segunda-feira, 29 de junho de 2009

O VENENO DA INVEJA

Talqualmente aqui havia previsto há semanas a propósito do comportamento dos 51% dos trabalhadores da Auto-Europa a que se recusaram a subscrever o pré-acordo da sua Comissão de trabalhadores com a Administração da Volkswagen, o resultado foi risível para os trabalhadores. Da próxima será dramático.
Se o acordo proposto tivesse sido aceite os trabalhadores iriam perder 48 euros em 2009 por trabalharem dois sábados sem receberem horas extraordinárias. Assim, com a recusa vão apanhar com um lay-off de dez dias perdendo cada um deles .... entre 480 a 560 euros.
Além disso perdemos também, todos nós os contribuintes, as respectivas contribuições para a Segurança Social desses trabalhadores, no valor de de 70 a 80% dos dois terços dos salários que eles receberão nesses dias.
Se a estupidez não mata, morde.
Mas como nem só de inveja vive o homem português, fiquei a saber que um primo de Álvaro Cunhal, de seu nome Alfredo Cunhal, engenheiro e herdeiro duma monumental fortuna em dinheiro e herdades no Alentejo, dispôs-se a deixar Lisboa e partir para o Alentejo onde construiu escolas para os seus filhos e dos trabalhadores, se dedica à produção ecológica o mais que pode ser, e explora ao máximo as funções sociais do capital através da construcção duma estrutura social digna, para quem trabalha com ( e não para ) ele.
E, apesar de primo do falecido, não é comunista.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

OS CINCO PECADOS MORTAIS DA CONDIÇÃO LUSA, 4: AS DEFINIÇÕES ( OU A INTOLERÂNCIA)

Se calhar poucas coisas há de mais práticas que uma boa teoria. Mas tem que ser boa.
Sem uma teoria não se vive a minúcia do dispôr que pode ser inspirada num empolgado amor à vida. Inspirado na eloquência dos actos a realizar.
Na ausência da boa teoria se pode dizer que estamos perante uma das tais formas de ausência que relevam a posterior solidão que asfixia. Porque as teorias, as regras, as definições são imagens antecipadas, espécie de memórias do futuro de cada um de nós. Está ali o que a vida há-de ser.
Mas há gente que se afasta tanto da realidade que cavalga as próprias palavras. E sai a galope no empolgamento de tudo poder. Como os megalómanos.
Há outros, ao contrário, que vivem subjugados à tirania do dever, e reclamam para si o estatuto de vítimas. Do poder. Do destino. Dos outros. Do mundo que se uniu para os tramar. Como acontece com os depressivos.
Em todo o caso, entre estes polos opostos estende-se o grosso do pelotão.
É gente que se apaixona já não pela pela definição duma emoção - seja o empolgamento do poder ou a tirania do dever - mas por algo mais complexo.
Apaixona-se pelas metáforas que constrói como se de regras se tratasse. E passa o tempo fora da realidade.
Gente que usa e abusa dos pré-conceitos. E que por viver deles, ama insinuar a sua sabedoria sobre o cosmos. Que por uma nesga, sempre prescrutada, é capaz de fazer passar mais uma orientação. Um voo-de-asa que tudo sumariza. Regulariza. Define. Tudo interpreta. Tudo explica.E, infelizmente, na maioria das vezes, nada compreende nem sequer entende.
Porque não faz mais, no seu preconceito a que chama intimamente de teoria, do que substituir uma realidade por um eufemismo. Como se tomasse um um terreno com a multiplicidade dos seus vales, montanhas e planícies, pelo mapa do terreno. Espécie de versão normal do esquizofrénico que come a carta do "menu" em vez de saborear os petiscos que ela propõe.
O grosso do pelotão é assim constituído por aqueles para quem quando os dados contrariam a teoria mussitam:-"tanto pior para os dados!...". E ficam-se tranquilos.
(lembram-se do Paulo Bento perante as derrotas do Sporting?)
Mas além de preconceituosa e tranquila face às discrepâncias entre o que é e o que deveria ser, é gente mais teimosa que tenaz e mais rígida que aberta. Nunca observou o canavial que no meio da tempestade, com o seu jogo de cintura curva as canas para um lado e para o outro, mas no fim ficou intacto; e o diospireiro, duma madeira rigíssima, que na mesma tempestade ficou reduzido a meio tronco.
É gente que fala mais alto que baixo e mais depressa que espaçadamente.
E que tende a acabar as frases formalmente, mais do que ensaiar a imperfeição perfeita de as deixar abertas ao universo de significações dos outros.
Gente que fita fixamente, em vez de deixar errar o olhar ao acaso. Única forma de abranger a riqueza da realidade.
Gente que propende a exigir informações mais do que a inquirir acerca dos sentimentos. Por isso o seu léxico alonga-se na razão inversa em que se esgota a emoção.
Gente que ignora a força inspiradora e usa as suas definições como diques. Como maneiras várias de dizer não. Ou dizer mal de tudo. Possuem, porque não ultrapassaram os três anos de idade emocional, um latente automatismo do Não.
E quando não encontram o eufemismo que sirva, embebem de saliva um dicionário em busca duma definição que se aplique.
Na literatura, no ensaio e na política, passam a vida a citar alguém, à falta de ideias próprias. A quem amam tanto como a definição das coisas.
Amam as definições para se sentirem definitivos.
E o mundo que se amanhe como puder em caso de discordância entre os factos e o arrumo pedagógico. Está a vida a palpitar à nossa volta, e atrevem-se a impedir que a vejamos que é para não vêr errado.
Acontece que o destino é às vezes desmancha prazeres, e então essa vida esquecida protesta e reduz bibliotecas inteiras de dicionários de regras, definições e teorias a papel de embrulho.
E sabem o que é que eles fazem?. Arranjam uma nova teoria. Que não propriamente uma teoria nova. Porque não podem parar. Porque quem tem, ou julga ter o poder, precisa das definições definitivas para se sentir perene e não precário.
Por isso, para o poder, cada definição não passa dum pré-conceito imutável. Um preconceito que é uma imagem antecipada de preservação da sua imagem de poder.
Eles, que usam as definições deste modo, obrigam-se à ausência de tolerância com o mundo porque só julga quem não é capaz de compreender.

terça-feira, 23 de junho de 2009

S. JOÃO

Esta é a noite do meu Santo.
Recordo o tempo do alho porro e da erva cidereira que lá em casa colhíamos da terra para massajar todo o mundo. Recordo a festa mais democrática do cosmos que ocorria - vejam bem -na minha terra. Recordo o ar incrédulo dos turistas estrangeiros a quem o meu pai guiava e recebia nesta noite. Recordo a bastonada que a minha mãe recebeu dum polícia por lhe dar o alho porro a cheirar, e a complacência do meu pai que mesmo quando soube que aquele nódulo da mama, daí adveniente, podia ser mais que um simples quisto, pediu ao Comando que não pusesse o polícia na rua que era o que lhe estava destinado, porque o S. João era tempo de união e não revolta.
Suponho que depois de me ver a comer sardinha, limpa obviamente de toda e qualquer coisa parecida com uma espinha, a minha mãe que era dum Douro que não metia festas assim, passou a aderir incondicionalmente àquela festa.
Por essa altura, o Santo era mais que um ícone - era um exorcista dos pecados do ano e uma libertação feita de bailaricos em cada cruzamento da cidade, onde valia tudo o que era pecado no dia seguinte e nos outros a seguir. Namoros de S João concentravam num dia abstinências de 365 dias de quaresmas. E comia-se a carne, e, também, como disse, o peixe.
Hoje, li "menus" que compreendo mal mas a que quero bem. Porque não havendo tradição sem inovação acho que esta festa, até passada nos hoteis, pode fazer sentido: não é só na banca que aparecem produtos sofisticados !
E eu pensei cá para mim que uma nova receita vinha a calhar:

Ponha-se um comportamento a voar
e uma emoção a plagiar
num tornado de arrasar.

Junte-se-lh' um "flut" a deitar,
um malt pr'a sonhar,
e o resto a levedar.

Junte-se tudo ao Luar,
(numa noite de luar),
sempre pr'á frente a andar,
( a fascinar).

E: açúcar pró paladar,
azeite q.b. pr'a untar
num vazilhame ( a dourar ).
Ponha-se tudo a transpirar
Durante horas a ganhar
o molho pr'a degustar
fêveras a grelhar.



Assim:

Ponha-se tudo a ferver e,
passe-s'o dedo a correr
por aquela massa de ser.

Um olho a tentar perceber,
o outro olho a tentar entender
( são coisas diferentes ),
mas sempre tudo face-a-face,
a ferver...

