terça-feira, 17 de maio de 2011

AS AUTOCRACIAS SOMAM E SEGUEM

Luca Barillaro, um consultor financeiro independente italiano, especialista em commodities, fala da volatilidade do mercado das matérias-primas nas últimas semanas e considera que os líderes europeus perderam toda a reputação.
Nas duas últimas semanas assistimos a um ziguezague nos preços das commodities, com o que foi alcunhado de flash crashes sobretudo na prata e no barril de Brent a 5 e 11 de maio seguidos de regresso à tendência altista. Particularmente o ouro mostrou-se o mais resiliente. As razões do que ocorreu e qual a tendência que vai predominar – se a correção em baixa, se a continuação da alta especulativa – continua em acesa polémica entre os economistas e analistas. Esta volatilidade destes mercados converge, por ora, com a crise da dívida soberana em vários países da zona euro.
Ouvimos Luca Barillaro, um consultor financeiro independente de Bolonha que trabalhou anteriormente na City londrina, que surpreende com algumas opiniões pouco ortodoxas: “Há vários tipos de commodities, algumas mais iguais do que outras”; “Bruxelas acabará por implodir devido à sua burocracia e arrogância”; “todos estes resgates em curso são, apenas, transferências de dinheiro que não resolverão o problema”; “a única saída para a zona euro é a sua moeda baixar para a paridade com o dólar, reduzindo a dívida em termos reais”.
P: As quebras que houve a 5 e 11 de maio foram o juízo final para a especulação desenfreada no mercado das commodities?
R: Depende de que commodities estamos a falar. Há umas mais iguais do que outras. Se nos referimos ao ouro, à platina e ao petróleo, julgo que se trata, apenas, de uma correção, pois estas três são olhadas – e, de facto, são-no – como outro género de unidades monetárias. Com os processos de depreciação das divisas tão em voga pelos bancos centrais, os mercados financeiros acabam por olhar para “moedas” alternativas. O ouro, a platina e o petróleo são aquilo que os especuladores chamam de “divisas fortes”, pois não estão sujeitas à manipulação de dar à manivela de impressão.
P: Os metais preciosos sempre foram encarados como alternativas ao papel fiduciário, mas o barril de petróleo pode ser considerado uma “divisa forte”?
R: Pode parecer-lhe estranho, que o petróleo é diferente dos metais preciosos. Mas o barril tem enorme poder e implicações políticas muito grandes. Dispor de grandes reservas de petróleo significa influência política. Não é, por acaso, que a França se apressou a bombardear a Líbia. Os políticos franceses foram contra o bombardeamento da Sérvia – se for ao maior parque de Belgrado, ao Kalemegdan, encontra ali um monumento com um pedido de desculpas dos franceses por causa dos bombardeamentos da NATO. Mas quanto à Líbia foram rápidos. A energia é uma “moeda” geopolítica.
P: E nos outros casos de commodities?
R: Se falamos de casos como o cobre, o aço, o gás natural, e mesmo a prata, penso que a liquidação total a que assistimos nesses dias foi, apenas, a outra face do que chamamos de negócio de carry trade entre divisas. Por isso, eu julgo que vamos ver dois andamentos: mais liquidações no caso de matérias-primas que vêm os preços subir devido ao carry trade, e tendência de alta clara no que designei por commodities que funcionam como “divisas fortes”. Pode verificar-se a relação do ouro com o euro ou do petróleo com o euro para se observar esta diferença de que falo.
P: Como funciona esse mecanismo especulativo associado ao carry trade?
R: Se for um grande banco ou entidade financeira pode pedir emprestado dinheiro a 0,1% junto da Reserva Federal (FED) americana. Depois troca esses dólares baratos em euros para aplicar em títulos do tesouro europeus por exemplo com yields elevadas (como os gregos, portugueses, etc.), ou na prata, ou mesmo em ações, ou outras commodities. Quando este mercado está em bolha, acaba-se por comprar de tudo, milho, madeiras, gado – tudo mesmo. Bastam 10 dias de especulação para ganhar 3 vezes o que tenho de pagar à FED. Assim, o meu ganho líquido é de 200%, sem contar o facto de ter pedido dólares emprestados a um câmbio de 1,40 dólares por cada euro e acabar por pagar o empréstimo com o câmbio a 1,48 dólares por euro, ou seja preciso de menos euros para pagar a dívida. Contudo, se o mercado muda repentinamente, então há um pânico e toda a gente desata a sair do carry trade.
