domingo, 27 de março de 2011

PORQUE É QUE NÃO POSSO SER DEMOCRATA MAS NÃO DESISTO DE SER SOCIALISTA -4

Nos "posts" anteriores debrucei-me sucintamente na questão ideológica da DEMOCRACIA e da questão  "um homem, um voto", e no seguinte, na questão filosófica do seu desígnio filosófico , a saber: a sua natural superioridade para evitar convulsões sociais ou guerras civis pelo facto dos cidadãos poderem escolher um pequeno mas sábio grupo de representantes dos seus interesses que conciliassem a natural diversidade deles consoante as classes sociais.

Que este objectivo esteve sempre longe de ser alcançado quando a complexificação dos problemas que se punham à sociedade se acentuou depois da revolução industrial, prova-o a necessidade de se irem inventando formas cada vez mais rebuscadas de introduzir especialistas nas várias áreas da governação em corpos legislativos que em muito ultrapassavam as assembeias de deputados geralmente conhecidas como parlamentos.

Na verdade estes parlamentos - mesmo na Grécia Antiga - eram muito mais lugares tribuníceos onde o teatro da retórica ( de origem grega e depois romana ) imperavam, antes de serem o local onde pessoas sensatas pudessem em privado e diplomaticamente discutir os assuntos , confrontar argumentos, iluminar ideias e chegar às melhores conclusões.
A este propósito lembro-me de o nosso ex-presidente Jorge Sampaio se ter debruçado sobre isto declarando sobre certo tema complexo que era bom que "os governos pensassem mais em ir buscar pareceres às universidades". Esta visão da política tinha sido nos anos setenta achincalhada quando certa esquerda acusava a Associação "SEDES" de ser alfôbre de gente tecnocrática ministeriável.

Mas já antes, em pleno Estado Novo e com a Constituição de 1933, Salazar tinha instituído como orgão legislativo a dupla Câmara : a Assembleia Nacional que era eleita ( pelo Chefe-de-Família , o marido e pai de família em nome do seu agregado familiar ) , mas também a Câmara Corporativa onde representantes da maioria das forças vivas da economia e "dos misteres" tomavam lugar a convite do regime : profissionais liberais de todos os tipos, agricultores, comerciantes, industriais, professores, etc, uma panóplia de gente que se pretendia representativa das profissões do país e que podia discutir entre si os diplomas que os deputados da Assembleia queriam votar dando-lhes uma informação qualificada.
Ou seja, desde sempre ( em Portugal desde a Idade Média com as Côrtes ) que o Legislador
 se sentiu manco de informação e formação técnica para tomar decisões acertadas e correctas.

Se isto é assim um pouco por toda a parte, ao longo dos tempos ( com excepção dos Estados muito pequenos, com população mínima ) ao ponto de até as duas democracias sempre apresentadas como paradigma democrático, terem duas Câmaras ( nos USA o Congresso e a Câmara dos Representantes: e na Grã-Bretanha os Comuns e a Câmara dos Lordes ) é porque há outros equilíbrios que já não passam só pelas maximas de "um homem , um voto", nem pela idealização de que votando resolvemos os conflitos internos ( e a este aspecto da questão voltarei noutro "post").

Daí que, ao olhar à nossa volta não se possa negar a indigência intelectual, moral e técnica da esmagadora maioria de quem nos representa. Porquê isto, por que haveremos - em tempos de globalização do conhecimento e da Net-  ter gente que na praxis democrática é tão pobre de espírito a governar-nos?

A principal razão, a meu vêr, está no facto de - em democracia partidária - só haver uma via para chegar ao Poder: através dos Partidos Políticos  e estes não estarem capazes de fornecerem à democracia gente com qualidade. Na verdade quando olhamos , por exemplo. para os dirigentes portugueses da actualidade so´encontramos aparatchiks  partidários : Sócrates era dos júniores do partido, Passos Coelho jamais trabalhou em quase cinquenta anos de vida a não ser como jota do seu partido ( a história de ser gestor de Ângelo Correia é isso mesmo, uma estória ); Paulo Portas jamais geriu uma chafarica que fosse ( mesmo no "independente" era jornalista exclusivamente político-partidário ) tendo feito a carreira habitual no PSD e no CDS; Anacleto Louçã foi sempre alguém que só militou na vida político-partidária ; e Gerónimo de Sousa sempre foi funcionário do PCP.

Temos assim que para se chegar ao topo dum país como o nosso, é necessário ultrapassar sucessivas barreiras dentro do  partido, começando como membro duma concelhia, passando à sua presidência, continuando na distrital e passando à sua presidência, prosseguindo como membro duma comissão política ou afim e daí - se correr bem- saltar para uma secretaria de estado desconhecida sem nunca ter pronunciado um despacho sequer....

Mas o pior não é saber o que é um despacho. Pior é o conjunto de "qualidades" exigidas para se trepar no aparelho partidário.
 São elas : capacidade manipulatória, dotes de sedução e dotes oratórios de uma retórica vazia de substância ( porque dizer mesmo alguma coisa é um perigo na medida em que o que é uma posição hoje pode mais tarde virar-se contra o próprio ) explorando o vazio de ideias e treinando o falar sem dizer nada, o intriguismo, a mentira, o mal-falar dos que concorrem conosco e passam assim à categoria de inimigos, e a estruturação - pela necessidade  de todos desconfiarem de todos  - de personalidades amarradas a traços paranóides.

Ora estes traços e competências são justamente os opostos aos que se requerem para se ser um bom gestôr do que quer que seja, e muito mais da causa pública.Para a governação de um país são necessárias pessoas com grande idoneidade, tolerância ao stress,  capacidade técnica, versatilidade para alcançar consensos e verticalidade férrea para impôr as decisões melhores para a maioria e contra as minorias profissionais e corporações de interesses.

Se este desideratum já era difícil de ser alcançado antes da globalização , com a complexidade da globalização tornou-se tarefa impossível porque agora o tempo, o tempo de antecipar e realizar , o tempo de discutir com dúvida e de realizar com fé , é cada vez menor. Como tentarei expôr no "post" 5.

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