A seguir:
ponham-se condutas a baralhar,
umas lágrimas de licôr a chorar,
e uns comportamentos a paradoxar.

tudo por môr de lh'achar
o gustar.
E sempre pr'a não enjoar.

E sempre,
embora com tudo a tilintar,
um guarda-napo ( de papel ) pronto
ao pranto assoar.

Põe-se portanto o pulso a pulsar,
a pele a suar
(do calor ) de abafar!

E aí temos:
um papo d'anjo no céu (da boca)
já está a flutuar,
ou um toucinho (do céu)a'banar,
ou um abade de priscos a arfar,

que é preciso um deus a rezar
( numa cascata )
pr'ajudar o nosso amor a conservar.

E ainda,
um amargo d'amargar.
Para ela lhe vêr o paladar!

Ponha-se a nossa conduta a perturbar,
a dela a contraditar,
e fica tudo a tiilintar,

E..., finalmente, acrescentar temor
aos tremores frequentes
de tão frementes que são.

Leve-se tudo a gratinar ao fim da noite,
e retire-se d'enformar (quente),
para o pôr a congelar
a zero- zero (0-0) graus!

Depois..., é só servir
com melancolia
à mesa.
O dedo mergulha baixinho
a ternurar.
E levanto-o (o dedo)
pr´os lábios dela
com-tactar.
E adorar.

Mas não te esqueças ò pá!
É tudo pr'a olvidar
que é tudo Amor, ò pá !
O amor de S. João.

No meu S. João recordo a Marília, minha vizinha nas escadas do Codeçal. Onde andas tu rapariga? Ainda sem seios, mas com aquele vestido armado a esconder a flexibilidade felina que nós sabemos?
E no meu S. João tudo era estética porque era um tempo em que mandava a ética da natureza.
E a ninguém lembrava as palavras de Francisco de Holanda que no seu manuscrito dos pintores via " a couve como esteio da arte". A mim e à Marília, nem como caldo verde !.

domingo, 21 de junho de 2009

OS 5 PECADOS MORTAIS DA CONDIÇÃO LUSA: O SEGUNDO: A IGNORÂNCIA E A INDIFERENÇA

Nas conferências às vezes também se aprende.
Como daquela vez em que , num congresso psiquiátrico, um célebrebre conferenista
equacionou os dois maiores problemas da humanidade de hoje:
A ignorância era um; a indiferença outro.
A meio da conferência um dos meus colegas bocejou e inquiriu para o lado:
-" O que é que ele disse?"

Ao que o colega do lado respondeu:-"Não sei nem quero saber."



A educação e a formação não são um fardo social. São antes uma sementeira a pensar no outono das colheitas. São, por isso, um desafio sempre primaveril.
É importante que isto seja repetido porque a morte das sociedades é sempre precedida por uma certidão de óbito: a das ideias. No seu estado nascente.
Quando uma sociedade se faz de nados-mortos atingiu a incapacidade de gerar. E esta menopausa social, quando sobrevém, não é com dia certo, determinado por alguma ordem matemática. Acontece, antes, quando os afectos murcham.



Já repararam que os projectos em Portugal não morrem de morte violenta, tão pouco de morte natural, mas murcham simplesmente?


Acontece portanto quando os afectos murcham, mas também quando a inteligência embrutece e a vontade desfalece. Quando ao desafio primaveril se contrapõe a renúncia. Como um sol tórrido que vem antes das coisas maduras. É que só no outono da vida é que as renúncias são de bom senso e nunca antes.
Ao Poder convém suprimir os desafios para afogar as ideias, principalmente as ideias que geram afectos. Ao Poder interessa promover a indiferença para perpectuar a ignorância. Sem perceber que um Poder sem desafios já é consequência, mas é sobretudo e cada vez mais causa de Autoridade pretérita .
Tem sido sempre assim na consciência moderna.


Porque a velocidade em crescimento exponencial a que a História percorre hoje o seu curso impõe ao Poder, e do Poder, um instrumentode sobrevivência: a ideia de mudança; ou as ideias a mudarem. O que exige um pressuposto que é a ausência de indiferença tão característica da consciência pós-moderna.



Hoje a vida impõe mudança de metas. De objectivos. E, por isso, não se pode prescindir das ideias. Há que resistir ao deserto de ideias E à indiferença. Há que resistir. Porque a resistência é por si condição de sobrevivência. Resistimos para sobreviver. Porque, resistimos, num mundo de mudança, para manter a nossa identidade. Para sabermos quem somos. Porque só com a noção de sermos uma unidade, possuirmos uma fronteira que nos separe dos demais, é que podemos sentir-nos uma identidade. Assim, defender a (nossa) unidade, as fronteiras e a actividade do nosso Eu, ou seja, a nossa identidade, é condição de mudança porque é condição para suportar as mudanças.
Resistimos, paradoxalmente , para podermos mudar. Sendo que a inovação é condição de toda a tradição.







quinta-feira, 18 de junho de 2009

OS 5 PECADOS MORTAIS DA CONDIÇÃO LUSA : A INVEJA

A inveja é o primeiro pecado mortal da condição lusitana. É um universo de motivações e de paradoxos. E de ignorâncias, porque, por definição, é inconsciente.

O invejoso não sabe que foi mordido pelo ingrato sentimento. Por isso necessita de se auto-justificar inventando um diálogo circular entre o seu Eu e o seu Mim. Para que o seu Eu conserve o seu valor acrescentado e se não desvalorize, precisa que o Mim lhe dê valores morais para sentir aquela indignação. Ora esses motivos assentam sempre numa distorção do sentido de justiça.

Para vêr-se livre do amargo sentimento, o invejoso seleciona uma das muitas estrelas apagadas do universo da sua existência. E projecta-a. Contradizendo-se. Mas obedecendo, paradoxalmente a uma lógica: a que transporta um homem da sombra dos seus fracassos até à auto-justificação e conforto por via do disfarçe da justiça das coisas.

E diz:-" Fulano ou beltrano foram bafejados pela sorte". Porque a sorte do outro sendo apercebida como o azar próprio, passa a ser o atestado íntimo da injustiça cósmica : -"Porquê ele e não eu?"....

E assim o invejoso vai alargando o seu universo feito de estrelas cadentes que iluminam a sorte dos outros e o azar próprio. E um universo destes é cada vez mais um caos e cada vez menos um cosmos. E, sendo um caos, está justificada a aleatoridade das coisas E, por aí, exorcizados os sentimentos secretos de fracasso próprio.

Resta todavia a o azedume duma desilusão que exige, para poder ser tolerada, que o invejoso apele para a (in)justiça sempre que fale dos invejados.
Ou se lamente da ingratidão do Mundo.

Ou da falsidade dos juízos humanos.

Ou, principalmente, do excesso de reconhecimento público dos outros.

Mas verdadeiramente o invejoso não quer justiça. Porque esta pressupõe sempre o confronto ( o desafio ) que ele teme. Ele quer simplesmente fortuna. Não quer equidade, mas privilégio
A tentativa de se convencer a si mesmo e aos outros de que é mal olhado pelo destino, faz parte da dinâmica inconsciente da inveja que tem como objectivo último eliminar o confronto. O confronto em equidade, em terreno neutro, sem handicapes de parte a parte. O invejoso não quer, definitivamente, o confronto transparente.

É por isso que os sistemas sociais ( políticos mesmo que não partidários ) que instalam uma mesma clientela ( ou partido ) durante anos-a-fio na governação dum organismo social ( ou na Administração Pública ) tendem a fomentar a inveja generalizada. Porque tendem a impedir a tranparência no confronto ( democrático ) através do controlo da informação, ou seja do conhecimento, ou seja, do saber.

É assim que surgem os invejosos da oposição, pelo ressabiamento. Mas sobretudo surgem os invejosos nos sectores próximos do Poder ( não confundir com Autoridade ) pela insegurança que leva os poderosos a interpretar qualquer proeminência dos governados como uma ameaça que é injusta para o status quo. Sendo este (poder) consequência de tanto esforço e tão cansado - pensa o poder - porque não estrangular a ameaça tão injusta? É que o Poder ( que já se dispensou da Autoridade ) pensa logo em termos de injustiça sempre e quando surja uma hipótese de mudança, um gesto de inovação, um horizonte diferente e não previsto por ele, o Poder. É por isso que todo o Poder ( que não a autoridade ) tende para o controlo, para a premeditação e para a perseguição a quem se lhe oponha. Sempre sob a cobertura de impôr a justiça.

