domingo, 24 de julho de 2011

EURO AO FUNDO COM A GRÉCIA II

Texto de Ricardo Cabral, Universidade da Madeira
DESTAQUES
«A proposta de re-estruturação [pelos credores privados], ao contrário do que argumenta o Institute for International Finance (IIF), é muito benéfica para os credores, porquanto, de acordo com estimativas que efetuei, não reduz o valor atual da dívida em 21% (haircut) como alegado pelo IIF, antes o aumenta significativamente. Os credores internacionais não só não perdem como ainda ganham. »
«Se assumir uma taxa de desconto de cerca de 4,5% mais razoável do que a escolhida pelo IIF, o valor atual da dívida grega aumenta cerca de 134% em relação ao seu valor antes do acordo, ou seja cerca de 16% em relação ao valor inicialmente em dívida.»
«A taxa de juro para os €135bn de dívida que será reestruturada sobe para um patamar entre 5.4% e 6.4% .»
ARTIGO
Pela primeira vez desde o início da crise da dívida soberana, o Conselho da União Europeia, na sua reunião de 21 de julho, pareceu finalmente começar a enfrentar a realidade.
No acordo alcançado, reduziram-se as taxas de juro dos empréstimos da FEEF (Facilidade Europeia de Estabilização Financeira) e aumentaram-se os prazos de pagamento (de 7,5 para entre 15 e 30 anos) da dívida da Grécia mas também de Portugal e da Irlanda.
Há referência a um plano de apoio ao crescimento económico da Grécia, mas ainda de forma muito vaga. Mantêm-se, contudo, os planos de austeridade. Foi acordada uma reestruturação da dívida grega com uma redução anunciada do seu valor atual (haircut) de 21%. Essa reestruturação resultará no que se designa por evento de incumprimento seletivo (SD, na terminologia técnica).
A reestruturação de dívida prevista no acordo consiste na troca, voluntária, de dívida soberana grega por novos instrumentos de dívida, de entre um menu de quatro opções, com maior maturidade e determinadas características.
Reestruturação envolve €135 mil milhões até 2020
A proposta de reestruturação foi preparada pelo Institute for International Finance (IIF), uma associação internacional privada de instituições do sector financeiro (bancos, companhias seguradoras, etc). O IIF estima que sejam refinanciados, seguindo o esquema definido no acordo, €135 mil milhões de dívida soberana grega que vence entre 2011 e 2020.
Contudo, essa proposta de reestruturação, ao contrário do que argumenta o IIF, é muito benéfica para os credores, porquanto, de acordo com estimativas que efetuei, não reduz o valor actual da dívida em 21% (haircut) como alegado pelo IIF, antes o aumenta significativamente. Os credores internacionais não só não perdem como ainda ganham.
De facto, se utilizar a metodologia do IIF e assumir a taxa de desconto pós-reestruturação de 9% escolhida pelo IIF, o valor actual da dívida grega diminui somente 7,4% e não 21%. Mas, se assumir uma taxa de desconto de cerca de 4,5% mais razoável do que a escolhida pelo IIF, o valor actual da dívida grega aumenta cerca de 134% em relação ao seu valor antes do acordo, ou seja cerca de 16% em relação ao valor inicialmente em dívida.
Em suma, na minha perspectiva:
- não ocorre uma efectiva redução da dívida como seria de esperar num processo de reestruturação;
- e é um excelente negócio para os credores internacionais.
Grécia grandemente prejudicada
E, a Grécia, pelo contrário, sai grandemente prejudicada:
1- O valor atual da sua dívida aumenta muito (como acima referido);
2- A taxa de juro que a Grécia paga não baixa para entre 3,5% e 5%, como anunciado, porque a taxa de 3,5% só ocorre para a parte dos empréstimos provenientes da FEEF. A taxa de juro para os €135bn de dívida que será reestruturada sobe para um patamar entre 5.4% e 6.4% . [Esta taxa de juro é o resultado da taxa de juro paga pela Grécia aos investidores privados (entre 4% e 5%) mais 36% da taxa de juro de 3,5% paga à FEEF para adquirir os novos instrumentos de dívida de rating AAA para utilizar como colateral para os credores.];
3- Troca dívida soberana regida por lei e foro jurídico grego por empréstimos à FEEF regidos por lei e foro jurídico internacional;
4- Entra em “default selectivo” da sua dívida, que tem sempre efeitos negativos na reputação do país.
Acresce que, com esta proposta de reestruturação do IIF, também os principais países credores da União Europeia sairão lesados.
Continuo a considerar, como de resto numerosos economistas internacionais, que a Grécia nunca conseguirá pagar a dívida na totalidade. E, quando isso acontecer, serão os países da União Europeia que terão, legalmente, de assumir uma parte significativa da dívida grega.

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