domingo, 10 de outubro de 2010

GUERRA DAS DIVISAS PRENUNCIA GUERRA MILITAR

Ben Davies, especialista financeiro em Londres, adverte que há o risco das grandes potências usarem as divisas como arma de política. E avisa, essa atitude pode desaguar no campo militar.
[Artigo longo] NOTA : respigado de jnr - a questão dos impériosA longa cauda desta Grande Recessão não para de surpreender. Mesmo depois de decretado o fim da recessão económica propriamente dita, o mundo foi sacudido por um novo tipo de crise, o da dívida soberana de várias economias desenvolvidas. E, ainda esta última crise vai no adro, já espreita uma outra, mais perigosa, pois coloca potencialmente em confronto direto grandes potências num jogo de soma nula no comércio mundial e no sistema monetário internacional: a guerra de divisas.

O primeiro a deixar o aviso público de que “ela rebentou” foi Guido Mantega, o ministro das Finanças do Brasil, secundado, esta semana, por Dominique Strauss-Kahn, o chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), que a classificou de “uma perigosa dinâmica”. Por seu lado, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, disse que se deveria evitar “repetir os mesmos erros dos anos 1930”.

O tema esteve na agenda da reunião ao pequeno-almoço de sexta-feira dos ministros das Finanças do grupo mais alargado do G20 e no jantar mais restrito dos do G7, nesse mesmo dia, na embaixada do Canadá, por ocasião do encontro semestral do FMI e do Banco Mundial em Washington DC.

O comunicado desta 22ª reunião do Comité Monetário e Financeiro Internacional e do Conselho de governadores do Fundo Monetário Internacional reafirmou a “rejeição do protecionismo sob todas as formas” e a necessidade de “uma resposta coordenada à crise”, o que foi interpretado por alguns analistas internacionais como um incentivo ao armistício na guerra das divisas até à próxima reunião em abril de 2011. A reunião insistiu, também, na necessidade de “concluir a ronda de negociações de Doha” promovida pela Organização Mundial do Comércio, tendo em conta a aproximação de 2013, ano limite para a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas.

Risco geopolítico

“Se as nações deixarem de comunicar nos assuntos de comércio internacional, os ressentimentos podem facilmente terminar em ações militares”, diz Ben Davies, diretor geral e cofundador da financeira londrina Hinde Capital, numa entrevista que pode ser lida na íntegra em inglês.

Davies considera os recentes movimentos de manipulação de divisas – com destaque para a desvalorização abrupta do dólar americano em 13% em relação a um cabaz de moedas desde meados de junho, para a operação no mês passado em relação ao iene japonês, algo que o governo nipónico não fazia há seis anos, e para as novas decisões do Brasil no campo do controlo de capitais e de compra de milhares de milhões de dólares no mercado – como “um verdadeiro tremor de terra”.

Como justificação para a intervenção, as autoridades americanas e de algumas instituições internacionais alegam que a China não valoriza mais diligentemente a sua moeda, o renminbi, que, apenas, se apreciou em 2,3% desde junho em relação ao dólar. Curiosamente, na sexta-feira, o câmbio do renminbi foi fixado em 6,683 por dólar, um máximo desde 2005. Desde essa data, a moeda chinesa valorizou-se em 22%.

O problema agrava-se, refere Davies, porque a Reserva Federal (FED) e o Banco do Japão estão a adicionar um plano de agressiva injeção de massa monetária – que dá pelo nome técnico de quantitative easing (QE) – a que também se associa o Banco de Inglaterra (que manteve inclusive o montante deste tipo de intervenção em 200 mil milhões de libras, cerca de €230 mil milhões). O Banco do Japão anunciou um programa de QE de 60 mil milhões de dólares (mais de 43 mil milhões de euros) – 70% dos quais em dívida pública.

O Banco Central Europeu tem, até à data, resistido a uma tal política, ainda que o esteja a fazer “indiretamente”, diz Davies, através de uma política “de quase-subsídios aos orçamentos dos governos”. O BCE tem, também recusado “alinhar” neste clima de guerra de divisas.

O fim de Bretton-Woods II

A questão de fundo, no entanto, é a aproximação do fim de um era, que alguns alcunharam de “Bretton Woods II”, um sistema específico de relação umbilical entre o dólar e o renminbi em vigor desde 1995. “Sim, os chineses querem sair desta relação, mas querem fazê-lo nos seus termos e dentro da sua agenda. A China, sejamos claro, acabará por enveredar por um processo de liberalização da sua divisa. Ela sabe que para consolidar a sua dominância como superpotência terá de ter um sistema flexível”, refere o financeiro, que acrescenta: “A China tem de diversificar e de criar relações bilaterais fortes com outras nações, particularmente as que dispõem de recursos em matérias-primas e mercadorias. A China não se pode dar ao luxo de ser uma potência isolacionista”.

Entretanto, Beijing tem vindo a dar passos no sentido de internacionalizar a sua divisa criando acordos de swap com a Rússia e o Brasil e estabelecendo um primeiro centro offshore para a sua divisa em Hong Kong, recorda o nosso entrevistado. Em 19 de junho decidiu, também, criar um novo quadro político que permitirá a maior flexibilização da política cambial apontando para uma valorização gradual da divisa, recordou, esta semana, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet.

No entanto, os passos da China serão, sempre, cautelosos. Como referia um editorial do Global Times, um jornal oficioso chinês em inglês: “Na valorização do yuan (renminbi), os Estados Unidos têm pouco a ganhar e a China tem a sua estabilidade social e económica em jogo”.

O governador do Banco Popular da China, banco central, Zhou Xiaochuan, reafirmou, aliás, em Washington DC, que a política cambial de Beijing será sempre “gradualista” e não uma “terapia de choque”.

O presidente do grupo dos ministros das Finanças da zona Euro, Jean-Claude Juncker, acenou à China com o isco de um areópago diferente para a discussão do problema das divisas, um novo G8 ou G9 (se se considerar a Rússia no lote), com a China associada ao G7. Uma sugestão pouco provável de aceitar por Beijing interessada no papel de pressão que as restantes potências emergentes desempenham no G20.

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