terça-feira, 1 de março de 2011

BANCARROTA AMERICANA E INGLESA E REUNIÃO DOS BRIC COM UE

É a proposta de Franck Biancheri, fundador do Laboratório Europeu de Antecipação Política, que organizará a 23 e 25 de maio em Moscovo, um primeiro seminário de especialistas europeus, brasileiros, russos, indianos, chineses e sul-africanos para definir uma agenda para tal cimeira.
Os Estados Unidos estão em “declínio irreversível”, pelo que a Europa tem de procurar novas alianças nesta década que vai viver “um período de deslocação estratégica”.
Se factos faltassem bastaria recordar a mais recente reunião de ministros das Finanças e banqueiros centrais do G20 em Paris ou o dominó dos levantamentos populares árabes no Magrebe e Médio Oriente, começa por nos referir Franck Biancheri, de 50 anos, fundador e diretor de estudos do Laboratoire Européen d’Anticipation Politique (LEAP), sediado em Paris,e presidente do movimento europeu Newropeans.
“Os Estados Unidos não escapam à lei de ferro da História – sic transit gloria mundi. A expressão latina para frisar uma verdade que se aplica a qualquer potência: a glória do mundo é passageira. Vocês portugueses, tal como nós franceses, ou os holandeses, espanhóis e ingleses, percebem bem este processo, pois o trilhámos, noutras alturas”, diz, com indisfarçável ironia. E prossegue: “De facto, não há mais liderança americana – e, aliás, não há liderança alguma. Uma situação que é uma estreia desde a queda do Muro de Berlim em 1989 e do final da Guerra Fria”.
A Europa é uma potência nova
Face a este “vazio” geopolítico e ao risco do próprio G20 “se tornar o equivalente moderno da Sociedade de Nações depois do final da Primeira Guerra Mundial”, o especialista francês em tendências e cenários geopolíticos e geoeconómicos propõe a realização antes de 2015 de uma cimeira entre a União Europeia e os BRIC (o acrónimo criado para reunir Brasil, Rússia, Índia e China), dando expressão a uma nova realidade que batizou de BRICE. Franck Biancheri acha que a União Europeia é uma “potência nova” com uma moeda nova e um projeto novo, e não um incumbente obsoleto, como muitos analistas tentam fazer crer. A União Europeia como realidade nova que é não deve ficar amarrada à herança do pós-guerra dos anos 1940.
Consequente com esta sugestão de guinada geoestratégica por parte da Europa, vai realizar, em 23 e 25 de maio, na universidade MGIMO (Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo), na capital russa, o primeiro seminário para definir uma agenda para os BRICE (BRIC + Europa), reunindo peritos europeus, russos, chineses, indianos, brasileiros e sul-africanos, onde conta envolver especialistas portugueses. O seminário é organizado pelo LEAP e pelo Instituto de Estudos Europeus da MGIMO.
As razões desta viragem prendem-se com a análise que Biancheri e o seu Laboratório de Antecipação vêm fazendo há já vários anos. Em fevereiro de 2006, o especialista francês antecipou o eclodir do que designou por “crise sistémica global”, antes mesmo dos primeiros afloramentos da crise financeira em agosto de 2007. Ao referir o caráter “sistémico” insistiu, desde então, que não se tratava de algo “passageiro” e igual a outras crises do pós-guerra.
Agora, no seu mais recente livro “Crise Mondiale” fala de uma década de 2010 a 2020 de “deslocação estratégica” global, marcando “uma transição histórica, de que a crise atual é, apenas, o acelerador”. O que vem aí, diz, é “uma tempestade perfeita”.
Cenários negros para a América
Nessa transição histórica, Biancheri pinta um quadro muito negro de dois países – os Estados Unidos e o Reino Unido. Ele diz-nos mesmo que toda “a América do Norte é o espaço com menos condições de adaptação a esta transição”. Nos dois cenários que desenvolveu até 2020, os Estados Unidos são atravessados pela fragmentação e mesmo pelo separatismo, com vários estados a sentirem-se atraídos pelo Pacífico e a voltarem as costas a Washington. Biancheri antecipa mesmo revoltas populares contra a Reserva Federal (FED) americana, o banco central.
A mistura é explosiva: “As notícias dão conta do aumento da violência – veja o caso de uma congressista baleada e de um juiz federal assassinado. Alguns estados estão a discutir pagamentos baseados no ouro e não em dólares. A bancarrota assola vários estados da federação e numerosos counties e cidades. O governador do Wisconsin pediu à Guarda Nacional para estar de prevenção contra a violência quando anunciou os cortes orçamentais nos programas do seu estado. As coisas estão a desenvolver-se muito rapidamente, mesmo apesar de os media que formam a opinião pública pretenderem que tudo isto é o “normal” nos EUA. Não é”.
O especialista francês refere que a própria crise da dívida irá chegar aos dois “intocáveis” – os Estados Unidos e o Reino Unido já no segundo semestre deste ano (ver Três Perguntas a). Vaticina, em contrapartida, que o stresse em torno dos riscos de default (incumprimento da dívida) em vários estados membros da zona euro estará superado até final do ano.
O papel do TGV
Biancheri é um entusiasta do projeto europeu. Vê nele pontos fortes como o “caráter policêntrico e a experiência concreta de uma nova divisa, o euro, e de uma união económica entre países distintos”. Considera que um dos seus elementos estruturantes é o que designa por “anéis europeus” de mobilidade. Fala da importância estratégica do anel que envolve o centro da Europa ocidental. Ele considera essa rede como uma “conurbação global” capaz de concorrer com outras à escala mundial.
Confrontado com a “periferização” do resto da União Europeia, o especialista considera importante que “outras realidades menos centrais possam ser colocadas em anéis secundários”. E, nesse campo, são fundamentais ligações rápidas por alta velocidade, incluindo a ligação Lisboa-Madrid-Paris. “Acho vital que se ligue por TGV todas as capitais europeias. Não devemos olhar, apenas, a resultados de curto prazo. É um investimento de longo prazo para a coesão europeia”, responde, para concluir: “Uma tal rede de alta velocidade deve ser suportada pela União Europeia – e tanto mais quanto é maior a volatilidade económica de curto prazo”.

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