Com o tempo, o controlo chega à premeditação da perseguição. É quando o exercício do Poder é exercido sem justiça, mas com o manto dela, que toma o nome de Tirania.

Ora o que é mais grave - para além de produzir gente paranóide que sofre - é que uma sociedade de invejosos é sempre uma sociedade fechada à criatividade e à inovação.

Por isso fechada à sua renovação. E, sendo que só é capaz de se renovar o sistema orgânico que ainda está vivo, no limite, apela à revolução por já ser impossível a sua renovação.

Geralmente caminha assim para a morte quase certa.




P.S. - Um sistema orgânico e sistémico tanto pode ser uma empresa como uma corporação de interesses ou classe social, ou um Governo.
Quem este texto escreve decalcado doutro escrito há trinta e cinco anos vê que:
i- Neste aspecto da psicologia do homem português, poucos avanços houve.
ii- Fica evidente como no contexto da governação de José Sócrates, dificilmente poderia o governo seduzir os professores, os juízes, os farmacêuticos, os militares, os políticos profissionais, os enfermeiros os diplomatas de carreira os notários, etc, todos os poderes efectivos na sociedade portuguesa que desde há muitos anos defendiam invejosamente tantas prerrogativas injustas quanto mais elas eram injustas - em razão directa da injustiça ( ficam de fora os médicos que não chegaram a medir forças com o doutor Correia de Campos por este, estupidamente, ter sido demitido).
iii - Este, como qualquer outro governo, não deve governar mais que outra legislatura.

A INVEJA, PRIMEIRO PECADO MORTAL LUSO

Acordei hoje com a notíca de que a maioria dos trabalhadores da Auto-Europa tinha vetado a posição da Comissão de Trabalhadores, que é bloquista e tem feito um belíssimo trabalho em defesa dos trabalhadores da empresa, e lhes propunha que para salvar 250 postos de trabalho de trabalhadores eventuais, seus colegas, dessem todos umas horas a mais. A maioria instalada rejeitou a proposta.
Aqui estão os portugueses no seu pior : a inveja e a falta do dever kantiano de ser solidário.
Veremos se os alemães, que não sofrem desta doença, apreciam o comportamento dos empregados que têm, ou lhes respondem dentro de meses com despedimentos para todos.
Mas nem todos os portugueses são assim. O ex-líder parlamentar do PSD Domingos Duarte Lima, que não tinha fama de primar pela fácil abertura das mãos, foi vítima há anos de uma leucemia e esteve à morte. Teve uma sorte incrível porque arranjou rapidamente um dador compatível para um transplante de medula óssea e assim se salvou e graças a Deus está bem. Tão bem que largou a política e a neurose dos três P (Posse, Prestígio e Poder ) para se dedicar - agora sim - à causa pública, fundando a Associação Portuguesa Contra a Leucemia.
Em 2002 quando ele estava mal, o Registo Nacional de Dadores de Medula Óssea era praticamente inexistente: 1377 pessoas. Pois ao fim de sete anos, neste ano de 2009, Portugal passou a ter 163 mil dadores de medula e em sete anos passou do último lugar dentre os países europeus para a segunda posição, e em todo o mundo para a 4ª posição. Desde 2002 foram feitos 129 transplantes com dadores nacionais, a maioria para portugueses onde a identidade genética é maior (57) mas também para dezassete outros países o último dos quais para um indiano.
Esta é uma das tais notícias que nunca sairíam em jornais portugueses...; já hoje de manhã também fui acordado com a notícia de mais uma eventual roubalheira de 15 milhões do Presidente da Câmara de Gondomar. E fiquei-me a pensar : a ser verdade, porquê tanta ganância essa mãe da inveja, se não se lhe conhece vida faustosa que a não pode mesmo ter para, se não fôr burro, não levantar suspeitas. E lembrei-me do iate do único ganancioso burro que conheci e foi parar à cadeia sem o gozar de igual modo: Vale e Azevedo, lembram-se?
Mas esta questão deve ser meditada num outro sentido.
Champallimaud, que não se portou lá muito bem durante muitos anos, pretendeu corrigir o tiro e, ainda em vida, compensar o país que lhe tinha dado tudo ( incluindo também desgostos). E pretendeu fazer doações enormes para a saúde em Portugal. Pois muito bem, veio a descobrir que no país do liberalismo económico e da libertinagem ética, que às vezes também somos, ninguém é dono do que tem porque os filhos por mais crapulosos que sejam têem direito a dois terços do que o pai ganhou ! ... no país que lhe deu a formação gratuita.
( já alguém se questionou sobre quanto custa ao País a formação de um médico na Faculdade, médico esse que acha, logo que formado, que lhe é devido enrriquecer alegremente a trabalhar nos hospitais do seu país? - falo disto com o àvontade de quem cometeu esse pecado mas o está a corrigir às escondidas!).
Que tal se os deputados da direita proprietária e da esquerda subsidiária fossem consequentes e decretassem que o que ganhamos a trabalhar é mesmo nosso e o podemos dar a quem muito bem quisermos, a começar à nossa Pátria?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O QUE OS JORNAIS PORTUGUESES NUNCA PUBLICARIAM I

O jornal THE VANCOUVER SUN, publicou em 18/04/2009, assinado por Peter Mcknight, o seguinte texto que faço questão de publicar aqui, na perspectiva editorial de este ser um blogue de crítica social e elevação pátria:

"DESPENALIZAÇÃO DO CONSUMO É UM EXEMPLO"


tanto o consumo em geral como as doenças ligadas ao uso de drogas diminuiram desde que a lei portuguesa foi suavisada.


À medida que o México vai sendo esmagado, de forma cada vez mais rápida e visível, pela guerra contra a droga, políticos do México e dos Estados Unidos da América têm ousado sugerir que a despenalização é a melhor resposta. Segundo eses políticos, a despenalização permitiria aos Governos desviaR a sua atenção da redução da oferta para a redução da procura e redireccionar para o tratamento fundos agora utilizados para fazer cumprir a lei. O resultado final, argumentam, seria uma redução dos danos provocados pelo consumo da droga.


Os defensores da penalização argumentam que o efeito seria o oposto. A despenalização transmitiria a mensagem de que o consumo de drogas é aceitável, afirmam, levando a um aumento do consumo e dos danos associados à droga.

O problema com estas discussões, já ouvidas milhões de vezes, é que ocorrem num vazio empírico. Dada a falta de provas empíricas, resta-nos especular sobre os efeitos da despenalização e, uma vez que poderia conduzir a maiores danos, muitas pessoas estão convencidas de que é melhor deixar como está aquilo que já é suficientemente mau.


O problema é que há provas empíricas. Embora pareça ser o segredo mais bem guardado do mundo, Portugal despenalizou formalmente a posse de todas as drogas ilícitas, já em 2001. E a sua experiência proporcionou em maná de provas empíricas sobre os efeitos positivos da despenalização.


Segundo Glenn Greenwald, especialista norte-americano em Direito Constitucional, que elaborou um relatório sobre a política portuguesa sobre drogas para o Instituto Cato, sediado em Washington, a despenalização levou a uma redução das patologias relacionadas com as drogas, exatamente como previam os defensores deste tipo de medidas, e a uma diminuição do consumo, exatamente o oposto daquilo que os opositores receavam.

Tendo passado por graves problemas de droga nos anos de 1990, Portugal criou uma Comissão para a Estratégia Nacional da Luta contra a Droga, que publicou, em 1998, um relatório que destacava que a penalização desviava recursos do tratamento e desencorajava as pessoas de procurar ajuda para curar a dependência. Por conseguinte, esta Comissão recomendava a despenalização para reduzir tanto o consumo como o abuso de drogas ilícitas.


Em 2000, o Conselho de Ministros aprovou uma política coerente com aquele relatório e, a 1 de Julho de 2001, entrou em vigor uma nova lei que despenalizou a posse, para uso pessoal, de todas as substâncias narcóticas e psicotrópicas, incluindo a heroína e a cocaína. O tráfico continua a ser considerado crime.

A posse é, agora, considerada uma infracção «administrativa», o que significa que a polícia pode elaborar autos de ocorrência, mas não deter as pessoas apanhadas com droga. Os indivíduos que forem alvos de um auto de ocorrência devem comparecer perante uma comissão de três pessoas, que pode decretar um leque de sanções, incluindo multas e ordens de tratamento, embora, na grande maioria dos casos (83 por cento), as comissões tenham decidido suspender os processos.

