quarta-feira, 29 de abril de 2009

PARÁBOLA DA CONSTRIÇÃO DO TEMPO

(C.S.P.)

A árvore do Tempo espraiou-se pelos seus ramos e ramúnculos apontando em todas as direcções do Cosmos sem excepção. Nos extremos dos galhos mais delgaditos, os frutos da árvore do Tempo, os Relógios, prepararam-se para as vinte e quatro mudanças subtis de cores e brilhos, cheiros e gostos, sons e tonalidades, a cumprir o destino desse novo dia.

Tempo: Juízo, relógio!. Juízo meu pequeno traquinas!. Ainda nem sequer os galos cantam, e já tu, arrogante e sobranceiro como todos os petizes, te sacodes e esperneias como se o novo dia fosse a última coisa da Vida. Dás cabo da minha paciência.

Relógio: Lamento ter de lhe dizer, S. Majestade o Tempo, que a época da subserviência já passou! Você não passa duma abstracção que não conta para nada e por ninguém é levado a sério. Olhe cá e pense bem: não fôra eu com toda a energia da minha juventude e o ardor do meu sangue novo e já vocemecê (como diriam os seus ancestrais) estaria enterrado ontem à noite e nada de si restaria hoje pela matina.

O Tempo espraia-se pelos galhos, range no tronco enrrugado de rugas cavadas e manchadas, e, numa voz mussitada de experiência feita:

Tempo: Eu te darei de mim o que precisas, para que possas, lá para mais tarde, compreenderes e poderes vêr o que por agora não alcanças.


Relógio: Mas que é isso avôzinho pateta? Ameaças veladas? Subtis ambiguidades? Amostragem do superior cajado do pastor que me remete para a inferior condição de estúpido carneiro?.... Ou,...talvez antes, reles sintomas demênciais?

Responde o Tempo sacudindo-se ainda mais uma vez do torpôr:


Tempo: Seja, não vou esmagar-te nem deixarei que a tua própria fatuidade te esmague. Nem acho que necessitemos de concorrer ou competir ou assim..., afinal o meu domínio é da ordem do Cosmos e dos buracos negros que se expandem e retraem ao exalar da minha simples respiração. O meu domínio é da ordem do infinito e da compreensão.


Relógio (revoltado): Insultas-me quando afirmas que és do infinito e da compreensão como se eu o não fôra também....

Tempo: E não és!. Parece-te que és, mas isso é só porque na fracção de mim que tu és, talvez nem sequer existas...., e, em qualquer caso não podes medir nada com o teu cronómetro. És um disfuncional!

Relógio: Agora, e repare que quando digo agora , está V. Majestade o Tempo, nos meus domínios, pelo que lhe digo que é simples trenguiçe o que afirma...

Tempo: Pois, meu pequeno relógio, será que não entendes que: primeiro, compreender não é medir, mais, compreender nunca é medir, caso contrário poderias medir a Vida a cada instante. Já reparaste que a nossa vida, ou seja a vida dos homens que dizes servir mas que afinal escravizas, é feita de acções que resultam de pensamentos que, sejam quais forem, correctos ou incorrectos, bons ou maus, são sempre revestidos de afectos de um de dois tipos? No fundo tudo o que os teus amos, os homens, têm, fazem ou são, reduz-se em essência a duas coisas: ao sentimento do agradável ou do desagradável!. Por isso, aquilo que é a essência dos teus amos (mas não teus senhores, porque esse é o meu campo) é a afectividade e mais nada. Pura afectividade.

Relógio: Mas que queres tu dizer, velho, com isso que soa a insinuação?

Cansado, o Tempo respirou fundo pela acção da brisa que parecia correr em seu socorro, e humedeceu a boca e saciou a pouca sede que os seus ancestrais lhe garantiriam que iria sentir, através dum golo da seiva que chupou do centro da terra.

Tempo: Vê tu bem. Por exemplo, se compreender fosse medir, como poderiam os teus doze azimutes que na realidade são vinte e quatro ( vês como em ti começa logo no teu umbigo a embustiçe aos teus amos, os homens? ) como poderias então medir o Amor? Ou a Felicidade?, ou todas as coisas que mais importam à essência do teu amo? Além de que quem julga não é capaz de compreender, porque quando compreendemos ficamos desarmados para julgar, pelo que tenho uma suspeita muito feia sobre ti: não andarás tu, relógio, armado em juiz dos teus?