P: Os designados ETF (acrónimo em inglês para Exchange-traded funds) de commodities são a melhor plataforma para os fundos de alto risco e para os fundos de pensões? Ou até mesmo para o retalho e o pequeno especulador?
R: Podem ser. Mas só para quem invista em commodities físicas – não em papéis. Se não, o “contango” – quando os preços futuros são superiores ao preço no mercado spot – torna ineficiente este tipo de aplicações para o investidor de longo prazo, pois em cada situação de refinanciamento perde-se uma pequena porção do investimento feito. Penso que as ETF que apostaram nos papéis foram o principal motor por detrás da bolha do índice de 19 commodities The Thomson Reuters/Jefferies CRB, pois transformaram a procura financeira numa procura física puramente fictícia.
P: Há o risco de uma depreciação significativa do dólar?
R: Creio que já assistimos a uma depreciação completa do dólar. Estamos numa corrida em que toda a gente quer ser o último – ou o mais radical – a fazer uma desvalorização competitiva. Os Estados Unidos estão a usar a desvalorização para alimentar a procura dos seus ativos. Mas o ponto é que a Europa está numa situação ainda pior.
P: Está pior, em que sentido?
R: Quando ouvimos um líder europeu falar, e depois se vêm as parangonas nas agências de notícias, a primeira reação do investidor é VENDER. E quanto mais os líderes europeus tentam tranquilizar o investidor, mais soa a falso. Na Goldman Sachs dizia-se que tinham três ativos: “os clientes, o dinheiro e a reputação; até se podem perder os dois primeiros mas não o terceiro, de contrário estamos fritos”. Ora, os líderes europeus perderam a sua reputação – e isso leva tempo a reconstruir.
P: Os “resgates” na zona euro vão mostrar-se resilientes à tempestade, ou são apenas uma fase transitória para reestruturações das dívidas soberanas de países em situação de pré-default?
R: Apenas mostram que a União Europeia está baseada em fluxos de dinheiro, em que os fundos vão de A para B e depois para C, mas em que o dinheiro é sempre o mesmo. A Alemanha tem de emprestar, senão os seus bancos podem entrar em bancarrota. A Europa, tal como existe hoje, é, apenas, um imposto de paz. Algo criado para evitar outras guerras no continente. Veja bem, a Itália poderia estar em guerra com a França por causa das recentes tensões, não tivéssemos nós a União Europeia.
P: O que pode acontecer, então, à Europa?
R: Penso que a próxima depreciação vai estar associada ao euro. A inflação vai ter de subir para “reestruturar” a dívida europeia. A inflação é o único imposto que todos pagam sem exceção. Se conseguir gerar uma inflação de 5% ao ano mantendo as expectativas baixas – e para isso basta dizer aos media que tudo corre pelo melhor, usando adequadamente as estatísticas que vão sendo publicadas – consegue um milagre: em 10 anos reduz tecnicamente a sua dívida em 50%.
P: Mas isso é possível?
R: Ou fazem este truque, ou, então, têm de reconhecer que o euro é uma moeda completamente artificial e que alguém terá de regressar às suas moedas de origem. Todos estes resgates são apenas transferências de dinheiro que não resolverão o problema. A única saída para a zona euro e para impulsionar a economia europeia, é a sua moeda baixar para a paridade com o dólar, reduzindo a dívida em termos reais.
P: Poderemos vir a assistir a uma vaga de crises de dívidas nos países desenvolvidos, para além do que já está a acontecer com alguns países da zona euro?
R: Sim.
P: Porquê?
R: Pense no seguinte. Até ao ano 2000, todas as crises estavam na periferia. Vejam-se os casos: México, Rússia, Tailândia, Argentina. Depois destas crises, o centro voltou a ter máximos, quer nas bolsas como no crescimento do Produto Interno Bruto. Agora, todas as crises são no centro – Europa, Estados Unidos, Reino Unido e Japão. A periferia – os mercados emergentes – também foi abaixo, mas hoje estão em novos pontos máximos, enquanto o centro batalha por sobreviver.
P: E como vai a Europa sair desse atoleiro?
R: Creio que Bruxelas acabará por implodir devido à sua burocracia e arrogância. Quanto a nós, simples mortais, temos o azar de viver hoje na parte errada do planeta.

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