Para avaliar os efeitos desta política, Greenwald começa por comparar estatísticas portuguesas anteriores e posteriores à despenalização, e conclui que «em quase todas as categorias de drogas, e no que se refere ao consumo global, as taxas de prevalência ao longo da vida na época anterior à despenalização, nos anos de 1990, eram superiores às taxas do período posterior à despenalização».

Esta redução de taxa de prevalência ao longo da vida - a medida da percentagem de pessoas que consumiram uma droga pelo menos uma vez na vida - foi estudada em diversas faixas etárias, incluindo o grupo crítico dos 15 - 19 anos, durante o qual a maioria das pessoas experimenta drogas pela primeira vez.


Os receios de que a despenalização leve a um aumento do consumo de drogas parecem ser infundados, pelo menos em Portugal. Porém, um criminologista da Universidade de Maryland, Peter Reuter, embora admitindo que «a despenalização atingiu, de facto, o seu objectivo principal, em Portugal», sugere que a mudança da lei portuguesa ocorreu durante um período de deminuição global do consumo de marijuana.

É importante, por isso, comparar não só as taxas de consumo em Portugal ao longo do tempo, mas também comparar a experiência portuguesa com a de outros países. Foi o que Greenwald fez e o Portugal da pós-despenalização parece ser um modelo para toda a União Europeia.

Entre 2001 e 2005, Portugal teve a mais baixa taxa de prevalência ao longa da vida para a marijuana, a droga ilícita mais popular na UE, onde muitos países têm taxas duas e três vezes superiores à portuguesa. O mesmo se verificou com a cocaína, a segunda droga mais popular: a taxa de prevalência ao longo da vida era a sexta mais baixa da UE e muitos países-membros apresentavam, mais uma vez, taxas duas, três e quatro vezes superiores à de Portugal.

Na faixa etátia crítica dos estudantes universitários, a taxa de prevalência ao longo da vida para a cocaína em Portugal é de apenas 1,6 por cento, comparada com quatro por cento na maior parte da Europa, o que sugere que aquele país continuará a ter muito menos problemas no futuro. Resultados semelhantes foram registados relativamente a outras drogas problemáticas, entre as quais a heroína e as anfetaminas.

Neste momento, as taxas de consumo de drogas em Portugal também são muito inferiores às da maioria dos países não pertencentes à UE, incluindo o Canadá e, em especial, os Estados Unidos, cujas taxas de consumo de cocaína e canábis, são tão elevadas - as mais altas do mundo, apesar da sua furiosa guerra contra a droga - que são consideradas anomalias estatísticas.

E, temos dito, no que se refere ao primeiro argumento contra a despenalização: que esta conduzirá ao aumento do consumo. Mas o que dizer acerca do primeiro argumento a favor da despenalização: que irá reduzir as patologias relacionadas com o uso de drogas?

Glenn Greenwald salienta que a despenalização teve como consequência um aumento dos financiamentos para programas de tratamento, o que deu origem a mais camas para desintoxicação, comunidades terapêuticas e casas de acolhimento temporário. Os consumidores também deram mostras de uma vontade renovada de recorrer a estes programas. O número de pessoas que aderiram a programas de substituição de drogas aumentou 147 por cento, passando de 6040 para 14 877 entre 1999 e 2003.

Poder-se-ia esperar que estes factos tivessem um efeito assinalável sobre a morbilidade e a mortalidade, e assim foi. Portugal tinha, em 1999, a taxa mais elevada de VIH/sida da UE entre os consumidores de drogas injectáveis, mas, a cada ano que passou desde 2001, o número de novos casos diminuíu substancialmente. Houve ainda uma diminuição modesta das infecções por hepatite B e C.

Quanto à mortalidade, entre 1989 e 1999, Portugal registou todos os anos um aumento das mortes por doença aguda associadas às drogas, com perto de 400 mortos nesse ano. Depois da despenalização, esta tendência inverteu-se: em 2006 morreram 290 pessoas das mesmas causas. Os decisores políticos estão unidos na convicção de que estas tendências são consequência de uma intervenção mais precoce e do melhor tratamento que a despenalização possibilitou.

Do mesmo modo, agora que o fantasma da despenalização foi eliminado, quase todos os políticos portugueses, independentemente da sua corrente política, são unânimes no apoio a esta medida. Infelizmente o mesmo não se pode dizer dos políticos de outros países, em especial daqueles que mais precisam de dar ouvidos a Lisboa.
Glenn Greenwald salienta que o Gabinete para a Política Nacional sobre Droga americano - o czar da droga - tem mantido um silêncio pouco habitual acerca da experiência portuguesa, o que não é de espantar, porque os guerreiros da droga precisam da guerra contra a droga para justificarem a sua existência.
Não deixa de ser um sinal de esperança, todavia, que alguns políticos americanos corajosos tenham sugerido que os Estados Unidos precisam de repensar a fundo a sua abordagem ao problema das drogas ilícitas. O mesmo não se pode dizer do Canadá, que é praticamente o único país ocidental ainda a favor do aumento da penalização.

Estando à vista as provas a favor da despenalização, os políticos não deveriam ser autorizados a arrebanhar apoios para a penalização, fomentando na população o medo de um fantasma que não existe.

( tradução para o português deste original dO jornal de referência do Canadá feito pela revista de Junho COURRIER INTERNACIONAL ).

Em caixa o articulista escreve ainda o seguinte:

«A TIME também destacou o relatório do Instituto Cato.

Na edição de 26 de Abril, a revista nova-iorquina lembra que a despenalização, em 2001, gerou receios de que Portugal se tornasse um destino do «turismo da droga».

Esses revelaram-se injustificados, pois o consumo desceu e há mais toxicodependentes a tentar tratar-se. À proporção, há mais gente nos Estados Unidos a consumir cocaína do que portugueses a usar marijuana.

Mark Kleiman, académico que estuda o fenómeno da droga, recomenda aos legisladores americanos que apreciem a experiência Lusa, embora pense que não pode ser transposta directamente para os Estados Unidos, devido às diferenças de dimensão dos estados.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

CABECINHAS OCAS

Em Dezembro passado resolvi dar-me uma prenda de Natal e fui à galeria Nasoni no Porto. Quando estava a vêr um pequeno MIRÓ por um preço muito em conta, perguntei se tinham a certeza de não ser falso porque muitas histórias há muitos anos corriam à volta da Nasoni.



Fui posto na rua por dois "gorilas "que me ameaçaram de me pôr em tribunal por difamação e depois me avisaram de que tinham chamado a polícia quando eu lhes lembrei que a tabuleta " É reservado o Direito de Admissão " tinha caducado com o 25 de Abril. Ainda esperei uma hora à porta pela polícia pretensamente chamada pelo dono da galeria que dá pelo nome de Cabeçinha o que diz bem do que lá vai dentro, mas os telefones não deviam funcionar..., e por que as minhas pernas doentes não aguentavam mais , vim-me embora sob os epítetos de palerma, pateta e pobretanas.



Até este fim de semana não percebi tanta fúria ( do Cabecinha e dos dois gorilas ) perante uma banal pergunta. E com franqueza resisti aos insultos sem ripostar com outros tantos, porque o físico e a doença não ajudaram e os gorilas eram avantajados.



Pois bem. No último Expresso ( de 5/6/09) uma notícia "PJ INVESTIGA QUADROS FALSOS", explicava que um leilão no Centro Cultural de Belém tinha sido interrompido quando a PJ apareceu de rompante para levar quadros supostamente falsos provindos da Nasoni da autoria de René Bertholo, Álvaro Lapa, ambos já falecidos, e de Antonio Costa Pinheiro, felizmente vivo. Segundo a notícia, a viúva do primeiro e o filho do segundo destes pintores declaram os quadros falsos e o mesmo faz o terceiro que declarou falsos pelo menos três dos seus. E agora vem aí o tribunal, mas o juíz que se cuide, é o meu conselho!



A notícia que só estou a resumir, dá conta que depois de muitos rumores, o Finibanco (banco que por outros motivos tem sido falado) resolveu ir às compras à Nasoni e teve dúvidas mandando peritar as obras agora dadas como falsas...



Ora portanto, se os bancos não andam bem, os quadros também não, e interagem, como se tem visto com as colecções do BPP e do BPN. E ainda por cima há fortes suspeitas de haver muitos outros falsos de outros grandes pintores vivos!

É obvio que isto só foi possível porque a total mercantilização da arte o permitiu num quadro geral de Especulação da Vida que tudo varreu e, como já disse aqui, vai continuar a varrer até que o povo se canse e perceba que só se pode viver trabalhando, excepto quando as instituições estatais permitem o chico-espertismo.