Mas voltemos ao amor e à felicidade. Repara na tua insuficiência para medires o amor . Por exemplo, para medires o amor a Deus não chegas, e para medir a felicidade ainda menos. Pois como poderias tu medir o amor a Deus sendo que este - o mais egoísta dos amores - dos teus amos, reduz-se a pedir-lhe ( a Ele, Deus ) a vida Eterna. Amam-no em troca da vida eterna! E como medes tu com os teus vinte e quatro azimutes a eternidade da vida? Que presunção é essa tua, só armado de doze azimutes ou mesmo dos tais vinte e quatro?

E quanto à felicidade, esse outro afecto do agradável que é do género do amor, não entendes que é impossível medi-lo pela razão de ser também um saltitante e deslizante fenómeno?. Ora imagina, relógio, que estás perante o teu amo, o homem, num certo dia, ele prazenteiro, rico de dinheiro e posses, de rija e boa saúde e assim, mas....,surges tu, inopinadamente, e lhe comunicas na hora, que daí a momentos a sua mulher vai morrer atropelada, o filho ser internado por over--dose, descobre pelo seu médico que tem um cancro e que a empresa que administra abre falência...., percebes agora que, nesse instante, o teu amo já não vai querer saber de ti para nada porque só capta a infelicidade para sempre? Não vês que começamos a morrer no exacto instante em que nos comunicam que vamos morrer?

O relógio está furibundo, os frutos da árvore do Tempo caem no chão sacudidos por golpes surdos e inconstantes da mesma brisa de à pouco. Só que, agora, inconstantes e sem nenhum continum, como azimutes, simplesmente.

Relógio: Há bocado disseste em primeiro lugar. Ainda há segundo?

Tempo: Claro, pequeno ingénuo. Custa-me dizer-te isto ...,mas o facto é que tu não existes!. Calma, calma, não digas nada. Mas tu, relógio, és um fruto inventado por mim para enganar quem adora ser enganado ( repara que digo adorar que é a espasmodização mítica do amor, porque o homem só adora para exigir, logo para não amar ).


Sabes, às vezes divirto-me e crio do nada a mistificação do nada. Tu, relógio, és o meu melhor exemplo.

O tremor do relógio agrava-se.

Repara. Se eu , o Tempo, existo na infinidade do Cosmos, sem princípio nem fim, por entre buracos negros e nuvens de galáxias, então eu sou infinitamente grande. Logo, perante mim, e se eu sou infinitamente grande, tu, relógio,só podes ser pequeno. Mais: infinitamente pequeno!. Mas, como se o ponteiro dos teus azimutes corresse agora, segundo a segundo para trás, serias um fragmento do último segundo, depois um fragmento de um fragmento e assim por diante... ou seja, até ao nada. Face a mim, tu e os teus doze ou vinte e quatro azimutes também são um embuste: não existem.


Relógio: Que atraso de vida me saiste! Que de passado longínquo vens tu? Que nojo de arrogância ultramontana! Esmagado pela modernidade não passas dum velho caquético, digo-te eu que todos atestam ser eu up-to-date ou, avant-gard !. Que farias tu sem os simples de espírito, os atrasados de espírito, os poetas ou os filósofos - enfim todos esses inúteis que te prestam atenção, os únicos que pensam e te sentem de modo regular e sistemático?. É que todos os outros amos - a generalidade - vivem comigo e compram-me em ouro ou platina, batizam-me com nomes aristocráticos lindos como Patek-Philippe, Cartier Ballon ou Vacheron Constantin, e oferendam-me o cravejamento com pedras preciosas e correias de pele de crocodilo. Que outra prova necessitas tu do meu valôr? E os que triunfaram no B.C.P., no B.P.P., no Lenon Brothers, no Bear Stearns ou no Northern Rock que ultrapassaram a tormenta das falências mas que por sua muita arte permaneceram ricos, que triunfaram nos sítios para onde todos já hoje querem voltar, sítios honrados, prestigiados e poderosos, todos eles não passam a vida a correr atrás dos meus azimutes, como tu lhes chamas, não correm atrás do meu dia? Sei que já lhes ouviste dizer: "time is money " e olha que se referem ao tempo cronológico - o meu! - e não ao tempo vivido - o teu. Então, atreve-te agora a desdizer-me: eu, relógio, não presto para existir nem existo para prestar?

