica de Kagan às atitudes europeias face ao recurso à força encontrar eco dentro da própria Europa é extremamente interessante, porque põe em causa o seu argumento sobre o caráter permanente ou mesmo inconciliável dessas supostas diferenças entre europeus e americanos.
Mais interessante ainda é a conclusão que o próprio Cooper apresenta, uma década mais tarde, sobre o resultado deste "confronto" entre Vénus e Marte. Depois dos erros do Afeganistão e do Iraque, os Estados Unidos são vítimas da "fragilidade do poder": o seu imenso poderio militar de bem pouco serviu e resultou numa dura lição de humildade.
Os EUA aprenderam que precisam de se centrar na política, na legitimidade, na construção de Estados, no direito – e não apenas na força. Entretanto, do outro lado do Atlântico, o mundo kantiano pós-moderno em que os europeus acreditavam também não se torna mais eficiente. Humildade de ambos os lados. Empate entre Vénus e Marte, tendo como pano de fundo o apogeu chinês?

quinta-feira, 5 de abril de 2012

SER CATÓLICO É LUTAR ESPIRITUALMENTE , TAMBÉM, PELA ESPERANÇA


Imagens...  
Desempregado carrega uma cruz para as celebrações da Semana Santa em Pamplona, Espanha
foto RAFA RIVAS/AFP

A HUMANIDADE DO SUICÍDIO - 1

Grécia

O suicídio que está a chocar os gregos

5 abril 2012
Ta Nea, 5 abril 2012
Tinha 77 anos, estava reformado e suicidou-se de maneira espetacular na principal praça de Atenas. Para Ta Nea, Dimitris Christoulas, ao dar um tiro na cabeça perante quem passava, deixou uma “mensagem de desespero com um suicídio público”. Em choque, muitos atenienses manifestaram-lhe a sua simpatia, exprimindo o seu apoio a um ato considerado como um gesto político de protesto contra a política de rigor imposta pela troika UE-FMI-BCE.
No entanto, o diário, recusa qualquer aproveitamento político e publica na primeira página um desenho que representa um homem prestes a matar-se, com o seguinte diálogo:
“Não aguento! – O que é que não aguenta, tiozinho? – Ver o que vocês vão dizer sobre aquilo que vou fazer!”
Por seu lado, o editorialista de To EthnosGeorges Delastik, considera que
este homem não era louco. Decidiu pôr fim aos seus dias aos 77 anos para ter um fim decente e não morrer de fome. Não se trata de um suicídio, mas de um homicídio. Deixou uma carta em que descreve como a ditadura imposta ao seu país lhe cortou a garganta. Atualmente, os reformados são obrigados a mendigar e a procurar comida nos caixotes de lixo…

A HUMANIDADE DO SUICÍDIO -2

Itália

A crise mata os pequenos patrões

5 abril 2012
Linkiesta Milão
  • Pr
Niels Bojesen
Desde que a crise começou, em 2008, pelo menos cinquenta artesãos e donos de pequenas e médias empresas (PME) cometeram suicídio, na região que foi o motor do milagre económico da década de 1990. Aqueles que não foram capazes de se adaptar às novas circunstâncias assistem ao colapso do modelo que proporcionou uma prosperidade que pensaram ser inesgotável.
Os olhos de Laura Tamiozzo estão colados ao ecrã de um computador portátil e a sua voz, suave mas determinada, ressoa no salão paroquial do centro de San Sebastiano, em Vigonza, uma aldeia perto de Pádua. Por trás dela, está afixado um cartaz do sindicato Filca-CISL da região do Véneto, que organizou esta reunião pública.
Mostra vários túmulos alinhados e os nomes de 25 empresas, há muito tempo implantadas, que fecharam as suas portas no meio da indiferença geral. "Querida Flavia, não me foi fácil escrever esta carta, mas não queria deixar de te dizer que o drama que atingiu a tua família é o mesmo que atingiu a minha."
Laura Tiamozzo lê a carta que enviou a 22 de janeiro a Flavia Schiavon, de 35 anos, que está sentada ao seu lado. A Grande Crise levou-lhes os pais. Ambos eram empreiteiros e ambos se suicidaram.
Giovanni Schiavon deu um tiro na cabeça, em 12 de dezembro passado, no escritório. O caso deu brado, porque Schiavon estava realmente endividado, mas o Estado devia-lhe 250 mil euros. Antonio Tamiozzo, por seu lado, enforcou-se na noite de 1 de janeiro, num armazém da sua empresa, que empregava mais trinta pessoas.
Daniele Marini, diretor da Fundação Nordeste, explica que, embora seja "difícil estabelecer um perfil típico destes empresários", é possível identificar algumas características comuns.
O primeiro é a pequena dimensão, por vezes mínima, dos seus negócios, que operam principalmente em setores já consolidados, como a construção civil ou o pequeno artesanato, entre outros. Há também o facto de uma PME do Nordeste lidar em média com 274 fornecedores, os quais realizam geralmente cerca de 80% do produto acabado, pelo que todas as PME estão intimamente relacionadas entre si.