Tudo isto me dá saudades doutros tempos. Tempos em que a arte e o seu pequeno mercado circulavam naturalmente. Na "finesse" de quem amava e não usava arte como pastilha elástica para o coração . Havia muita gente assim, como os Guggenheim, que sempre se dedicou ao mecenato artístico - às artes.

Peggy Guggenheim que ficou milionária por conta da tragédia do Titanic em que morreu o pai, ficou assim livre para ser patrona das artes.

Um dia, Peggy, em 1961 soube que um quadro, "LE BATEAU " de Matisse, esteve exposto no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque durante quarenta e sete dias sem que ninguém reparasse que estava exposto de cabeça para baixo. 120 mil pessoas tinham passado diante do quadro quando o equívoco foi descoberto. Comentário da Peggy: -" Quem passa a vida a ouvir os comentários mais parvos de todos são, certamente, os quadros dum museu!".


Ela também disse sobre pintura :-"Se mais de 10% das pessoas gostarem de um quadro ele deveria ser queimado. Provavelmente não presta!".


Conversando com Picasso sobre falsificação de quadros assunto que a interessava porque tinha centenas a necessitarem de autentificação, Peggy perguntou-lhe como é que ele se lembrava daqueles que eram dele, de facto, tendo ele pintado milhares. Resposta de Picasso:-" Se gosto do quadro digo que é meu, se não gosto digo que é falso".



Picasso era muito conhecido pelo seu sarcasmo. Um dia estava a mostrar o retrato duma mulher ao respectivo marido quando este exclama:


-"Mas a minha mulher não se pareçe com isto!".

E Picasso então pergunta-lhe:

-"Como é que ela se pareçe?"

O marido tira uma fotografia da carteira e mostra-lha.

-Como isto? - responde-lhe o Mestre - não tinha ideia de que ela fosse tão pequena."


Tudo isto se passa no espaço temporal mercantilizado. É verdade que em plena Renascença muitos pintores que até aí só tinham a Igreja como clientes, quando passou a ser moda a burguesia endinheirada "exibir e o seu Audi topo-de-gama da época que era o retrato da mulher e o seu próprio, passaram, tantas eram as encomendas, a chamar "aprendizes" às dezenas que eram quem de facto fazia a maioria da pintura.É por isso que falamos dum quadro "da escola de " Velasquez, Murillo ou Rembrandt. Na verdade esse quadro terá sido feito por muitos para proveito dum só. Mas com o tempo regressamos ao romantismo do pintor de mansarda no Quartier Latin que perdura até meados do século passado. E isto lembra-me o drama de De Chirico na velhice quando se apercebeu que os seus quadros não se vendiam ao contrário do que acontecia com os que ele pintara nos anos vinte. Então começou a falsificar-se a si mesmo!

Esta como que falsificação da realidade, está bem exposta nos surrealistas como num dos discípulos de Giorgio de Chirico, o belga valão René Magritte de que acaba de ser inaugurado o respectivo museu em Bruxelas. Um dia em 1929 Magritte pintou um cachimbo e escreveu por baixo na tela :"Ceci n'est pas une pipe " (isto não é um cachimbo), quadro que repetiu em 1952 com outra frase :"Ceci continue de ne pas être une pipe" ( isto continua a não ser um cachimbo). Magritte rapidamente foi considerado um louco, mas foi muito mais tarde que se explicou:" Como as pessoas me criticaram pelo famoso cachimbo! E, no entanto como poderiam enchê-lo de tabaco?; De forma alguma; é só uma representação, não será? Por isso, se tivesse escrito no meu quadro "isto é um cachimbo", estaria a mentir".

Tudo isto mostra como é difícil classificar a pintura. Mas, por mim, tenho duas regras : nunca comprar um quadro antes de o "namorar" durante meses para ter a certeza de que aquela paixão não me vai cansar o resto da vida; e depois tentar entender se o quadro obedeçe a uma lógica apolínea que é sempre condição do Belo, ou se ao contrário obedece a uma lógica dionísica o deus da bebedeira, geralmente conotado com o Feio. Então é tudo uma questão de deuses, nunca de demónios, mesmo que marchands.



Eu que sou apreciador de pintura recordo com saudade que, no Porto, há trinta anos, nenhuma Nasoni era possível, nenhum Cabecinha teria lugar - apesar de eu achar, como psiquiatra que se fartou de fazer testes de inteligência a centenas de pessoas, que o Cabecinha não ocupa lugar.


PSICOLOGIA PARA PRINCIPIANTES

Depois do que escrevi ontem e para acabar o comentário:

Sócrates observou uma fórmula no frontão do templo de Delfos : "conhece-te a ti próprio". Pouca gente sabe mas para Sócrates o essencial não era conhecermo-nos por nos conhecermos, mas sim para agir melhor.

O nosso Sócrates não dormiu a pensar como ser melhor. Uma deixa: se me saíssem os cento e oitenta milhões de euros do euromilhões não saberia em que área investi-los no meu país. Que tal se o nosso Sócrates pegasse no estudo recente do doutor Hernani Lopes sobre o cluster marinho e o designasse estratégico?


E quanto aos 8% do Paulo das feiras? Muito bom! Tão bom em tempos ( que estão para durar ) de esquerda, que deveria reler Freud e a sua teoria da sexualidade. Sim, porque cá para mim o sexo é como Deus: o sítio secreto da expressão secreta a que se atribui tudo o que não tem explicação! E com o sexo nas feiras, sonhou.


Quanto à dª Manuela Ferreira Leite, eu soube de fonte geralmente limpa, apesar do suor da campanha, que o Paulo Rangel, depois dum banho de sais, barba feita e meio frasco de eau de toilette Aramis, todo sedutor e muito galante ciciou a " Arte de Amar" de Ovídeo, discretamente, ao ouvido da líder: "corpite florem, qui nisi corptas erit turpiter ipset cadet". O que ela, versátil em economia do latim traduziu, ruborizada:"colhe a flôr, pois se não a colheres ela murchará e cai !".



Já o nosso Trotsky Louçã teve horrorosos terrores nocturnos. Primeiro apareceu-lhe Morfeu deus dos sonhos sob a forma de D.Quixote, alto e magro, sonhador e visionário e com uma mania perigosa porque não parava de se repetir : olha lá! tu és eu ou eu sou tu?". E prosseguia como um oráculo com a forma da Maya: "Tu sabes que o KGB já não mata no México, nem devia existir, mas como o Vital Moreira falou nele, vindo daí , só pode querer dizer que agora assassinam em Portugal trotskistas". E, como se não bastasse, dizia uma coisa muito ambígua mas suspeita declarando que era Horácio que o dizia:"Carpe dien!", que ele, versado em linguas e linguagens mortas, traduzia e bem por :"desfruta o dia!".

domingo, 7 de junho de 2009

DESEJO ONÍRICO

Antes de voltar à eutanásia, um comentário sobre a vitoória do PSD e da extrema esquerda nas eleições europeias.

O circo democrárico do costume, coloca, desta vez, uma questão ao país ao país e um desejo meu.

Questão ao país: o país acha que os investidores estrangeiros se dispõe daqui em frente a colocar o seu dinheiro e a investir em Portugal quando um quarto dos portugueses se declara da extrema esquerda? Os professores zangados por se verem sem mordomias e os jovens bloquistas com precário futuro acham que é agora que vai ser?

Tenho um desejo que era até agora inconfessável mas deixou de ser: que prazer vêr o Bloco a governar os bloquistas, os comunistas propriamente ditos, os PSD tão felizes que eles andam, e os CDS de todas as ganâncias! Comigo de férias , claro.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Eutanásia II

resumo:

-a globalização dos conhecimentos e a aceleração do tempo histórico são factos.

-estes factos, conjuntamente, impuseram uma noção nova de sofrimento.

-esta noção não destrinça a dor física da dor psíquica.

-a antecipação do sofrimento que é conhecido do doente terminal, é central.

-face ao conhecimento desta indignidade é forçosa a eutanásia.




1 -A NOÇÃO de SOFRIMENTO



( i ) Quando dava aulas na Faculdade de Medicina do Porto, introduzi este tema nas aulas. A tese que defendo é a de que há uma progressiva intolerância ao sofrimento visto não só como dôr física mas também como consciência de handicapes psíquicos irreverssíveis, por um lado, e a de que o caminho da civilização actual continua a promover mais e mais sofrimento que não vai parar tão cedo.