Aqui,o Tempo torceu-se todo através do tronco, fazendo como nunca ranger sofridamente a madeira de que era, e disse:

Tempo: Sabes, eu, às vezes não tenho a tua audácia de jovem relógio.... Em todo o caso talvez possamos conviver melhor se convergirmos em dois pontos, porque bem vez, no final és meu filho, fui eu que te criei. Proponho-te assim, que aceites como má, a fórmula:

Tempo (vivido ) é uso, enquanto relógio ( tempo cronológico ) é usura.


Em contrapartida, eu , o Tempo, aceito de vez aquilo que já venho fazendo com o esforço que resulta do estorvo da velhice.

( Sou velho como eu próprio, sou Velho como o Tempo).

e que é: tu, relógio, és aquele meu infeliz agente que cria os problemas, para eu, o Tempo (vivido), os resolver. Que tal, aceitas?


Fez-se o silêncio da brisa que pára ao amanhecer.


Relógio: És mesmo parvo e de espinhela curvada como todos os velhos já pequenos, ó Tempo!. Tu não tens actividade para fazer nada, e fazer, fazer sempre, é o verbo mais conjugado do nosso tempo. Nem tens forças para resolver nada. Se eu, num episódio de loucura, aceitasse a tua proposta, o esforço era todo meu...

Tempo: Toda a vida tenho feito o que tu e os teus amos não alcançam vêr, embora eles o sintam. Como? - perguntas tu. Através da infinita paciência que tenho usado para com os teus amos. É que dou-lhes sempre mais uma hipótese, sempre mais uma e mais uma,...e eles nem assim deixam de me odiar.

Relógio: Resolver,...dar hipóteses? Como é isso?

Tempo: Pois ainda não reparaste que a minha paciência corre em socorro dos homenes e que quando eles exorbitam nas acções, hesitam nas decisões, eu dou-lhes sempre de mim: mais Tempo! E ainda não reparaste que mesmo que os homens decidam que não vão decidir nada, e dizem eles que "deixam as coisas correr", eu, o Tempo me encarrego de as resolver duma forma ou doutra mas geralmente a seu contento? E eles dizem como se isso não me custasse ouvir: "porque as coisas resolvem-se por si!". Por si não, por mim!


Cai na terra húmida da manhã, a despontar, um fruto verde , de raiva, certamente.


Relógio:Não sei, não posso anular-me a mim mesmo...Não posso deitar-me ao lixo.

Tempo:Pois não, mas pode o teu amo, o homem. Retirar-te do pulso e dar-te férias. E a ele também. E com isso, começar a longa tarefa de te dar a liberdade deixando tu de seres o seu Tirano. Lembra-te sempre : é so retirar-te do pulso para que o pulso sinta a Vida!

domingo, 26 de abril de 2009

O Senhor Presidente da nossa República





"Quem não sabe rir, não é sério!"
( C-S.P.)

Júlio César :" Eis Cássio, com a sua aparência esguia e faminta; ele pensa demais: tais homens são perigosos"
(Shakespeare in Julius César, i,2,192)





O Senhor Presidente da República entendeu, como agora usam dizer os comentadores da coisa pública enviar recados ao Governo através dum discurso oficial. E, sem desmentido oficial, foi entendido como estando a enunciar críticas ao nosso primeiro ministro eleito José Sócrates. Daí se deduziu que o nosso Presidente da República Aníbal Cavaco Silva criticava o seu/nosso Governo em coisas tão graves como as de governar (na época mais difícil desde a I Grande Guerra) a favor das estatísticas de bem governar contra o país; e de governar sem pensar no futuro dos futuros portugueses.



Parece, então, que o senhor Presidente da República quer - no mínimo - um Governo mais perfeito - à sua imagem de personagem perfeccionista.



Mas o que é um perfeccionista?.... Para que a gente perceba o que move o Senhor Presidente...



Um perfeccionista só gosta do óptimo - que é inimigo do possível.
Por isso, o perfeccionista detesta o bom - mesmo quando é o único exequível.
Por isso o perfeccionista desdenha do prazer do arco-íris, pois só vê a preto e branco.
Por isso, prefere a forma em vez do conteúdo.
E também, por isso mesmo, borrifa-se para a substância.


Precisam os outros de um pouco de conforto, dadas as circunstâncias? Mas que importância tem isso para o perfeccionista?