Ter de declarar falência é considerado uma vergonha

Segundo dados da CGIA [o sindicato das PME e dos artesãos] de Mestre, desde o início da crise, pelo menos 50 pequenos empreiteiros ou artesãos do Véneto puseram termo aos seus dias. "A partilha do trabalho torna-se partilha da vida", explica o escritor e jornalista Ferdinando Camon. "Quando a empresa entra em crise, o patrão sofre terrivelmente por não ser capaz de pagar aos empregados e por vê-los apertar os cintos. É essa a razão para muitos destes suicídios: ter de demitir colaboradores, fechar portas e declarar falência é considerado, na cultura das comunidades laboriosas do Nordeste, uma vergonha, uma violação das responsabilidades sociais do patrão da empresa."
Não é de excluir, afirma Camon, que alguns casos de suicídio "expressem uma vontade mais ou menos consciente de designar o devedor, ou seja, o Estado, como um assassino, como responsável por essas mortes”.
Aumenta a raiva e a relação com o mundo político parece irremediavelmente degradada. Depois do Tangentopoli [grande investigação anticorrupção que varreu a classe política nos anos 1990], a economia e a sociedade de Véneto acharam que cresceriam muito melhor sem o freio das "instituições".
A desconfiança em relação ao Estado é perfeitamente recíproca: "O Nordeste é uma selva misteriosa. Roma não penetra ali. Ou se o faz, não o entende."

Sozinhos, isolados, incompreendidos

Uma das poucas certezas é que esses empresários da região do Véneto se sentem sozinhos, isolados, abandonados, incompreendidos. Da reunião de Vigonza, nasceu a proposta de criar uma Associação das Famílias das Vítimas da Crise. Quanto às várias associações profissionais, esforçam-se por responder às necessidades mais urgentes. No final de fevereiro, a Confartigianato (associação dos artesãos) de Asolo e Montebelluna inaugurou o Life Auxilium, um serviço de apoio aos empresários em dificuldades, dotado de um número de telefone gratuito (que recebe em média uma chamada por dia) e um centro de atendimento.
Estes suicídios são, pois, a consequência macabra do esgotamento de um "modelo"? Não necessariamente. Na realidade, a "locomotiva da Itália" – uma região cheia de energia, palco de uma explosão selvagem e espontânea de empresas de todos os tipos – tinha começado a abrandar no início da década de 2000.
Foi então que "o desenvolvimento do Nordeste, tal como o conhecemos, começou a descarrilar, porque os fatores subjacentes a esse enorme dinamismo tinham chegado ao seu limite", lê-se em Innovatori di confine. I percorsi del nuovo Nord Est ["Inovadores dos confins. Os caminhos do novo Nordeste "] (publicado por edições Marsilio, 2012), um livro coletivo dirigido por Daniele Marini.
"A grande disponibilidade de mão de obra deu lugar à estagnação demográfica, à falta de trabalhadores locais; estas empresas de gestão familiar antiga depararam-se em seguida com as dificuldades da sua transmissão às gerações mais novas; e os campos da região, em vias de urbanização, mas ainda com espaços livres, foram ficando gradualmente saturados, tanto em termos de área disponível como de infraestruturas. Todos esses fatores, que haviam impulsionado favoravelmente a economia do Nordeste rumo à prosperidade, atingiram os seus limites."
Stefano Zanatta, presidente da Confartigianato Asolo-Montebelluna, tem o mesmo entendimento: "A crise trouxe à superfície as fraquezas do sistema. Este continua muito fragmentado, formado por pequenas e microempresas. Isso começou por ser uma vantagem, enquanto a máquina funcionou, e gerou riqueza e pleno emprego. Mas agora, com uma crise que já dura há quatro anos, não somos capazes de lidar com um sistema que é mais forte que nós."