Quando hoje falamos da intolerância subjectiva à indignidade da doença, temos de contar com a cultura da imagem saudável. Naqueles que se habituaram a cultivar essa cultura - e. g. nos médicos e enfermeiros ou pessoas com alto desempenho social que escondem a sua doença pela vergonha que lhes advém de viverem numa sociedade que premeia todo o pretenso sucesso (físico ou mental) e o " bom aspecto" , e a " boa aparência", e a " beleza ", e a " gente bonita", e o culto egoísta do "saudável". E também naqueles que olham reprovadoramente e de esguelha que não se use protector solar, não se ponham dentes cerâmicos à frente das cáries, ou inventem peitorais artificialmente desenvolvidos em consultórios médicos , ou abdomens construídos com esteróides ou em ginásios; ou ainda naqueles que toleram umas fumaças de tabaco ou o vinho tinto às refeições que, forçosamente, deveriam ser de ervas e parcos legumes.


Quando a maioria da minha geração cumpriu a sua guerra do Ultramar trazia - quando tinha a sorte de voltar - um sem número de estórias. Estórias do dia-a-dia com que se preenche a existência numa guerra. Um tipo comum de estórias, eram as que narravam cenas ligadas à profissão médica. Uma delas dizia respeito aos trabalhos de extracção dentária aos civis, num trabalho de guerra a que chamavamos " os da psique " e tinham como alvo retirar apoio popular ao inimigo. E uma das coisas que os meus colegas que vinham de África me contavam era a capacidade que os negros manifestavam para aguentar as dores físicas. E davam como exemplo o seu extraordinário estoicismo para suportar as dores de extracções dentárias. Realizadas ao estilo do século dezanove, sem anestesia, não se lhes ouvia um ai, como se, para eles, se tratasse da coisa mais natural desta vida.


Note-se que nenhum dos meus colegas médicos me disse que os africanos não sentiam as dor, antes que as suportavam com naturalidade. Por essa altura, começava no Continente o hábito de os estomatologistas (ainda não havia médicos dentistas) "tratarem "os dentes em vez de procederem à sua extracção; mas quando de todo em todo ela era necessária, então era com anestesia local, primeiro com líquido anestésico na superfície da gengiva e depois desta conseguida, com um anestésico injectável.
Por essa altura ainda, já na Noruega nenhum dentista local se lembrava de extrair um dente que não fosse com anestesia geral porque a civilização assim o exigia...e os doentes não queriam vêr agulhas.
Ou seja, tudo parecia acontecer como se, à medida que subíamos na geografia do mundo da civilização, a dôr fosse decididamente considerada intolerável. Muitos outros exemplos poderiamos encontrar, tais como o parto por cesariana ou a amamentação artificial para evitar a inestética mamária.
Mas não era só no plano da dôr física que o" direito à saúde" se manifestava.




( ii )Quando após a Segunda Grande Guerra os U.S.A., todos poderosos, impuseram ao mundo as suas condições de vencedores, transportaram para os novos orgãos de governação mundial as suas ideias. E quando deram luz verde para a constituição da Organização Mundial de Saúde influenciaram decisivamente o seu normativo. Por isso, nele, e logo no seu primeiro parágrafo, quando se define a saúde, o que ficou escrito foi esta aberração : é o completo bem estar físico, mental e social.



Poderia pensar-se que a frase era uma utopia apologética propositada para forçar maior rapidez, por parte dos Estados, na implementação de boas práticas de saúde o que seria uma boa intenção. Mas o certo é que o seu efeito foi perverso porque ao abranger com tal noção o completo bem estar social, assim mesmo ..., bem poderíamos considerar que no dia em que a minha padeira estivesse impossibilitada de me trazer a casa, como de costume, até por estar de greve, o pão que barro de manteiga para que o café da manhã me saiba bem, eu estava doente...porque estava em mal-estar social!!!
Rapidamente se percebeu que isto era um erro mas nunca houve coragem e lucidez para corrigir este e outros erros. É que uma vez anunciado uma ideia mesmo aberrante , desde que o anúncio venha por quem putativamente detém Autoridade na matéria, a ideia passa a facto real.

Há alguns anos no mundo da ciência psiquiátrica surgiu mais um jargão para explicar isto mesmo que já era do conhecimento geral : o self-fullfeeling prophecy. Se este palavrão não serve para mais nada, serve para atestar a falta de lucidez de quem manteve as normas da OMS assim. Realmente aquele palavrão anglo-saxónico mais não quer dizer que uma declaração enunciada e anunciada por uma autoridade ( a prophecy ) muito provavelmente transformar-se-à numa realidade. Qualquer psicoterapeuta sabe que isto é verdade desde sempre, e até quando bem aplicada, tem um ( desejável ) efeito placebo e pode estar na base do ganhar de confiança no tratamento dos doentes - o que é meio caminho andado para a cura. Mas também, todos os psiquiatras sabem que, se mal usado, este fenómeno é uma bomba na vida de um doente : imagine-se que um paciente vai narrando ao seu médico os motivos porque teme que o seu casamento termine em divórcio e ouve da parte do " especialista" a frase fatal "Já não tenho dúvidas, já nada pode salvar esse casamento e o melhor é preparar-se desde já para isso!" . O que neste caso vai suceder é simples: este paciente vai começar a vêr em tudo o que o conjuge faz ou diz, a prova-provada do que disse o " especialista " com isto irritando ainda mais o cônjuge numa espiral de feed-back positivo que se alimenta e rectro-alimenta no modo como cada um deles reage ao outro.... aí encontrando sucessivas provas da profecia do "especialista "....




( iii )Tudo isto mostra a necessidade de usarmos de continência verbal, quer nas daclarações privadas quer nas de ordem pública como as da OMS. Por isso, porque a OMS levantou expectativas que jamais serão cumpridas, é responsável por muito do sofrimento que por aí vai. Mas não só esta organização. Outras, como os partidos políticos, por toda a parte são responsáveis.
Em Portugal, com o início do consulado de Marcelo Caetano, a partir de 1968, tornou-se uma necessidade a exigência de melhores cuidados de saúde. O que era obviamente justo e natural, descambou a partir do 25 de Abril de 1974 e com o advento da democracia multi-partidária e a sua natureza demagógica ( quando há vários competidores políticos para eleições, nunca à face da Terra se evitou a demagogia mais desenfreada ), os vários partidos políticos sem excepção, iniciaram as mensagens do"direito à saúde ", colocada no mesmo pé do direito à habitação ou ao trabalho. E ninguém se lembrou de questionar se isso era coisa que existisse ou se que o que existiu, existe, e vai existir é (era ) o direito natural à doença!. Ninguém se lembrou de questionar isto, a meu vêr, por três motivos principais: primeiro, a OMS, havia já declarado, Ex-Cathedra, o que era a saúde. E, ao introduzir nela a dimensão social, convidava, de mão beijada, os partidos ao debate sociológico da coisa, quer dizer, chamava ao campo ideológico mais básico dos partidos políticos o debate sobre o tema, fornecendo-lhes o terreno ideal para se guerrearem demagogicamente face aos eleitores, através duma questão que sendo hipersensível para eles, não poderia ser mais abrangente das gerais preocupações da Polis.; segundo, porque, em campanha eleitoral que é o estadio vulgar, normal e permanente ( fora e dentro dos ciclos eleitorais ) de todo e qualquer partido, não se limpam as armas das guerras da saúde - o melhor exemplo dos últimos anos é o modo como todos os partidos portugueses " queimaram " e correram do governo o melhor ministro da saúde de sempre ( o único que estava a fazer uma reforma do SNS que lhe permitisse a sustentabilidade ) de seu nome Prof. Doutor António Correia de Campos; e, em terceiro lugar, porque só masoquistas, doidos ( pela verdade ) ou grandes patriotas ( três tipos de pessoas que é difícil encontrar nas ondas edonistas da História ) é que se atreveriam a dizer que a doença é natural, ou que para aprender é necessário o respectivo esforço, ou ainda que para educar é necessário prescindir do prazer de ser simpàticamente permissivo, ou que para ser rico é preciso trabalhar e não "jogar " na Bolsa, ou que para gostar é necessário passar pela experência de já não ter gostado, ou que a vida nunca corre sem trabalho, ou que o sofrimento é inevitável e por isso natural - porque tudo isto, e muito mais, anda enlaçado quotidianamente. O que quero dizer é que a cultura do prazer, nem sempre assumidamente edonista, o que ainda piorava mais as coisas, andava por toda a parte e, assim, não podia deixar de fora a Saúde. Como diziam os trotsquistas (Louçã ) e os UECs ( Zita Sabra ) do meu tempo da Universidade, a política está em toda a parte e mesmo nas nossas não tomadas de posição estamos a ter uma postura política....