Pela mesma razão, na sua miudeza, ao perfeccionista interessa a táctica sem perceber a importância da estratégia.
Ou prefere o detalhe da governação aos princípios geopolíticos que a antecipam.
O perfeccionista não aceita lenitivos, apenas cirurgias radicais. Mesmo que à custa da vida!
Logo, não se contenta com soluções transitórias como as de dar de comer aos famintos, mas tão só com soluções definitivas - como se a vida não vivesse da mudança do quotidiano de todos os dias!


É por tudo isto que o intrínseco perfeccionista, só podendo ter soluções óptimas, ou seja ideais, se transforma com o tempo no juiz de todos os outros: no plano dos costumes, no dos usos, e no dos princípios a que teima em chamar de valores! Desde que sejam os seus.



Sendo assim, e vendo que os dados ( os seus ) contrariam a realidade, dão consigo a pensar:"tanto pior para os dados! E persistem, em busca não de uma solução ,mas da SOLUÇÂO!


E o tempo a passar, e eles ,muito seguros de si ! (ah! ah! ah! ) à procura da SOLUÇÃO!
Julgando-se tenazes sem perceber que são apenas teimosos.
Mas suspeitando lá no fundo ( porque a busca da perfeição não lhes deixa tempo para eles mesmos, nem para as suas dúvidas, nem para as suas necessárias buscas) que assim não vão a parte nenhuma.
Porque, meus senhores, os perfeccionistas só o são porque....são inseguros de tudo!



Tão inseguros de tudo que nem admitem que o sejam! Porque são uma casta à parte.
São definitivos, definitivamente. Democratas nem que seja em ditadura. Pacifistas nem que seja a guerrilhar!. Valorosos na defesa dos seus pontos de vista nem que seja a mussitar! . Porque tem o hábito de protestar com boas maneiras - um perfeccionista só pode ter boas maneiras, que diabo! - só protestam a mandar recados, baixinho, pianíssimo, a mussitar o inaudível geralmente, e sempre o incompreensível!.


E porque navegam num pensamento em circuito fechado, porque único, porque deles, os perfeccionistas terminam sós e sozinhos.
Porque numa sociedade de pecadores - nas igrejas, nas morais, nas empresas, nas profissões - só alcançam ser os solilóquios dos silêncios dos outros perfeccionistas.
E, todos juntos, ficam-se tão diferentes, tão inteligentes, tão “uniques“, tão amargos, tão zangados com o mundo que se reuniu para os tramar ( como os “paranoides” ), tão críticos e tão juízes, e tão iluminados..., enfim, e tão inúteis!, que acabam por,

não atingindo o óptimo, entendem melhor não fazer nada,
e assim permanecerem inatacáveis!









O PODER E A AUTORIDADE



O actual senhor Presidente da nossa República já foi durante dez anos o nosso Primeiro-Ministro.
Durante esse tempo recordo quatro dos seus actos de governante:
Primeiro, não previu a recessão (ligeirinha) que se abateu sobre o nosso país --- este país tem nome e chama-se Portugal ----- nos anos de 1993/4,nem, ao olhar aos critérios de responsabilização do actual governo, preparou Portugal para isso.
Segundo mergulhado em dinheiro comunitário até ao pescoço não só não morreu abafado com falta de ar, como ainda decidiu inventar uma classe média ( só fazem sentido numa sociedade como a nossa as classes médias que se auto-construam com as resistências que as preparem para as dialécticas que vão experimentar, nunca por nunca as que um qualquer governante cria por decreto de injecção espúria de dinheiro) pelo aumento de trinta por cento no ordenado mensal a todos os funcionários públicos (cerca de setecentos mil portugueses).
Terceiro, com um argumento de estarrecer ( dar lugar aos jovens em detrimento dos maiores de quarenta e cinco anos) permitiu reformas antecipadas a troco de menos de quinhentos contos (à época) possibilidade que foi por quase toda a função pública aproveitada e que ficou conhecida como "comprar anos". Ou seja, quem quis, e por cerca de quinhentos contos pôde comprar mais de quinhentos em cada um de todos os anos de aposentação!...

(agora protesta S. Excelência pelo desmantelamento da classe média!)


o que somado ao regabofe do segundo ponto, muito bem explica o deficit em que o actual nosso governo encontrou as contas publicas.
Quarto, indignou-se sempre que os Presidentes da República "o não deixavam trabalhar".
Lembram-se?




