quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Geopolítica da guerra na europa


Desintegração da zona euro poderia gerar ditaduras e guerras civis. São as conclusões políticas de um estudo de choque da equipa de investigação do banco suíço UBS. O estudo quantifica a secessão de um “periférico” e a saída de um dos países do núcleo duro da zona monetária. Em qualquer dos casos, as consequências são pesadas.
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As consequências políticas de uma fragmentação de uma zona monetária são muito sérias. Aos efeitos monetários e económicos associar-se-ão provavelmente um de dois resultados: “Ou se caminha para uma resposta mais autoritária de governo para conter ou reprimir a desordem social – um cenário que tenderá a exigir uma mudança de governo democrático para autoritário ou militar -, ou, em alternativa, a desordem social se misturará com fraturas na sociedade para dividir o país, redundando em guerra civil”.
Estas previsões são apresentadas num relatório de choque do banco UBS, nas “Global Economic Perspectives” (de 6 de setembro), da autoria de Stephane Deo, Paul Donovan e Larry Hatheway, a que o Financial Times e o Business Insider tiveram acesso.
Apesar do cenário negro, o relatório admite que a zona euro acabará por evoluir, mesmo que lentamente (o ministro das Finanças alemão falava hoje no Financial Times dos alemães serem adeptos de “pequenos passos”) e muito dolorosamente, para a integração orçamental e a governação económica. A história apontaria nesse sentido: “O nosso ponto de vista central para o euro é que a união monetária acabará por se manter, com algum tipo de confederação orçamental – fornecendo estabilizadores automáticos às economias, não transferências aos governos. Foi, assim, que a união monetária dos EUA ressurgiu nos anos 1930. Foi, assim, também, com a união monetária no Reino Unido, e com a união monetária alemã”.
8 impactos e uma consequência geopolítica (não referida)
Mas as conclusões para que o relatório aponta merecem reflexão no detalhe:
1- A zona euro não pode continuar com esta estrutura e com estes membros atuais. “Com a atual estrutura e com os atuais membros, o euro não funciona. Ou a estrutura atual muda, ou os membros terão de mudar”. Mas a fragmentação ou liquidação da zona monetária única tem um custo ainda mais elevado e “a sua probabilidade é quase zero”. As “discussões populares sobre a opção de desmembramento subestimam consideravelmente as consequências de tal movimento”.
2- O custo de abandono unilateral da zona euro para um país “fraco” (e os autores têm em mente o que designam por “países do sul da Europa”) ronda os 40 a 50% do seu produto interno bruto (PIB) no primeiro ano depois da saída do euro. Para cada cidadão do país que sai, o custo dessa opção rondará os 9500 a 11500 euros no primeiro ano e entre 3000 a 4000 euros por ano nos anos subsequentes. Tal decisão implicaria um corredor de situações desagradáveis: default da dívida soberana; bancarrota de empresas; colapso do sistema bancário, com corrida aos bancos e levantamento de depósitos; impacto no comércio internacional associado; probabilidade de dissensões internas no próprio país com regiões pretendendo manter a ligação à zona monetária, sobretudo em países com uma história marcada por fortes divisões internas. Por isso, sublinha o estudo, os números avançados são “estimativas conservadoras”.
3- A ideia de que, no caso de saída de um país “fraco” chegaria uma pequena depreciação da nova moeda na ordem dos 10% a 20% em relação ao euro “é uma fantasia”. Ou a depreciação é severa (na ordem dos 50% a 60%, alvitra o estudo), ou se o seu valor oficial é mantido terão de haver controlos extremos de capital, que tornem a nova divisa efetivamente inconvertível. Por outro lado, os antigos parceiros certamente retaliariam impondo tarifas elevadas (eventualmente idênticas à desvalorização efetuada pela nova divisa) sobre as importações oriundas do país secessionista.
4- No caso de um país “forte”, do “núcleo duro” da zona euro, uma saída do euro teria implicações sérias em empresas de referência exportadoras (em virtude da apreciação da nova divisa, provavelmente na ordem dos 40%), obrigaria a uma reestruturação do sistema bancário e teria implicações no comércio internacional (estima-se que na ordem dos 20%), prejudicando sobretudo o sector exportador. O impacto, no caso da Alemanha, por exemplo, seria de 20 a 25% do PIB.
5- Em termos comparativos, para o caso germânico, a saída do euro implicaria para cada alemão um custo de 6000 a 8000 euros no primeiro ano e entre 3500 a 4500 euros por ano nos anos subsequentes, enquanto um resgate da Grécia, Portugal e Irlanda, em caso de bancarrota com um hair cut (corte de cabelo) da dívida na ordem dos 50%, custaria, apenas, 1000 euros de uma só vez a cada alemão.
6- Dada a assimetria das economias e sociedades que são membros de uma zona monetária única, e na ausência de homogeneidade, são indispensáveis mecanismos de flexibilização. Para os autores, isso só será possível no quadro de “algum tipo de união orçamental”.
7- Muitos políticos, analistas e economistas julgam que a saída do euro é a solução para estimular crescimento. Encaram a zona euro como um mero super-mecanismo de taxas de câmbio, cujo desmembramento apenas acarretaria “poucas” mais consequências do que as da crise do ERM (mecanismo europeu de taxas de câmbio, criado em 1979) e da sua fragmentação parcial de 1992-1993. Os autores aconselham a que se tome como ‘benchmark’ histórico os casos do colapso da união monetária norte-americana em 1932-1933 e a bancarrota argentina de 2001.
8- Mas o custo económico e monetário deve ser “a última das preocupações dos investidores”. Porquê? Porque as consequências políticas são mais gravosas ainda: “Merece a pena salientar que quase nenhuma união monetária moderna se dissolveu sem alguma forma de governo autoritário ou militar, ou guerra civil”. Do ponto de vista da projeção e da imagem da Europa seria um rude golpe no “seu soft power – na medida em que o conceito de ‘Europa’ como uma unidade política integrada deixaria de fazer sentido”.
Condição de shatterbelt
Acresce ainda um outro detalhe que não é referido pelo relatório. Para além das consequências políticas de regime ou de guerra civil, a turbulência nos países “periféricos” da atual zona euro traria consequências geopolíticas, em situações de caos político e desagregação do estado e da sociedade. Estes países encontram-se no que se designa em geoestratégia de zonas de embate (shatterbelt) entre grandes potências, frequentemente sujeitas, ao longo da história, a serem palcos de disputas diretas ou indiretas de terceiros próximos ou longínquos.

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