A agência de notação Standard & Poor’s reviu ontem a perspetiva de rating dos Estados Unidos. Mudou-a de estável para negativa. Foi o primeiro tiro numa grande potência com notação máxima de triplo A. Três analistas americanos avaliam o impacto.
A segunda-feira 18 de abril bem pode começar a ser etiquetada de Black Monday. Vai, certamente, marcar o calendário desta fase da crise das dívidas soberanas nos países desenvolvidos.
Não tanto pelo disparo do risco de default (incumprimento da dívida) e dos juros no mercado secundário das dívidas soberanas dos jocosamente designados PIIGS da zona euro, mas porque a agência de notação Standard & Poor’s (S&P) resolveu dar o primeiro “puxão de orelhas” aos Estados Unidos, um dos países que tem uma notação máxima de triplo A.
Um primeiro sinal
A S&P – decorria já o almoço na Europa – reviu a perspetiva do rating da dívida soberana do Tio Sam de estável para negativo. Foi um choque. Isso significa que a notação dos Estados Unidos poderá baixar e largar o clube do triplo A num horizonte de dois anos. A probabilidade foi estimada em 30%.
Uma analista canadiana da S&P escrevia este epitáfio: “Mais de dois anos passados sobre o rebentar da crise, os decisores dos EUA ainda não concordaram em como inverter a deterioração orçamental ou mesmo definir como lidar com as pressões orçamentais de longo prazo”.
Peter Cohan, analista em Boston, refere-nos que este é, de facto, “um primeiro sinal à navegação em todos os países com notação triplo A mas com problemas deste tipo”. “Nada no relatório da S&P era desconhecido dos investidores – os EUA deverão ter um défice de 11% do Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida deverá chegar aos 100% do PIB”, acrescenta.
No entanto foi “um choque”, diz David Caploe, um economista americano que dirige em Singapura, do outro lado do mundo, o Economy Watch. E teme que a decisão da S&P “ainda lance mais óleo para a fogueira entre Democratas e Republicanos”. “Vai tornar a situação ainda pior”, conclui.
Mas para o analista Mark Lundeen a reação da S&P pecou por tardia e cita uma frase de Martin Weiss, presidente da Weiss Ratings, que há quase um ano desafiou as três poderosas agências de rating – S&P, Moody’s e Fitch – a acabar com “o anacronismo de uma notação triplo A para o governo americano”.
O resultado do anúncio foi imediato. As bolsas americanas viveram um míni-crash com uma queda de mais de 1% em Wall Street e no Nasdaq (a bolsa das tecnológicas) em Times Square. O custo dos credit default swaps sobre a dívida americana – que funcionam como garantia contra o risco de bancarrota – subiram 19%, de acordo com dados da CMA DataVision. Esta variação tornou os Estados Unidos no campeão das subidas ontem. O risco de default americano passou a ser superior ao alemão. O ouro disparou para novo máximo: 1492,9 dólares por onça.
No entanto, paradoxalmente, os juros da dívida no mercado secundário não reagiram, logo, em alta – só, hoje (19 de abril), de manhã começaram a fazê-lo lentamente. Peter Cohan admite que essa primeira reação dos juros pode “ter provocado o efeito contrário nos investidores – tornou-os mais confiantes de que os americanos vão resolver o problema face a esta pressão”.
Politicamente certeiro
A decisão da S&P surgiu num momento politicamente muito apropriado, dizem os dois analistas. A Administração Obama tenta chegar a acordo com o Congresso sobre um plano de consolidação orçamental de médio prazo, em que se prevê cortar 4 biliões de dólares (quase €3 biliões). O anúncio foi feito apenas um dia depois do secretário do Tesouro (equivalente ao ministro das Finanças) Timothy Geitner ter assegurado, com o seu estilo otimista, na reunião da Primavera do Fundo Monetário Internacional em Washington, que o assunto será resolvido.
É provável que se chegue a uma plataforma de entendimento – mas o arrastamento da negociação e a lama provável dos truques políticos de parte a parte poderá levar os investidores na dívida americana a perder a confiança em que a América sabe lidar com esses problemas “estruturais”.
Peter Cohan coloca de lado essa hipótese de perda de confiança – sobretudo da parte de chineses e japoneses, os principais investidores na dívida americana. “Acho inclusive que o papel dos EUA como refúgio seguro sairá reforçado”, afirmou-nos. David Caploe concorda, mas por diferentes razões: “Os japoneses necessitam do good will americano, sobretudo devido à sua fraqueza desde 1989, agravada com os acontecimentos recentes. Quanto aos chineses, não creio que eles queiram estragar o que quer que seja do sistema atual. Eles são muito pacientes”.