( iiii ). É claro que o culto de uma sociedade assim, feita de aparências e não de essências, que transforma aquelas em valores absolutos ( que por isso mesmo se auto-justificam ), não pode senão exponenciar toda a forma de sofrimento de quem nela vive - porque todos acabam no desmesurado esforço emocional de concorrer uns com os outros, a esconder uma falha, uma assimetria, uma não assepsia, um mau cheiro , uma doença enfim.




E não colhe dizer que é antiga a "alergia" à doença e sobretudo aos doentes ( e.g., a lepra ), porque na Idade Média eram só meia dúzia de fidalgos e outros tantos artífices que eram os assépticos. Não. Agora somos todos. E por isso, sofremos. Porque não ser asséptico já é doença. Porque já é indigno. E quanto mais indigno, mais doença é. Porque sentir-se a gente indigna já é doença, hoje, não é? Porque nos dizem que nós temos todos o direito à saúde, não é ?







2 - O CAMINHO DA CIVILIZAÇÃO ACTUAL PROMOVE SOFRIMENTO



As dimensões fundamentais da nossa existência, como a relação com a morte ( intrínseca à discussão da eutanásia ou da guerra ), tornam-se sempre num tabu, como o eram já nas sociedades mitológicas - o que não queremos vêr ou não sabemos explicar, é mantido sob grande ocultação.




( iiiii )- No meu consultório lidava com a dôr e o sofrimento nas vertentes física (e.g. cancro ) ou psíquica. Um dia, a uma paciente que divergia do marido no modo de educar os filhos comuns, achando que o marido era demasiado exigente para com um filho, perguntei-lhe:


- Pensa que o futuro que aí vem, vai ser mais fácil de viver pelos seus filhos do que o nosso está a ser vivido pela nossa geração? Ou seja, acha que as coisas vão ser mais fáceis no futuro? Ela respondeu de pronto que não, que achava que ia ser mais difícil.


Então, perguntei-lhe se ela achava que haveria grandes mudanças, e no caso de achar, se essas mudanças tornariam a vida mais fácil ou difícil aos filhos.


Ela respondeu que haveria mudanças e que essas mudanças tornariam a vida mais difícil.


Perguntei-lhe porquê, mas ela não sabia dizer porquê.


Quando a inquiri sobre se a necessidade de nos adaptarmos a novas circunstâncias facilitaria a vida, ficou perplexa mas depois respondeu:


-"Acho que se vai complicar".



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( iiiiii)Pois bem, é este, a meu ver, o cerne da questão.


Não tenho dúvidas de estarmos a assistir a uma aceleração do tempo histórico, de tipo geométrico, e já não aritmético. Por exemplo:


Em França, em 1965 havia 136 pessoas inactivas por 100 activas; em 1970, havia 145 por 100 activas; em 1975, havia 149 por 100 activas; em 1985 havia 152 por 100 activas; actualmente umas 178 por 100 activas.



Em minha casa, há quarenta anos gostava-se de chocolate, amava-se os pais, e adorava-se Deus - talqualmente como em casa dos meus avós e seus ancestrais; mas um dia reparei que a minha filha dizia que gostava de Deus, amava a mãe e adorava chocolates - e, como ela, toda a sua geração, e a mudança não era sòmente lexical mas sobretudo semântica.


Em 1850, o próprio homem ( citado de J. Charbonneau, " cristianismo, sociedade e revolução" )tinha de fornecer 15% da energia de trabalho, 79% cabiam aos animais, e 6% às máquinas; em 1960, 3% iam para o homem, 1% para os animais, e 96% para as máquinas.


Dizia Moliére numa carta pessoal:- "Onde há galos não cantam galinhas!"; e dizem agora muitas mulheres que segui no consultório sobre os maridos enganados :-"Enganado, aquela besta?, Ó dr., sabe muito bem que ele andava a pedi-las, só que agora, para mim, tudo o que vier à rede é peixe!".


Já houve tempos de grande aceleração histórica, como na Atenas de Péricles, o período das Guerras Púnicas em Roma, o período do Iluminismo , e, há dois séculos, a Revolução Industrial em certos países europeus, mas nunca por nunca como agora. A Organização Mundial do Trabalho (OMT) considera que nos próximos trinta anos, 40% das actuais profissões desaparecerão e 60% de outras novas surgirão.


Quem, da minha geração ( a dos sessenta anos ) não se recorda do caseiro do dono da terra? Dos aguadeiros das cidades ( homens ou mulheres que transportavam pelas ruas uma enorme bilha de água que vendiam ao copo)? Dos caldeireiros ? Dos ferreiros? Dos ferradores? Das padeiras ambulantes? Das peixeiras de rua ? Dos marçanos de bicicleta ? Dos alfaiates ? Das modistas ? Dos torneiros mecânicos ? Dos decapadores das serralharias ? Dos pedreiros que trabalhavam a alvenaria das casas ? Dos afiadores de facas e navalhas com o colorido das suas gaitas ? Dos engraxadores de sapatos à porta dos cafés? Dos vendedores de gravatas?, Dos camiseiros? Dos moleiros? Dos retroseiros? Dos revisores de provas dos jornais ? Dos motoristas das famílias ou até dos mordomos ? Das governantas ? Das criadas internas ? Das preceptoras? Dos ourives artísticos?, Dos carvoeiros que traziam a nossa casa o alimento dos fogões a carvão? Dos cobradores da Carris? Dos cobradores da água e da luz? Dos encadernadores a couro ou papel dos nossos livros? Dos tipógrafos com letras de chumbo dos jornais? Dos carqueijeiros ? Dos sapateiros de meias-solas? Das dactilógrafas ( da Academia Tecla ), Das cerzideiras. Dos Calafates e carpinteiros navais (nesta minha Vila do Conde tão importantes ), Dos fotógrafos dos jornais ( que estão a ser substituídos pelos próprios repórteres que fazem escrita e fotos ), Etc, etc. Sendo verdade que algumas destas profissões ainda existem, residualmente, a maioria acabou, e faço notar que esta elencagem foi feita ao correr da pena....



Se tivermos presente, que os homens e mulheres destas, e de muitas outras profissões, eram-no porque os seus pais já a exerciam e lhes passavam a arte e os necessários instrumentos numa espécie de carreira que era como que consuetudinária, fica claro que, carreira como sinónimo de emprego para toda a vida, acabou de vez, e aquilo que nos espera é simplesmente um trabalho não herdado do pai ..., além do mais porque o do pai, ou vai acabar, ou tornar-se tão diferente que dele só ficará o nome. Ou seja, a haver trabalho, ele será novo - com um conjunto de novas funções e cada uma destas com outras tarefas -, exigindo uma nova adaptação cada vez mais difícil, terá características precárias e exigirá provàvelmente várias mudanças, até de local de residência, ao longo da vida. Ora, tudo isto custa muito nos planos físico e psicológico. Passamos assim a ter exigências adaptativas completamente novas na história da humanidade e que vão ocorrer a uma velocidade estonteante; sendo que essas competências ( habilidades e capacidades) para outros exercícios profissionais serão, também, cada vez mais diferentes.


Tudo isto significa que, por que a organização social anda atrasada ( cada vez mais ) em relação à super-desenvolvida estrutura científico/tecnológica, não pára de aumentar o fosso entre os sub-sistemas sociais. O que digo, é que no campo bio-cultural há contradições que se enraízam na crescente incompatibilidade entre a super-estrutura cultural e as exigências naturais da biologia humana. E que a civilização criada pelo homem moderno, tende a ignorar todas as limitações biológicas e imperativos filogenéticos da espécie humana.




Como escreveu Conrad Lorenz, prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 1975, " o ritmo da evolução genética no homem encontra-se hoje constantemente em atraso relativamente ao ritmo da sua evolução cultural. Daqui resulta que o desafio que o homem lança a si mesmo por meio da sua vida cultural acaba por ultrapassar em amplitude a totalidade das suas capacidades genéticas". E conclui oportunamente:" Esta contradição basta para explicar o afundamento de civilizações altamente desenvolvidas em certo momento da sua evolução" ( sublinhado meu ).


A esta incompatibilidade entre biologia do corpo e da psique, e a cultura humana, soma-se a contradição entre cultura moderna e o próprio planeta. Escreve C. Lorenz :"Quando se vê o homem chegar ao extremo de se servir de tais técnicas ( a nova tecnologia ) para atacar a natureza viva e destruir deste modo os próprios fundamentos da sua existência, pode pensar-se que é uma verdadeira doença mental, uma autentica doença maciça. Mas quando os homens se empenham em seguir este caminho, mesmo com a certeza de que ao fazê-lo não só aniquilam recursos destinados aos seus filhos e aos seus netos, como ainda o oxigénio que eles próprios respiram, então já não se pode falar em pecado ou loucura. Trata-se de um crime".