Pergunta-se:
Tem S..Excelência. poder para ter feito o que fez e agora criticar o actual nosso primeiro-ministro?
Resposta:
Claro que tem, mas o que não tem é autoridade.
Passo a expor:



Se eu entrar num banco comum e exibir ao caixa um cheque devidamente preenchido com determinada quantia em euros tenho a autoridade de levantar essa quantia porque tenho um documento que me autoriza ou me dá autoridade para fazer esse levantamento. Levantamento que eu poderia fazer se exibisse ao mesmo caixa uma pistola e exigisse o dinheiro usando a dita como trunfo.
No primeiro caso tenho autoridade, no segundo tenho poder!
Então, se o efeito - sair do banco com o bolso cheio - é o mesmo, qual é a diferença?


É que:
O poder é positivo, enquanto a autoridade é natural (no plano filosófico)
O poder é institucional, e a autoridade é ética.
(é por isso que chamamos ao simples polícia agente da autoridade, visto que presumimos, e bem, que estando, ele polícia, dependente da instituição Polícia de Segurança Pública, instituição legal, também legitimada pela comunidade, passa a ser assim irrelevante chamar-lhe elemento de poder ou agente de autoridade).
O poder tende a corromper e sujeita-se sempre ao teste da corrupção, enquanto a autoridade modela virtudes (serve de exemplo a outros o nosso bom comportamento).
O poder recebe-se ( ou por nomeação ou por eleição), mas a autoridade conquista-se no comportamento quotidiano.
O poder (pelo que antes fica dito) tem o limite do tempo da instituição, enquanto a autoridade o limite do comportamento pessoal.
O poder (é assim) delegável ( um general pode delegar num major as competências que quiser) mas a autoridade, sendo subjectiva (quer dizer do sujeito A ou B) não o é.
Porque o poder obriga e a autoridade sugere, convida, ou coage.
O poder é assim imposto, e a autoridade impõe-se.
O poder é "a priori", e a autoridade "a posteriori"
O poder é objectivo, e a autoridade subjectiva.
O poder tende a abusar, e à autoridade só compete usar.
O poder é sempre táctico, a autoridade é estratégica.
O poder não necessita de coerência, mas a autoridade exige-a.





Um exemplo: há algum tempo uma minha amiga foi autuada por um agente da G.N.R. Ia a conduzir enquanto fazia uso do telemóvel. O elemento da Guarda deu-lhe ordem de paragem e multou-a enquanto usando e abusando do poder (legal) que detém, com um subjectivo jogo de palavras ,objectivamente a maltratar. A actuação do G.N.R. sendo legal baseou-se exclusivamente no uso do poder em total detrimento da autoridade.
À força sem autoridade chamamos nós bestialidade....





Assim, aqui chegados, facilmente se compreende que qualquer Poder ( seja natural como o dos pais, ou legitimado pelo consenso - maioria democrática com o requisito prévio da aceitação comunitária do resultado eleitoral - como o do Presidente da República, sendo necessário não é suficiente sem a correlativa Autoridade.
Terá o nosso Presidente da República a autoridade necessária para criticar, dignamente, legitimamente ( e não só legalmente) a prestação do seu/nosso primeiro ministro?



terça-feira, 7 de abril de 2009

A SEMÂNTICA DO CASAMENTO
Um dos elementos necessários para nos fazer-mos compreender quando pretendemos defender uma opinião sobre o que quer que seja, é o uso de palavras comuns à comunidade- o léxico - a que nos pretendemos dirigir.
É claro que, ao léxico, deve corresponder a respectiva semântica, quer dizer, o comum significado de cada palavra ou de cada expressão- a semântica- sob pena de uns falarem de alhos e outros de bugalhos.


Assim sendo, facilmente se entende que se a semântica comum constrói uma comunidade de consciências, é também verdade que uma comunidade de consciências resulta sempre da consciência de constituirmos uma comunidade.


É por isso mesmo que sem um léxico que estavelmente se conjugue com a respectiva semântica - enquanto instrumentos de comunicação e discussão opinativo - não poderemos jamais entender-mo-nos uns com os outros dentro da mesma comunidade cultural.


De tal modo é assim, que a maioria dos intelectuais que não sabem o que pensam ou o que pretendem dizer, têm por hábito um de dois truques: ou se escondem nos seus "ensaios" por detrás de léxicos ininteligíveis para o comum dos mortais assim os atemorizando com tanta erudição de dicionário; ou, então, os intimidam com a ambiguidade das palavras que utilizam em catadupa.



