terça-feira, 1 de março de 2011

IRLANDA EST

Com a vitória eleitoral dos partidos que se pronunciaram pela renegociação do “memorando de entendimento” com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, as águas vão agitar-se nas próximas cimeiras em março da zona euro e dos 27. O próximo embate coletivo será na cimeira extraordinária de 11 de março. Se um compromisso aceitável para os irlandeses não for conseguido – dada a clareza do voto popular nas urnas – uma crise na zona euro, inesperada, pode abrir-se.
Com a derrota do atual governo em Dublin, suportado pelo Fianna Fáil (direita), o acordo com Bruxelas e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entrou em contagem decrescente de renegociação. Os dois partidos mais votados – o Fine Gael (centro-direita), que ganhou as eleições legislativas antecipadas de sexta-feira passada, e o Labour (Partido Trabalhista, socialistas), que se colocou em segundo lugar – fizeram campanha pela renegociação do “memorando de entendimento” (MoU) que conduziu a Irlanda a um processo de “resgate” da sua crise da dívida.
O impacto destes resultados não agravou a probabilidade de incumprimento (risco de default) da dívida irlandesa que baixou quer na segunda-feira (28 fevereiro) como na terça-feira (1 de março) em relação ao fecho de sexta-feira, segundo dados da CMA DataVision. Mas os juros implícitos (yields) da dívida irlandesa a dez anos no mercado secundário subiram no final do mês para 9,38%, acima do valor de fecho de sexta-feira. No entanto, a 1 de março desceram ligeiramente para os 9,34%, na abertura.
Apesar do acordo com Bruxelas e FMI estar em vigor, a “opinião” dos investidores na dívida soberana não tem melhorado: desde 1 de fevereiro até final do mês, o risco de default subiu de 38,11% para 38,71% e os juros no mercado secundário dos títulos a dez anos subiram de 9,02% para 9,34%. No entanto, no caso dos juros, foi um aumento menor ao que ocorreu para a Grécia (também intervencionada por Bruxelas e FMI) e para Portugal.
Expressão da vontade popular clara
Para Kevin O’Rourke, professor de Economia do Trinity College, em Dublin, “os votos expressos em urna mostram uma clara rejeição pelo eleitorado irlandês dos termos do resgate que foi feito, e em particular da política de impor ao estado irlandês a assunção das dívidas dos bancos falidos”. “Quer o Fine Gael, quer o Labour, pronunciaram-se fortemente pela renegociação do acordo e é importante para a nossa saúde democrática que as opiniões dos eleitores contem”, prossegue o economista irlandês em declarações ao Expresso.
O ganhador das eleições, Enda Kenny, líder do Fine Gael, já referiu dois pontos que vai colocar nas próximas reuniões europeias (10, 11, 14, 24 e 25 de março) logo que o novo governo seja empossado no Dáil (Parlamento) em Dublin:
a) baixar a taxa de juro média de 5,8% do acordo com Bruxelas/FMI, considerada punitiva;
b) implicar, no processo, os credores bancários da dívida, obrigando-os a suportar uma parte das perdas e não apenas os contribuintes.
Kenny já irá expressar a sua opinião na reunião europeia dos partidos de direita do Partido do Povo Europeu que se vai realizar, esta semana, em Helsínquia no próximo dia 4 de março (sexta-feira).
O comissário europeu para os assuntos económicos e monetários, Olli Rehn, admitiu, na segunda-feira (28 fevereiro), que a primeira exigência irlandesa poderá ser discutida, mas segundo a Eurointelligence não é clara a margem de manobra para tal compromisso. Rehn rejeitou categoricamente qualquer renegociação global do acordo com a Irlanda. Algumas agências alegaram que tal aceitação por parte da Comissão Europeia poderia exigir, em troca, a cedência da Irlanda aos termos do “pacto de competitividade” que está a ser negociado pelo eixo franco-alemão com Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia) e Van Rompuy (presidente do Conselho Europeu), e que poderá impor uma exigência, até à data inaceitável pelos irlandeses –o aumento do imposto sobre os lucros das sociedades (12,5%, menos de metade da média da União Europeia).
Esta difícil negociação pode não conduzir a um compromisso e, nesse caso, abrir-se-á uma crise na zona euro.
No entanto, esta abertura manifestada pelo comissário europeu deu gás às negociações entre o Fine Gael e o Labour.
A situação da banca irlandesa é, como se sabe, muito difícil – a sua dependência do “bombeiro” de Frankfurt é alarmante. Até final de janeiro, os bancos irlandeses já se financiaram em €96 mil milhões (cerca de 60% do Produto Interno Bruto do país) junto do Banco Central Europeu. Essa “realidade”, naturalmente, pesará no comportamento dos novos governantes em Dublin.
Resultados Provisórios nas urnas
Os dados provisórios sobre os resultados das eleições legislativas antecipadas na Irlanda apontam para uma vitória do partido de centro-direita, até agora na oposição, Fine Gael, com mais de 36% dos votos. O segundo lugar pertence ao Partido trabalhista com mais de 19%.
A distribuição atual de lugares no Parlamento aponta para: 76 do Fine Gael, 37 do Partido Trabalhista, 20 do Fianna Faíl (o partido de direita no governo, derrotado), 14 do Sinn Fei, 5 da United Left Alliance e 14 de outros (verdes e independentes).
Uma maioria absoluta tem de ser suportada por 110 lugares, pelo que o ganhador, o Fine Gael, terá de negociar apoios ou uma coligação. O líder do Fine Gael, Enda Kenny, já declarou iniciar negociações com o Partido Trabalhista.
Marc Coleman, editor do NewsTalk, referiu-nos que há um risco nesta coligação, a concretizar-se, a de “formar-se um governo de bloco central, entre direita e esquerda, que paralise com as divergências sobre outras matérias” e acabe “por agonizar”. Coleman cita um estudo de Alberto Alesina, Roberto Perroti e José Tavares, publicado pelo Brookings, que concluía em 1998 que “em tempos de crise, coligações acabam por falhar na redução da dívida pública”.

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