sexta-feira, 13 de maio de 2011

A QUESTÃO DO OURO PORTUGUÊS QUE NÃO PODE SER VENDIDO - NEM DEVE!

A questão da venda das reservas de ouro do Banco de Portugal (BdP), herdadas do anterior regime, surge ciclicamente. Na semana passada, o jornal londrino “The Times” noticiava que duas personalidades políticas alemãs em posições importantes no Bundestag (parlamento alemão) colocavam a exigência de que, no quadro do resgate a Portugal, se deveria incluir não só a privatização de ativos como a questão da venda das reservas de ouro detidas pelo BdP.

As duas vozes parlamentares têm peso na Alemanha para não poderem ser ignoradas: Norbert Barthle é o porta-voz parlamentar para os assuntos orçamentais da CDU (cristãos-democratas que lideram o governo atual) e Carsten Schneider é o “sombra” no Partido Social Democrata (SPD).

As contas feitas em cima da mesa eram simples: o valor atual das 382,5 toneladas de ouro contabilizadas no BdP seria de cerca de €13 mil milhões, uma gota no oceano da dívida soberana portuguesa (cerca de €160 mil milhões) e que nem serviria para tapar todo o défice orçamental de 2010, mas o suficiente, alegavam os proponentes alemães, para aliviar 20% do resgate previsto pela troika.

Para situar a discussão, refira-se que Portugal é o 14º detentor mundial de reservas oficialmente declaradas, apesar de elas serem hoje, apenas, 45% das mais de 865 toneladas herdadas do anterior regime.

Incluir as reservas nos resgates

Os alemães acrescentavam que o tema das reservas de ouro deveria ser incluído na questão da falência do processo de resgate à Grécia (que é o 30º país em reservas com 111,5 toneladas) e mesmo na discussão sobre a Espanha (que é o 19º detentor com 281,6 toneladas), caso ocorra. Como nota, sublinhe-se que a Alemanha é o segundo maior detentor de reservas de ouro depois dos Estados Unidos.

Os dois políticos alemães não especificaram quem deveria comprar tais reservas, mas, segundo o GATA (Gold Anti-Trust Action Committee), “o Bundesbank (banco central alemão) e o Banco Central Europeu seriam compradores”. A situação de forçar países em situação de bancarrota a vender reservas de ouro ou colaterizar esses ativos não é nova na história, recorda o GATA.

Nuno Fernandes, professor no IMD na Suíça, advoga que “Portugal deve vender todas as reservas de ouro”. E justifica: “Estamos numa situação de bolha neste mercado, e é presumível que venha a ser um dos ativos com menor rentabilidade nos próximos 5 a 10 anos. Logo, a meu ver, não faz qualquer sentido mantê-las. Numa gestão de ativos-passivos faz, também, sentido a venda”. Parcialmente no mesmo sentido se pronuncia Pedro Martins, professor da School of Business and Management Queen Mary, da Universidade de Londres: “Parece-me apropriado vender parte do ouro, não só por causa da situação financeira do país, mas também pelo elevado preço do ouro nos mercados atualmente”.

Restrições à venda

No entanto, o BdP está vinculado a um acordo de venda denominado de Central Bank Gold Sales Agreement (CBGSA), assinado por 19 bancos centrais europeus incluindo o Banco Central Europeu, cujo mandato renovado em agosto de 2009 se estenderá até agosto de 2014. Nos bancos centrais estão incluídos todos os da zona euro, na altura, mais a Suíça e a Suécia. Nesse âmbito, o conjunto desses signatários só poderá vender 400 toneladas por ano até um limite de 2.000 no quinquénio. Este acordo não foi assinado pelo Fundo Monetário Internacional que manifestou, então, a intenção de vender 403 das suas 3.217 toneladas existentes em agosto de 2009, objetivo que já concretizou. Os signatários do acordo venderam 3.867 toneladas de ouro desde o primeiro GBGSA em setembro de 1999.

Além disso, no atual quadro legal da União Monetária Europeia, os governos não podem dispor livremente das reservas de ouro que são geridas pelos bancos centrais e o resultado das vendas efetuadas fica retido nesses bancos e não pode servir para amortizar dívida do país. Os bancos centrais estão proibidos de financiar diretamente os estados.