É por isto que podemos medir a honestidade intelectual através da dimensão da clareza das palavras ou do falar- ou seja, da clareza das ideias.
Intelectual que se preze e não queira passar por embusteiro, tem de falar e escrever de modo inquestionavelmente inequívoco. Caso contrário, é um vigarista do pensamento, um "flop" .







FIXIDEZ DO LÉXICO E EVOLUÇÃO DO SEMÂNTICO


Frequentemente, os político-jornalistas, ou, os jornalista-políticos, para já não falar dos "comentadores" e dos "intelectuais" da nossa praça, tendem a justificar as suas bizarras opiniões com a "evolução semântica", segundo eles, uma espécie de tradução em calão da evolução da humanidade e sobretudo da civilização!.


Ora, a evolução semântica é, como se sabe, outra coisa.
Todos sabemos que é a evolução do significado das palavras de uso diário, através de sucessivas mutações, que adequa novas e até então desconhecidas realidades ao discurso oral dos falantes.

Assim como o léxico, é uma espécie de geografia das palavras e, como todas as geografias é praticamente estática, a semântica é uma espécie de história das palavras com o seu dinamismo natural- Repito, natural!.


O que sucede é que as palavras têm um sentido original que com o uso, abuso, ou usura por parte dos falantes no quotidiano, vai, popular e lentamente, adquirindo um segudo, um terceiro, ás vezes mais sentidos até se fixar geralmene no ou nos últimos.।
Mas são sempre os falantes que vão dando ( e sempre muito lentamente) ao vocábulo, e por razões de familiaridade lógica, um ou dois significados.


Por exemplo: a palavra "regateira" durante séculos significou exclusivamente "vendedeira", mas como na Idade Média era comum as vendedeiras se comportarem histrionicamente, esbracejando, gritando, teatralizando, dramatizando, enquanto procuravam vender nos mercados, nas ruas, ou de porta-em-porta, utilizando uma linguagem chã e discutindo tudo e por tudo, "regateira"- com o correr dos anos -passou a significar já não a comerciante, mas sim a mulher de maus modos, de palavra e insulto fácil e modos provocadores; e "regatear", passou a significar a discussão tendente a baixar o preço das coisas que nos propomos comprar.


É verdade que, raras vezes, a evolução do sentido vocabular é mais erudito. Por exemplo, na mesma Idade Média, os detentores da erudição sobrante do Império Romano, promoveram, por mecanismos linguísticos simbólicos e sincréticos a transfiguração triangular da Santíssima Trindade num círculo que remetia para a óstia ou partícula consagrada. Mas estes, sucedendo no curso de muitas gerações, jamais ocorriam por decreto da nobreza, ou por bula papal!


Também não lembraria ao diabo que a Monarquia, a República, ou dentro desta, o Estado Novo, decidissem que em Portual se falasse o galaico-português ou o mirandês.
E o que é certo, é que o povo esqueceu o primeiro e recuperou o segundo. Mais, foi o povo no seu falar que o fez, e não, nunca, a política e os políticos da época, que o fizeram.

É que "casamento", em português, mirandês, grego ou latim - bem como em qualquer das línguas do Ocidente, das clássicas derivadas, só tem um único significado: o da união/associação de duas pessoas de sexos opostos como acto fundador de uma nova família e propendendo à criação de descendência que pode, ou não, vir a conseguir-se.


No que toca á existência de descendência através dessa nova associação/união, o mínimo que pode dizer-se é que, em condições vulgares, o seu não conseguimento é geralmente alvo de perguntas e interrogações por parte dos familiares, dos amigos e, até, dos simples conhecidos, e por isso mesmo experimentado e vivido com evidente constrangimento pelo novo "casal".


Sendo assim de um ponto de vista jurídico e teológico, só há uma excepção a esta regra geral sobre o significado/sentido, do vocábulo "casamento": a sua utilização como metáfora ( expressão que provém do grego "metaphora", que significa "transporte" - transporte do real para o significante figurativo). É, por exemplo, o caso de dizer-mos que na II Grande Guerra os soviéticos estabeleceram um "casamento" de interesses com os nazis para derrotar os Aliados...,ou que, também como exemplo, uma boa alheira "casa" sempre bem com um bom tinto, grelos e ovo estrelado!.
E, toda a gente aqui percebe que não se está a falar do casamento propriamente dito.


