segunda-feira, 4 de maio de 2009

O SENHOR BARBOSA, MEU BARBEIRO

O SENHOR BARBOSA, MEU BARBEIRO


Sempre tive o hábito de ir tomando notas por escrito do que de mais curioso ou importante me acontecia ao longo da vida. Acontece que ontem a propósito desta moda recente de envelhecer novo,tive uma conversa na minha praia da Guia em Vila do Conde, que me fez lembrar o senhor Barbosa, meu barbeiro durante muitos anos enquanto vivi no Porto. Como todos os barbeiros que se prezam, o Barbosa sabia coisas incríveis de toda a gente, vícios privados, excepto que a mulher o traía. E eu lembrava-me de uma frase que ele repetia sempre:-"Sabe, santos de casa não fazem milagres!". E eu sem maldade mas para me afastar da zona de perigo punha fim ao rumo da conversa com outra declaração de dimensão pública:" É, em casa de ferreiro espeto de pau!". E por aí ele via que era altura de mudar de tema.

Um dia enquanto me ia aparando as melenas e outros pêlos (que ainda não se usava a depilação), dei conosco a falar de coisa séria: o meu processo de envelhecimento! E explicava-lhe que primeiro me tinham aparecido uns pêlos irritantes nas narinas, depois outros a sair pelas orelhas; mais tarde ainda uns filamentos grossos e crescidos, mais que os outros, davam um ar hirsuto às sobrancelhas que o Barbosa também começou a aparar, até que dissimulados pela trunfa, os fatais cabelos brancos. Comigo foi assim, por esta ordem.

Só mais tarde é que notei o quinto sinal de envelhecimento: umas pequenas manchas na pele, de côr castanha a que as pessoas chamam sinais e que não param de alastrar em tamanho e número. Finalmente apareceram-me no pénis outras manchas, de vitíligo, conforme me informou o meu colega urologista com a displicência de quem diz: " Ó pá, é da idade!". E, expliquei eu ao Barbosa, que me parecia que só então, com as do vitíligo, é que me estava reservado o convite para entrar na velhice oficial com aquele cortejo de joanetes, artroses, edemas e geral falta de interesse pelas coisas boas da vida.

Detestava ir ao barbeiro!

Mas só ontem, na praia e a discutir como envelhecer saudável, a fazer yoga, com duas amigas absolutistas dos ginásios, das dietas vegetarianas e das medicinas holísticas chinesas e assim, é que me dei conta de quanto era precipitado associar os pêlos que o Barbosa relevava em mim, com o inevitavel envelhecimento. Foi quando elas me quiseram pôr a fazer certas posições e eu tive de lhes dizer que , muito bem, quando voltasse a derreter a barriga e pudesse enlaçar os atacadores dos sapatos e cruzar as pernas sem esforço, então poderíamos tentar as posições. E fiquei-me com saudades do que tomei como sinais de velhiçe no estaminé do Barbosa!

E lembrei-me dos comentários dos meus doentes sobre mim quando entravam consultório adentro, ar pesado, indicador em riste. Comentários lusitanos no seu pior, porque eram juízos de valor e raramente juízos de facto. Diziam uns: "Ah,ah!...,o doutor está mais gordo!" (como quem diz ,também não cumpre, não é?); enquanto outros avisavam com cara de sofrida compaixão: " O doutor anda mais magrito!" (como quem quer dizer, se fosse a si, ia vêr se não anda por aí doença ruim!). Podia acontecer que num dia houvesse três opinando excesso pecaminoso de gorduras e outros tantos falta delas, o que fazia com que eu sentisse que devia ser um corpo tipo harmónica de festa popular, ora distende ora comprime. Até que um dia exprimi a minha tisteza por este vício tão português de julgamentos ao aspecto alheio a uma doente que tinha tanto de lúcida como de lúdica. E ela:-" Aproveite agora que está vivo: coma e beba que vai ter muito tempo de estar morto!".

1 comentário:

  1. E,o que é estar vivo amigo?!(talvez sem conhecê-la, mais facilmente definamos a morte) !
    A vida é felicidade ... desde que adiantamo-la para este mundo, antes era coisa para o "paraíso", embora pareça-me continuar em lugar desconhecido!
    É a busca da perfeição - nos outros, por uma tentativa vicariante - porque a do eu, já há muito consciencializamos de que é inatingível.
    É o equilíbrio ? ... quiçá um dia consigamos!
    Enquanto isso vamos "usando" os outros, como se do espelho do Sr. Barbosa se tratasse, e vislumbrando (ou "achincalhando" "silenciosamente") confortavelmente, sem confronto, a vida que queremos, ou não! O que torna a aceitação social, a própria aceitação.
    E, neste caso, amigo, se por um lado comer dá prazer, digo felicidade, ser magro nos aproxima da vida, da saúde, da admiração social, dá "status", supõe a conquista de uma licenciatura de vida, do controlo, do equilíbrio!
    E assim, dada a complexidade (insatisfação - minha e do outro) continuamos a vislumbrar a nossa imagem, o nosso eu, o nosso si, já que nunca veremos a nossa imagem absoluta, nunca saberemos quem somos, como somos, como estamos!

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