Pelo que, como nos refere Daniel Dias, professor da Universidade de Illinois, “a proposta dos alemães é feita sem o mínimo de conhecimento de causa”. Mas admite que “até possa fazer sentido quando Portugal voltar aos mercados financeiros e precisar de se financiar a curto prazo, pois, então, as reservas de ouro poderão ajudar a baixar os juros e com isso diminuir os custos – diretos – da emissão de dívida soberana”.

Álvaro Santos Pereira, professor da Universidade canadiana Simon Fraser, admite que “parte das reservas de ouro podem ser utilizadas numa situação de emergência nacional”, mas logo acrescenta: “No entanto, e para evitar passar a imagem de facilitismo, seria melhor que a eventual alienação das reservas fosse feita conjuntamente com um programa abrangente de redução de dívida pública, bem como das despesas estruturais do Estado. Se não, não deve ser feito”.

Por seu lado, Ricardo Cabral, professor da Universidade da Madeira, é frontalmente contra. Defende que essas reservas devem ser preservadas, e inclusive critica as vendas realizadas entre 2002 e 2006. “O ouro é uma proteção contra o risco. O seu valor inclusive em relação ao dólar ainda poderá multiplicar-se, dada a atual instabilidade dos mercados”, diz. Mas acrescenta, ainda, um outro argumento que considera estratégico: “Perante acontecimentos inesperados, como por exemplo saída atribulada do euro, rotura de pagamentos ou crises graves geopolíticas, é fundamental que o país detenha um ativo de reserva, capaz de ser líquido nos mercados internacionais, e que possa ser utilizado para importações prioritárias. As reservas atuais – de ouro e divisas – dariam, em caso de emergência, para satisfazer as importações líquidas do país durante cerca de 15 meses, o que é um horizonte temporal razoável”. Alega, ainda, que, em caso de reestruturação da dívida soberana, “as reservas poderiam desempenhar um papel fundamental”.

Valorização discutível

No caso do Banco de Portugal voltar a ir ao mercado vender uma parte significativa de reservas, no âmbito do acordo a que está sujeito, um tal movimento poderia provocar uma imediata quebra do preço do dólar e o valor obtido na venda seria muito inferior ao previsto, pois uma situação de pânico se poderia gerar, alerta o GATA.

Há, ainda, um problema adicional, sublinha Ricardo Cabral. Segundo o relatório do BdP de 2009 verifica-se que só 45% das reservas de ouro se encontram nos cofres do banco central; o remanescente – 210 toneladas – encontra-se depositado à ordem, sem serem dados detalhes.

Uns alienaram, outros reforçaram as reservas de ouro

A última venda de ouro realizada pelo BdP foi em setembro de 2006 num montante de 19,9 toneladas, ao abrigo do acordo referido. Entre 2002 e 2006, o BdP vendeu 224,1 toneladas, quando o ouro se cotava a valores em muitos casos 1/3 abaixo do atual. “Se o BdP não o tivesse feito, diz Ricardo Cabral, as reservas estariam hoje em mais de 600 toneladas, valendo mais 4,8 mil milhões do que actualmente”.

Enquanto uns alienaram reservas de ouro, outros reforçaram-nas sistematicamente. A China informou em 2009 ter reforçado em 454 toneladas, e a partir dessa altura passou à 6ª posição no ranking mundial. A Índia reforçou, no mesmo ano, em 200 toneladas, e subiu para o 11º lugar. A Arábia Saudita aumentou 180 toneladas e passou a 16º. Finalmente, a Rússia de 2009 a 2011 reforçou em 231 toneladas subindo ao 8º lugar. Segundo o Financial Times, o México, já em fevereiro e março do corrente ano, adquiriu 93,3 toneladas, subindo de 69º para 33º na lista.

Os comentários ao Financial Times por parte do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, no sentido de que o ouro poderia vir a ser integrado num cabaz de referência do sistema monetário internacional juntamente com divisas, vieram ao encontro desta estratégia de reforço de reservas por parte das economias emergentes.

[Lista das 15 entidades e países com maiores reservas de ouro, segundo os dados oficiais em abril de 2011, de acordo com o World Gold Council: Estados Unidos; Alemanha; Fundo Monetário Internacional; Itália; França; China; Suíça; Rússia; Japão; Holanda; Índia; Banco Central Europeu; Taiwan; Portugal; e Venezuela.]

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