quarta-feira, 18 de maio de 2011

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA

A prisão preventiva do diretor-geral do Fundo Monetário Internacional ofuscou os problemas “domésticos” dos Estados Unidos. Obama e os republicanos fazem um braço de ferro em torno do aumento do teto de endividamento. O secretário do Tesouro ameaçou que o governo federal poderá entrar em default em agosto.
O secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, avisou, esta semana, que as Finanças ficarão sem opções para evitar um default do governo federal no começo de agosto. O teto de endividamento de 14,3 biliões de dólares estaria a ser atingido.
Por seu lado, o presidente Obama, numa entrevista previamente gravada, divulgada esta semana veio repetir que sem o aumento do teto de endividamento dos Estados Unidos uma situação de disrupção do sistema financeiro mundial poderia rebentar, com a América recaindo em recessão.
Esta bomba enviada aos media até pode ser apenas mais uma achega para o braço de ferro político entre o presidente Obama e os republicanos no Congresso americano a propósito do aumento ou não do teto de endividamento federal.
«Esse risco de um evento de crédito no verão é muito diminuto. A percentagem no Congresso que acha que um default os beneficiaria politicamente é muito pequena. Mas esse grupo, certamente, vai alimentar esse assunto até ao último minuto, tornando a economia americana refém da sua tática, e depois concordarão num compromisso – a questão será saber quais os seus contornos”, disse ao Expresso Peter Cohan, analista em Boston.
Os direitos adquiridos
O problema divide a política americana e os próprios economistas. Uns recomendam que Geithner, pura e simplesmente, ignore o teto, e quanto mais cedo melhor. Qualquer pálida hipótese de um “evento de crédito” seria um desastre para a América. Por outro lado, Peter Cohan acha que o teto de endividamento acabará por ser aumentado. Contudo, Robert Eisenbeis, da Cumberland Associates, uma firma de consultoria financeira global, acha que o Congresso não deve flexibilizar o teto. “O problema é a despesa, não é o teto. Aumentá-lo seria perder um mecanismo de pressão sobre o Congresso e o Presidente para os obrigar a dominar a despesa e controlar os défices”, referiu ao Expresso. Este consultor internacional sublinha, ainda, que “os EUA têm de evitar um problema de dívida como o do Japão ou da Europa, que, em larga medida, é derivado de direitos adquiridos. Esses direitos adquiridos são perigosos e os políticos americanos têm estado relutantes em enfrentar esse problema. Mas isso talvez mude. O facto de esta discussão estar a acontecer e do teto ser algo vinculativo é muito positivo para os Estados Unidos”.
Esta polémica revela as fraquezas da ainda maior economia do mundo que já levaram em 18 de abril a agência de notação Standard & Poor’s a considerar negativa a perspetiva de revisão futura do rating do país.
No seu discurso de 13 de abril, o presidente americano teve de comprometer-se a iniciar um processo de redução do défice orçamental federal unificado na ordem dos 4 biliões de dólares em 12 anos, que implicaria cortes na despesa (50% da redução), aumento de impostos e redução nos juros a pagar. Obama destacou o seu vice-presidente Joe Biden para liderar negociações com um grupo de líderes do congresso no sentido de concretizar aquele objetivo. Os pomos da discórdia com os republicanos estão no que cortar na despesa federal e na questão de aumentar ou não os impostos. E são essas mesmas divergências que condicionam, agora, pontualmente a discussão sobre o aumento do teto de endividamento, já admitido pelos próprios republicanos.
Se o braço de ferro se arrastar pelo verão dentro, há sempre alternativas. “O governo pode deixar de pagar algumas contas, adiando. Deixar de pagar também aos trabalhadores do estado não essenciais. Mas dou a tudo isso uma muito baixa probabilidade”, conclui Peter Cohan.
Números fracos quando se sai da “espuma”
Esta discussão ocorre com um pano de fundo de incerteza sobre a evolução da economia americana. O colunista Neville Bennet, no blogue Le Metropole Café, recorda hoje que os números americanos são fracos: “Os spin doctors – especialistas em marketing e manipulação políticas – não podem dizer que o último relatório sobre o Produto Interno Bruto é bom”. “Temos de sair da espuma. A taxa de crescimento das vendas finais no consumo interno é apenas de 1% em termos reais, a taxa de crescimento do consumo caiu de 4% para 2,2% e o investimento em equipamentos caiu de 7% para 4%”. A retoma é dourada pelo papel estimulador do programa de quantitative easing (alívio quantitativo) da Reserva Federal que tem alimentado a especulação nos mercados de ações e nas commodities. Apesar da desvalorização do dólar que ocorreu para estimular as exportações, “o sector industrial tem perdido gás”, diz Bennet, que recorda que, segundo uma sondagem Gallup, 29% dos americanos acham que a economia está em depressão e outros 26% que está ainda em recessão. Largos setores da América empobreceram e não usufruem da bolha nas bolsas ou nos mercados das commodities. O desemprego ainda está em 9% e o défice orçamental é de 9% do PIB, com uma componente estrutural muito significativa a que se soma uma componente cíclica derivada da crise.

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