Ao mesmo tempo, a globalização do conhecimento dominante fez emergir a homogeneidade: o homem uniformizou-se através da vulgarização que elimina as diferenças, as características locais e as pessoas, para dar lugar ao homem médio em todo o mundo, no que é uma involução filogenética nunca antes vista, e cuja causa é a uniformização das pressões selectivas em todos os "espaços " humanos. De modo que, quando não ocorram, levam à ostracização dos humanos transgressores. E, definitivamente, à massificação/vulgarização ( toda a vulgarização banaliza... ) que transporta consigo a bestialização do homem a um ponto que nem Ortega e Gasset poderia imaginar ao escrever " A Rebelião das Massas ".





( iiiiii )Esta uniformização/nivelação (por baixo) do humano, que releva o que de mais básico é o seu denominador comum - a sua animalidade biológica -, está a implicar uma rápida perda nas capacidades adaptativas da espécie ( humana ) que já exibe numerosos exemplos de fenómenos secundários de domesticação corporal, como o aumento da gordura , a diminuição da combatividade, as obsessões sexuais, a diminuição da selectividade sexual, a multiplicação de casos de obstipação intestinal, as disfunções gastro-enterológicas, o aumento das doenças bronco-pulmonares sobretudo de tipo asmáticas ( pela poluição do ar e pelo abuso do tempo de vida passado em locais fechados ao contacto com a polimerização na infância, ou a excessos de ar condicionado ), as lesões renais ( por via das comidas e bebidas light ), as doenças mentais com o sintoma precoce do culto do físico em ginásios e afins ( onde pára o corpo são em mente sã ?), levando ao exponencial aumento dos quadros clínicos de personalidades anancásticas e de doenças obsessivas ou paranóides. Vamos todos de férias ao mesmo tempo, para os mesmos sítios; tentamos comprar os mesmos carros; usar a mesma roupa; fruir de iguais segundas casas, e assim, sem cuidar de vêr que nos obrigamos a viver aprisionados a regras de vida que mata a Vida, e que, de repente, ir de férias, fazer compras ou mudar de casa, passaram a ser momentos de resposta stressante maior que a viuvez ( segundo a medição pelas escalas de "event-life", chamada de " acontecimentos vitais na vida da gente" ). E, são cada vez em menor número os que reparam que os animais humanos são cada vez menos humanos- isto é diferentes - e cada vez mais animais - isto é iguais.


Andamos em fila-indiana, porque toda a diferença é hoje suspeita, e feita para cumprir presenças. Vamos para um estádio desportivo ou um teatro porque todos ( os nossos, os iguais a nós, vizinhos em estatutos sociais e outros ) vão - não pela qualidade do espectáculo mas para exibir a sua "inteligência social"; como vamos ao bar da moda, não por sermos melhor servidos, mas para exibir " inteligência existencial", para mostrar que existimos. Ou seja, vamos para onde parece que há ( como as galinhas que não pensam antes ) e não para onde há ( o que seria natural nos humanos).


Por tudo isto, damo-nos cada vez menos a liberdade de Ser, porque as entidades que achamos que são Autoridades, nos lembram a cada momento que melhor é parecer .... ,para viver sem o ónus de ter de explicar porque é que somos assim diferentes.

E, pois é, uma das Autoridades é a OMS ! E se ela nos diz para lavarmos as mãos a gente lava, se ela nos diz para não beber, a gente fica com sede, se ela nos diz que os antioxidantes é que são bons, vamos ao selénio, se ela diz nos diz que a cenoura faz os olhos bonitos ficamos a manducar que nem ratos; e se ela nos diz que a greve da padeira é para nós uma doença, ficamos logo doentes ! Sempre bem, porque sempre acríticos. Afinal não consta que os animais são felizes?




(iiiiiiii) Aqui chegados, voltamos à minha doente que achava que a vida se ia complexar e complicar para o futuro dos filhos. Mas em que sentido? No sentido em que é possível prever que a vida vai passar a exigir muito mais aos vindouros do que a nós. Vai exigir deles , acabado que está o emprego para toda a vida, na mesma terra, na mesma casa, com os mesmos vizinhos, confortados pelos amigos de nascença - tudo num clima de confiança que resultava do conhecimento envolvente e da imutabilidade das coisas - vai então exigir deles a dureza da adaptação permanente a novas profissões (com novos postos de trabalho, novas funções e novas tarefas), a novas terras, a novas gentes (com a consequente minimização dos amigos de sempre), a vivências de desconfiança sobre as reais intenções dos desconhecidos, e do trajecto do Devir, tudo isto levando a uma psicologia subjectiva que é tangencial à psicose paranóide persecutória e à ritualização doentia de todo o tipo de comportamentos, sendo que não há nada que provoque mais sofrimento que doenças obsessivas ou paranóides.


E tudo isto, ocorrendo provàvelmente, num "caldo de cultura" para outros fenómenos ( decorrentes de tudo o que atrás ficou enunciado ) que - por arrastamento dos anteriores - acarretam por sua vez, ainda mais sofrimento. São coisas como a fragilidade do casamento e a sua ruptura; o enfraquecimento das fratrias com o cortejo de Cains e Abeis; a volatilização das relações de gratidão consuetudinária de pais para filhos; o drama da antecipação duma velhice na clausura dum lar de velhos; ou a incapacidade da escola , sempre atrasada da realidade social na distribuição dos conhecimentos necessários, e assim.


Não é, por isso, difícil adivinhar que as grandes aspirações humanas passem a assentar na conservação dos valores ligados à confiança e ao acompanhamento compreensivo, quer dizer ao cuidar, ao ser cuidado. Como as crianças, permanecendo crianças toda a vida, passaremos cada vez mais a desejar do fundo da nossa alma que cuidem de nós. É por isso também, que mais que em qualquer outra época histórica sentiremos a necessidade de casar com o secreto desejo de casar-mos (nós homens ) primeiro com a mãe ideal ( que nos securiza ), depois com a amiga ideal ( que nos compreende ) , depois com a amante ideal (que nos dá prazer) e só no fim, com a esposa e mãe dos nossos filhos.


A mãe e a amiga ideais ( e para as mulheres é vice-versa ), passam a existir aos nossos olhos para cuidarem de nós. Para nos "curarem" das doenças do nosso tempo que têm como matriz a incapacidade subjectiva de sermos compreendidos e apoiados. Porque curar dá origem a cura ( o padre ) e a cura ( o médico ).


Assim se vê que a noção de cura evoluiu da erradicação de doença (tirar uma seta da coxa ) para o alívio dela( arranjar um colerético para a vesícula) , e depois para a supressão do sofrimento ( físico e psíquico). Porque o conhecimento que todos nós temos do que vem a seguir a uma doença que nos dizem que é grave, implica, de imediato, uma determinada dor psíquica ( a que resulta do culto do saudável bonito, e a que resulta da antecipação angustiante de tratamentos que antes ou não existiam ou não eram do nosso conhecimento).

O que não passa da generalização de situações anteriormente pontuais. Desde a Idade Média e até há pouco tempo, o "senhor abade" tomava a seu cargo as almas de todos os que viviam no seio da sua Igreja. Esta responsabilidade assim como o trabalho realizado por ele junto do seu rebanho, denominava-se "cura animorum", ou seja cura das almas. Daí que cura tanto possa significar responsabilidade por ( como cuidar da alma da responsabilidade do padre ), como propriamente cuidar de (da responsabilidade do médico ). Assim, não é possível actualmente distinguir sofrimento físico do psíquico. E por que o sofrimento, como vimos, tende a aumentar, bem como a sua intolerância, lógico é que o "cura" de hoje actue no sofrimento, designadamente aquele que gerado ao longo da vida pela angústia de expectativa de dôr na morte, e que dá, pela sua intolerância, pelo nome de sofrimento terminal. Face a esta ( em parte nova ) vocação do médico, cabe-lhe, se o doente assim o quiser, o acto da eutanásia ( = eu, boa + tanatos, morte ).


Desde logo porque sendo a ideia da antecipação da morte um sofrimento que a generalidade das civilizações não aceita como digna - no que se diferencia da morte de antanho - e sendo ainda mais verdade que este "movimento" vai agravar-se (independentemente do juízo subjectivo que qualquer um faça desse facto) alimentando como num círculo vicioso o problema e o sofrimento, passou assim a entrar na órbita da responsabilidade do curador. Responsabilidade médica.