sábado, 4 de dezembro de 2010

QUEM TEM OURO ESTÁ SAFO

Crise económica

Não matem o euro

03 dezembro 2010 The Economist Londres
 
Entre operações de salvamento, orçamentos de austeridade para fazer face à crise e mercados obrigacionistas agressivos, há muito quem se pergunte se os dias do euro estarão contados. Mas um colapso da moeda europeia acarretaria custos técnicos, económicos e políticos sem precedentes, defende The Economist.
Os mercados obrigacionistas menosprezaram o salvamento de 85 mil milhões de euros, oferecido à Irlanda em 28 de novembro. Os rendimentos aumentaram não apenas para a Irlanda mas também para Portugal, Espanha, Itália e até para a Bélgica. O euro caiu – mais uma vez. À medida que os salvamentos fracassados se vão sucedendo, as afirmações solenes dos líderes da União Europeia de que o fim da moeda única é impensável e impossível vão perdendo o poder de convencer alguém. E isso leva muita gente a perguntar-se se o euro conseguirá sobreviver.
O argumento contra é que os cidadãos europeus não podem continuar a viver subjugados a ele. Na periferia da Europa, algumas pessoas anseiam por serem poupadas aos anos de austeridade opressiva, que poderão vir a ser necessários para que os salários e os preços se tornem competitivos. No centro, dominado pela Alemanha, as pessoas estão fartas de pagar pelas incapacidades de outros países e, na sua qualidade de credores, receiam vir a sofrer, se o Banco Central Europeu (BCE) inflacionar as dívidas dos faltosos. No fundo, paira a sombria suspeita de que se trata de um drama que a zona euro poderá estar condenada a viver repetidamente. Então, porque não sair agora?

Decidir entre dois males

A história financeira está cheia de acontecimentos que passaram de impensáveis para inevitáveis a uma velocidade vertiginosa: o Reino Unido abandonou o padrão ouro em 1931, a Argentina retirou-se da vinculação ao dólar em janeiro de 2002. Mas um colapso do euro acarretaria custos técnicos, económicos e políticos sem precedentes.
Há dois cenários possíveis para o fim do euro. Um ou mais membros fracos (Grécia, Irlanda, Portugal, talvez a Espanha) poderão abandoná-lo, provavelmente para desvalorizar a sua própria moeda. Ou, farta da situação, a Alemanha, à qual poderão juntar-sem a Holanda e a Áustria, pode decidir livrar-se do euro e reinstalar o marco, que seria então valorizado.
Em qualquer dos casos, os custos seriam enormes. Para começar, as dificuldades técnicas de reintroduzir uma moeda nacional, reprogramar computadores e máquinas de venda automática, cunhar moedas e imprimir notas são imensas (para o euro, foram precisos três anos de preparação). Qualquer indício de que um país frágil se prepararia para sair originaria uma corrida aos depósitos, que enfraqueceria ainda mais os bancos com problemas. Isto resultaria em controlos de capitais e, talvez, em limites para levantamentos bancários, que, por sua vez, estrangulariam o comércio. Aqueles que abandonassem o euro deixariam de receber financiamentos estrangeiros, talvez durante anos, privando ainda mais de fundos as suas economias.
As estimativas seriam apenas ligeiramente melhores, se fosse a Alemanha a abandonar o euro. Também aqui, haveria corridas aos bancos na Europa, à medida que os depositantes iam fugindo dos países mais frágeis, originando a reintrodução dos controlos de capitais. Ainda que os bancos da Alemanha ganhassem depósitos, os seus imensos ativos da zona euro sofreriam uma desvalorização. Recorde-se que a Alemanha é o maior credor do sistema. Por último, os exportadores alemães, que foram grandes beneficiários de uma moeda única estável, bramariam contra o facto de se verem novamente vinculados a um marco em brusca valorização.
Se os aspetos económicos do abandono do euro parecem ser complicados, os aspetos políticos poderão desencadear uma reação em cadeia, que ameaçaria o tecido do mercado único e da própria UE. A UE e o euro foram as âncoras da Alemanha do pós-guerra. Se, com custos muito elevados, abandonasse a moeda e deixasse o resto da zona euro resolver os seus próprios problemas, a Alemanha veria ser posto seriamente em dúvida o seu compromisso para com a UE.
Se fosse um país mais frágil a abandonar o sistema, pondo em risco não apenas os bancos europeus mas também a moeda, esse país tornar-se-ia um pária que exportaria a sua dor para os países vizinhos. Depois de os controlos de capitais estarem de novo a funcionar, os mercados financeiros da Europa ficariam numa péssima situação e seria difícil salvaguardar o comércio europeu transfronteiriço. O colapso do mercado único, que fez mais do que qualquer outra coisa para unir a Europa, ameaçaria a própria UE.
Por mais que muitos países lamentem agora ter aderido ao euro, abandoná-lo não faz sentido. Contudo, o facto de o euro dever sobreviver não significa que sobreviva. E, a menos que os líderes europeus vão mais longe e avancem mais depressa, poderá não sobreviver.

Salvar a moeda única

Os líderes europeus têm sido lentos e tímidos na resposta às pressões dos mercados. A Grécia, e agora a Irlanda, obrigaram-nos a realizar, relutantemente, operações de salvamento. Só reconheceram demasiado tarde que alguns países não precisam apenas de financiamentos intercalares para seguirem em frente e que poderão também não ser capazes de pagar as suas dívidas. Isto significa que os detentores de obrigações irão ter de sofrer ainda mais.
Se o euro sobreviver, os países credores terão de prestar mais ajuda aos países deficitários. Podem fazê-lo diretamente ou, então, o BCE pode fornecer liquidez aos bancos ou comprar obrigações do Tesouro, antes de estas caírem demasiado. O BCE disse que poderia optar pela segunda hipótese. A Alemanha detesta a ideia de mais ajudas aos países devedores, o que tem estado na origem da lentidão com que aceita as operações de salvamento e da sua determinação em penalizar os detentores de obrigações. A relutância da Alemanha em subsidiar os fracos e gastadores é compreensível. Mas a alternativa é pior.
Pôr fim ao euro não é impensável – tem apenas pesados custos. Por se recusarem a encarar a possibilidade de isso acontecer, os líderes europeus não estão a tomar as medidas necessárias para impedir que isso aconteça.Os mercados obrigacionistas menosprezaram o salvamento de 85 mil milhões de euros, oferecido à Irlanda em 28 de novembro. Os rendimentos aumentaram não apenas para a Irlanda mas também para Portugal, Espanha, Itália e mesmo para a Bélgica. O euro caiu – mais uma vez. À medida que os salvamentos fracassados se vão sucedendo, as afirmações solenes dos líderes da União Europeia de que o fim da moeda única é impensável e impossível vão perdendo o poder de convencer alguém. E isso leva muita gente a perguntar-se se o euro conseguirá sobreviver.

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