É por tudo isto que, decretar que a partir do dia X, "casamento" tem o significado/sentido de uma associação/união entre dois homens ou duas mulheres tem a mesma lógica que decretar que a República passa a ser presidida por um rei, ou a Monarquia por um Presidente da República!. Até que os falantes, ao longo de gerações entendam uma outra coisa, casamento será entre um homem e uma mulher pura e simplesmente. Poderá "casamento" então e só então vir a ter outros significados/sentidos, não metafóricos, pela evolução de que se faz a língua. Mas não pelos decretos que a desfazem.


Aliás, se mais não fôra, bastaria recordar a postura da generalidade dos escritores brasileiros e portugueses face ao Acordo Ortográfico que aí vem. O que de todos os que se pronunciaram ouvi, foi que continuariam a escrever como sempre, inovando aqui ou ali, ou criando um ou outro neologismo, como sempre fizeram, para que os falantes os compreendessem e melhor entendessem o que pretendiam dizer.




A Questão da Igualdade


Para além da semântica do "casamento" os defensores do casamento de homossexuais, esgrimem sistematicamente outro argumento de peso: o da "igualdade".
Dizem eles, que a igualdade moral, ética, jurídica e política (que no fundo abrange as restantes)
está a ser espezinhada hodiernamente. E que por tal motivo há descriminação.
Pois é!. Dando de barato que a igualdade política (que abrange as restantes e é em si um bem - o que está por demonstrar ) vou então tratar dela.


O problema da igualdade e da não descriminação é uma questão da ordem natural e racional das coisas, mas não da ordem racionalizadora. Vamos à ordem natural e racional primeiro.


Foi a natureza, seja lá o que issso fôr - e não o legislador ou a civilização - que fez o homem diferente da mulher nos campos do psicológico, do fisiológico (designadamente do hormonal), e do fenotípico (anatómico e biotipológico ) diferentes.
Diferentes, e por isso mesmo suplementares e complementares nesses três domínios. Porque é, precisamente por isso, que homens e mulheres são suplementares e complementares. Por que sendo a sua inteligência mais emocional nuns que noutros, bem como a afectividade mais inteligente nuns que noutros - na generalidade -, sendo a fisiologia paradigmática para qualquer dos géneros, e sendo a anatomia e sobretudo a biotipologia tão diferentes ( que até se exprimem no número, na forma e no conteúde de pedidos de ajuda aos médicos), diferente tem de ser a estrutura e a funcionalidade social dumas e doutros.


A igualdade dos sexos só pode assim colocar-se no plano do estritamente político, ou seja da dignidade social ( e não pessoal) e nos direitos da pessoa. E, dentre estes direitos da pessoa HUMANA somos obrigados e convidados a incluir o respeito pelas especificidades do género uma vez que nenhum deles decidiu o seu para denegrir o outro.
Mais: essa igualdade na diversidade digna, é tanto maior quanto os géneros se aceitarem como diferentes visto que não é nada dignificante para a espécie um homem funcionalmente mulher ou vice-versa!


É do campo do possível que com uma longuíssima evolução darwiniana da espécie, se venha a verificar que para a sobrevivência da espécie .... é melhor uma nova lenta mutação semântica que proponha que o vocábulo "igualdade" venha a querer dizer "diferença". Pode ser que sim! Por mim, fico à espera - sentado.


E, por fim, para não cair no mais torpe e vil reacionarismo não vou escrever que, se para nos entendermos, a Lei define casamento como " o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente,etc,etc," se pretende agora em nome da não descriminação e da igualdade de sexos ( porque não de sexo, já agora?) acabar com a expressão de "sexo diferente", porque não eliminar também a expressão "duas pessoas"?, e eliminar também contrato?,e já agora "celebração" porque afinal o casamento só dá chatices.....
Tal como aquela da Julia Roberts que desabafou: "Andamos nós, as mulheres , há tanto tempo a lutar pela igualdade e porque será que ainda agora só os grupos de mulheres é que passam o tempo a criticarem-se umas às outras?"


E muito menos, vou cair naquela manifestamente de cunho fascizante que propõe que se a questão é semântica e de direitos das minorias, por que diabo não há-de o Bloco de Esquerda propôr o hodierno casamento, (casamento futurista,já!) entre dois homens e duas mulheres, o casamento poligâmico, o casamento poliândrico, o casamento-a-dias, o casamento assim-assim, o casamento de pernas-para-o-ar, o casamento com o Papa, o casamento.....,ufa!,enfim....