O trabalho é tudo

Se atentarmos nos dados da Movimprese [estatísticas empresariais italianas] para o período de 2006-2010, percebe-se que o equilíbrio entre os novos inscritos e as cessações de atividade no Nordeste é negativa: desapareceram 6023 PME. Para Daniele Marini, uma pequena empresa não tem necessariamente de fechar portas ou ser marginalizada pelo mercado.
Claro que é necessário conseguir dar um "salto evolutivo", em termos de inovação tecnológica, de organização da produção e dos serviços, e conseguir estabelecer "relações de produção e comerciais com empresas maiores, que se internacionalizaram".
Apesar das grandes transformações dos últimos vinte anos, as empresas do Nordeste continuam a ser fortemente "trabalhistas", em que todos – patrões e trabalhadores –, independentemente da origem social, da geração ou dos grupos de pertença, se identificam com o trabalho. E o trabalho é também a principal preocupação da população – sobretudo neste período.
Em 1996, o sociólogo Ilvo Diamanti [especialista no Nordeste] alertava: "o trabalho tornou-se a nova religião. [...] Temo que nos traga grandes problemas no futuro, e não apenas económicos. Porque se o trabalho é tudo, se for o sucesso económico a produzir satisfação, no dia em que o desenvolvimento abrande, o impacto não será apenas económico, mas também psicológico."
"A cultura e a felicidade não contam para nada. Os patacos – ‘schei’, como dizem aqui – são tudo", explica Ferdinando Camon: "o pequeno empresário endividado não vive uma crise económica – mergulha numa crise total. Nervosa, moral, mental. É por isso que se suicida. Porque os ‘schei’ são o único valor que reconhece e, se a sua vida for deficitária desse ponto de vista, considera que deixa de ser digna de ser vivida. Os ‘schei’ são um valor absoluto."

segunda-feira, 2 de abril de 2012

MAIS UM PASSO PARA A CONVERTIBILIDADE DO YUAN E A MARGINALIZAÇÃO DO DÓLAR

A China abriu uma nova etapa nas reformas capitalistas iniciadas por Deng Xioaping no final dos anos 1970, depois do fim da era maoista. O Conselho de Estado (conselho de ministros) em Pequim anunciou, na semana que findou, um programa piloto que permitirá a financeiros privados criarem entidades para emprestar a PME.
O local escolhido para a “experiência piloto” – o método usado desde o início das reformas de Deng, antes da generalização de reformas a todo o país – foi Wenzhou, na província costeira de Zhejiang, a cidade conhecida pelo seu pioneirismo na iniciativa privada na era pós-maoista.
Com os rumores de “golpe de estado” tentado por parte de uma fação (alegadamente revivalista da Revolução Cultural) a campearem pelas redes sociais chinesas, esta notícia quase passou despercebida.
Finança ao sol
O governo chinês “legaliza” uma atividade financeira privada que tem estado “submersa”. Segundo Gu Shengzu, professor de Economia na Universidade de Wuhan, citado pela revista privada independente Caixin, “um dos pontos da agenda da reunião [do Conselho de Estado] foi a necessidade de trazer os desenvolvimentos da finança privada para o sol e de levá-la a atuar de um modo racional”.
Na realidade, em virtude da criação de uma classe rica na China, com liquidez financeira, floresceu um sector informal de financiamento a empresários e empresas, em virtude do aperto no crédito por parte dos bancos (públicos) e do “filtro” criado pelos critérios políticos de estratégia das diversas cidades e províncias, ou mesmo definidos a nível central. O professor de Wuhan, citado pela Caixin, sublinha a importância de colocar ordem nesta finança paralela em virtude dos riscos potenciais que gera. Nada como legalizá-la.
O programa piloto permite, ainda, que os residentes na cidade possam investir diretamente em instituições financeiras no estrangeiro.
Cidade pioneira
Wenzhou é conhecida como cidade pioneira do capitalismo privado contemporâneo e um antigo porto de comércio internacional. Tem 240 mil empresários em nome individual, 130 mil empresas privadas e 180 grupos económicos privados.
Ali foi criada uma das três companhias aéreas privadas da China, a Juneyao Airlines, que opera a partir dos dois aeroportos de Xangai (Pudong e Hongqiao) voos domésticos com 24 Airbus (estando encomendados mais 6).