terça-feira, 26 de maio de 2009

CULTURA BIBLOT II

É difícil dar uma entrevista mais demolidora sobre a chamada Alta Sociedade Portuguesa, do que aquela de que aqui escrevi, com o mesmo título deste apontamento. O que levanta várias questões. Sendo que o primeiro foi à época o captar o efeito demolidor desta entrevista pelo Eduardo Prado Coelho. E isso aconteceu porque E.P.C. foi um intelectual brilhante no modo como sempre pensou e como actuou no dia-a-dia.
É que ser instruído como E.P.C. não é o mesmo que ser culto ( como ele sempre foi).
Os chamados intelectuais são necessariamente instruídos e geralmente eruditos, mas será a Alta Intelectualidade Portuguesa culta? Creio que não. Ao olhar para os inúmeros intelectuais deprimidos, ar cansado ao peso do que acham ser o conhecimento da Vida, neuróticos, suicidas e recasados não sei quantas vezes ( pela "inquietação" da criação....certamente ), vivendo na mais tórrida solidão ( que fazem questão que a gente conheça mas sempre usando métodos de quem não quer que a gente saiba ), agressivos até ao sarcasmo feito verbo e nauseados da vida, acho mesmo que não. Não, não são genericamente gente culta.
Em contrapartida conheci pelos meus 17/20 anos um homem culto: era alegre sem ser pateta, não sofria de singulares angústias, era viúvo de lei mas vivia na conjugalidade com a sua mulher morta mas sempre presente na sua memória, e aceitava os factos da vida com a naturalidade possível enquanto convidava gente como eu a solidarizar-se com ele na comunhão dumas fêveras de porco ou e na descrição de particularidades das árvores que vira nascer e crescer e às quais dava nomes de coisa viva : era um guarda florestal do Gerês e não tinha mais que a terceira classe. Esse, era um homem culto.
Então entre a Alta Sociedade e a Alta Intelectualidade não há mais nada?
Acho que sim. O guarda do Gerês faz parte desse grupo. Mas tenho na minha família outro caso exemplar. Uma tia, a minha tia Olga, que desde sempre se devotou : primeiro aos pais com quem decidiu viver acompanhando-os na velhice e na doença, em vez de casar ; depois aos sobrinhos, e dentre eles eu mesmo, aos quais se dedicou como uma mãe; e mais tarde aos trabalhos da Igreja fazendo-se Vicentina. E foi nessa condição que se dedicou a visitar e acalentar os pobres deixando-lhes em casa o que podia - toda a sua pequena fortuna. Colegas meus, mais cínicos que eu, diriam que esta mulher era uma neurótica carregada de fantasmas sexuais que se refugiou ( eles diriam sublimou ) numa outra vida. Por mim, que a conheci, devo dizer como psiquiatra que não o era. Recordo como me foi difícil rebater a incredibilidade da minha mãe e sua irmã , e dos restantes irmãos, quando ela já pobre, recusou o Rendimento Mínimo Garantido a que tinha direito por só ter uma pensão de trinta contos ( o resto tinha ida para os pobres) e já estar quase cega, explicando ela que esse dinheiro fazia muito mais falta àqueles que passara a vida a visitar.
Ora eu acho que estes exemplos fazem parte dum grupo maioritário da sociedader portuguesa ( que não passa nos media por vontade própra e porque não morderam nenhum cão) : o grupo da Alta Civilidade.
É que, para mim, a cultura duma pessoa mede-se pela sua capacidade de tentar ser o mais feliz posssível sem prejuízo de outrém, ou seja, mede-se pela forma ecológica de estar na vida inserido nela e ofercendo-lhe o que , em cada momento, achamos poder dar-lhe.
E a este respeito é justo fazer aqui um repararo: não foi o presidente Kennedy que se lembrou de inventar a frase tantas vezes glosada pelos jornalistas e articulistas conhecidos " Americanos, não se perguntem o que é que a América vos pode dar , mas antes o que podeis dar ao vosso país". Na verdade a frase foi escrita por alguém que teve a sorte de lêr um dos maiores ( para mim o maior ) psiquiatra e psicoterapeuta de todos os tempos, de seu nome Viktor E. Frankl, um judeu alemão que sobreviveu aos campos de concentração não tentando fugir aos fornos crematórios mas antes tentando melhorar as condições dos outros presos, assim acabando por sobreviver. Tinha uma máxima: "não perguntes à vida o que ela te pode dar, pergunta-te antes o que é que podes fazer pela existência".
São valores como estes que, esquecidos, nos levaram à crise do capitalismo que estamos a viver. Acho que ou os recuperamos e nos endireitamos, ou não os recuperamos ( o que me parece estar a acontecer para minha surpresa) e dentro de poucos anos vamos ter outra crise.
Mas como só só é capaz de se auto-reformar o que está vivo, se houver próxima crise na continuidade desta, não vale a pena esperar por renovações do sistema (capitalista), porque o sêr estando morto, só permite a revolução.
E, já agora, recordo-me duma cena que, dentre os apontamentos que guardo do dia-a-dia está datado de 8/4/01 e está assim escrito:
No Ano do Porto Capital da Cultura. Fui vêr uma peça de teatro encenada por alunos de uma das novas Escolas Superiores de Arte que o Estado constriu nos últimos anos, e para além do tédio que o teatro moderno me provoca, percebi que aquilo tem já muita técnica adquirida.
Mas quando lá entrei, do subterrâneo dos meus cinquenta anos, interroguei-me porque é que não tinha nada a vêr com aquele público vestido de túnicas, sapatilhas romanas, cabelos entrançados à negra, sujidade por todo o lado e sempre a sugerir humildade. E comentei para uma destas "intelectuais" que me foi apresentada e me irritou supinamente:-"Vejo a tua vaidade através dos buracos das tuas calças de ganga, bem como a tua intencional falta de arranjo e de limpeza contigo mesma. Tudo isso é vaidade e, para mim, a tua vaidade é uma porcaria...".
Ficou a olhar para mim como se eu fosse um marciano.

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