sexta-feira, 18 de março de 2011

A PENSÃO LARANJEIRA EM VIANA DO CASTELO

Sexta-feira, 18 de Março de 2011
por Daniel Oliveira

A Pensão "O Laranjeira" nasceu, em Viana do Castelo, em 1931. Restaurante no rés-de-chão, "quartos, rooms, chambres, zimmers" com águas correntes em dois andares e casa da família, no primeiro.

A coisa passou de pai para filho, sem que nada de especial tivesse mudado. Os quartos ajudavam ao pé de meia de um negócio familiar de restauração. Helena Laranjeira, neta do homem que começou este negócio e filha do que o seguiu e com quem atualmente trabalha, foi a primeira a tirar o curso. De gestão, em Évora, no caso. Depois do curso ainda esteve na direção da estalagem local de 5 estrelas - também da família. Por fim, dedicou-se ao negócio do pai e dos avós.

Os tempos são outros e o seu saber também. E o que aprendeu serviu para perceber que por vezes bastam alguns melhoramentos para dar um salto. Foi buscar um casal de jovens arquitetos e mudou toda a decoração. Com muito bom gosto. Nada de novo-riquismo ou de megalomanias. Usou os móveis de sempre, decorou toda a pensão com os retratos da família e apontamentos da região. Cada quarto com a sua personalidade, contando histórias de Viana e da família. Mantiveram tudo o que podiam manter, juntando o conforto. E uma pensão banal passou a assemelhar-se a um hotel de charme. Com um bom restaurante no andar de baixo, também ele remodelado com cuidado. À simpatia e aos talentos gastronómicos da avó e ao empenhamento do pai juntou-se a ousadia da filha. O saber acrescentou, não destruiu.

Quando saí da pensão que não conhecia antes conversei com a Helena. A modernização inteligente do espaço continuava. E esperava-se uma autorização da Câmara para fazer crescer a pensão para a casa do lado, também propriedade d'O Laranjeira. Foi então este percurso: os avós criaram a pensão e o restaurante, o pai manteve e investiu na educação da filha, a filha mudou, com autorização do pai, a natureza do negócio, dando ao cliente uma boa relação qualidade/preço. O que Helena fez, com a formação que teve, foi acrescentar valor ao investimento dos seus antepassados.

Esta história repete-se pelo País fora: filhos e netos que foram os primeiros a receber formação superior e que fizeram dos negócios da família ou dos negócios de quem os contratou uma outra coisa. Acrescentaram o valor que a formação lhes deu. Indiferentes à estúpida ladaínha que trata o investimento que o País fez em educação superior como um desperdício. Indiferentes ao discurso decrépito que pede uma universidade de elite. Ou seja, uma universidade para os filhos da elite. Que trata a democratização da Universidade como um sinal de abandalhamento.

Tivessem as nossas empresas - as pequenas, as médias e as grandes - aproveitado o investimento que o Estado e as famílias fizeram na educação da população e hoje o nosso debate seria outro. Seria outro, porque a nossa economia estaria, apesar de tudo, noutro estado. As nossas empresas produziriam valor acrescentado e seria muito mais competitivas. Seria outro porque haveria, com todo um aparelho produtivo por modernizar, muito mais trabalho para licenciados.

A história da Pensão O Laranjeira não tem nada de especial. É apenas um hotel simpático no centro histórico de Viana do Castelo. A história de Helena Laranjeira não tem nada de especial. É apenas a filha de um casal que regressa ao negócio da sua família depois de receber formação superior. A história da pensão e da Helena é só um exemplo. De como fizemos muito mais do que pensamos. De como estamos a desperdiçar o que fizemos. E de como, desinvestindo na única solução para o nosso futuro, nos estamos a preparar para atirar para o lixo o extraordinário salto que démos nos últimos trinta anos.

Não, não andámos a viver acima das nossas possibilidades. Andamos é a viver muito abaixo das nossas capacidades. As helenas estão espalhadas por aí. As pensões O Laranjeira, à espera de um pequeno toque que as torne mais competitivas, também. Os pais desta licenciada em gestão perceberam isso. Será que os nossos políticos e os nossos empresários, sempre com a boca cheia de competitividade, alguma vez o perceberão? É que a maioria dos licenciados da geração à rasca não têm pais com negócios. Não chega a vontade que têm (e têm!) de trabalhar e aplicar o que sabem. Precisam que haja quem dê algum valor ao que andaram a aprender e que custou dinheiro ao Estado para que lhes fosse ensinado.


Publicado no Expresso Online

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