sexta-feira, 17 de setembro de 2010

GEOPOLÍTICA DAS FINANÇAS

Aqui deixo publicado o texto fabulosamente lúcido de Paul Krugman, cada vez mais um holofote de consciencia mundial nos tempos que correm. Sublinho apenas que o que fica dito sobre o horror japonês a propósito da sobrevalorização propositada da moeda chinesa contra o yen , do medo americano em relação ao dólar , são identicos aos que há na europa pelo seu euro. Mas, mais importante, o medo de japoneses e americanos se sentirem nas mãos dos chineses, que os compram comprando a sua dívida ( obrigações japonesas e americanas), é o mesmo que ontem aqui assinalei falando da compra pelos alemães das obrigações portuguesas ( via BCE ) o que não preocupa políticos portugueses.
 
"Na semana passada, o ministro japonês das Finanças declarou que ele e os seus colaboradores queriam debater com a República Popular da China a compra, por este país, de títulos do Tesouro japonês, e assim "examinarem a intenção subjacente", expressão diplomática que significa: "Parem com isso imediatamente." A notícia deu-me vontade de bater com a cabeça na parede, de frustração.

É que os altos responsáveis políticos dos EUA têm repetidamente evitado fazer seja o que for relativamente à manipulação cambial chinesa, pelo menos em parte, com medo de que a China deixe de comprar os nossos títulos de dívida pública. Contudo, na actual conjuntura, o facto de os chineses comprarem os nossos títulos não nos está a ajudar; antes pelo contrário. Os japoneses percebem isso. Nós não, porquê?

Antecedentes: se o debate sobre a política cambial chinesa parece confuso, isso deve-se ao facto de as pessoas não quererem enfrentar a realidade nua e crua, isto é, que a República Popular da China está a manter a sua divisa artificialmente baixa. As consequências dessa política são também nuas e cruas: em termos práticos, a China está a tributar as importações e a subsidiar as exportações, alimentando um gigantesco superavit da balança comercial. Podem dizer que o superavit na balança de transacções não tem nada que ver com a política cambial. A ser verdade, seria um facto inédito na história da economia mundial. Uma divisa desvalorizada promove sempre superavits - e o caso chinês não é diferente.

Numa situação de depressão económica mundial, qualquer país que alimente um superavit artificial da balança comercial está a privar outros países de vendas e empregos vitais. Mais uma vez, quem afirme que isso não é verdade está a defender que a República Popular da China está, por qualquer razão, isenta da lógica económica que se aplica a todos os outros países.

Assim sendo, o que deveríamos fazer? Os responsáveis dos EUA têm tentado convencer os seus congéneres chineses de que uma divisa mais forte seria do interesse da própria China. E têm razão: uma moeda desvalorizada promove a inflação e a redução do poder de compra dos trabalhadores chineses, além de delapidar os recursos do país. Mas embora a manipulação cambial seja má para a República Popular da China no seu todo, é boa para algumas empresas chinesas, muitas delas estatais, dotadas de grande influência política. E por isso a manipulação da divisa continua.

Os responsáveis dos EUA já várias vezes anunciaram progressos na questão da divisa; de cada vez foram levados à certa. Em Junho, Timothy Geithner, secretário do Tesouro, louvava o anúncio da República Popular de que iria adoptar uma taxa cambial mais flexível. Desde então, o yuan renminbi subiu um estonteante 1% (sim, um por cento) contra o dólar, sendo que boa parte dessa subida se deu nos últimos dias, antes da projectada audiência, no Congresso, sobre a questão da divisa. E como o dólar tem caído em relação a outras moedas de referência, a vantagem chinesa tem de facto aumentado.

É manifesto que nada irá acontecer até que os EUA decidam mostrar que estão dispostos a fazer o que fazem normalmente sempre que outro país subsidia as respectivas exportações: impor uma tarifa temporária que compense esse subsídio. Mas porque não foi considerada tal acção no caso da China? Uma resposta possível, como já adiantei, é o medo do que aconteceria se a China deixasse de comprar títulos dos EUA. Mas esse medo é completamente injustificado: num mundo a abarrotar de excesso de poupanças, não precisaríamos do dinheiro chinês, sobretudo porque a Reserva Federal poderia e deveria comprar quaisquer títulos que os chineses vendessem.

É verdade que o dólar cairia se a China decidisse alienar alguns activos dos EUA. Mas isso iria ajudar a nossa economia, tornando as nossas exportações mais competitivas. Perguntem aos japoneses, que querem que a República Popular da China deixe de comprar títulos japoneses porque essas compras estão a fazer subir o iene.

Além dos receios financeiros injustificados, há uma causa mais sinistra para a passividade dos EUA: o medo que o sector empresarial tem de possíveis retaliações chinesas. Veja-se uma questão correlativa: os subsídios claramente ilegais que a China aplica às suas indústrias limpas. Esses subsídios deviam ter provocado um protesto formal das empresas dos EUA, mas a única organização disposta a apresentar um protesto foi o sindicato dos siderúrgicos. Porquê? Como noticiou o "The Times", "as multinacionais e as associações comerciais do sector das renováveis, como as de muitos outros sectores industriais, têm evitado apresentar protestos formais, receosas de que os responsáveis chineses, que têm fama de retaliar contra joint-ventures operando na China, neguem, a qualquer empresa que tome partido contra a China, o acesso ao mercado chinês".

Uma intimidação do mesmo tipo tem seguramente ajudado a desencorajar medidas quanto à questão da divisa chinesa. Por isso, é boa altura para relembrar que o que é bom para as multinacionais é muitas vezes mau para os EUA, especialmente para os trabalhadores. Portanto, é aqui que bate o ponto: irão os responsáveis pelas políticas dos EUA deixar-se assustar por fantasmas financeiros e intimidações às empresas? Continuarão a nada fazer perante políticas que beneficiam os interesses específicos da China, a expensas tanto dos trabalhadores chineses como dos dos EUA? Ou irão, finalmente, agir? A não perder...

Economista Nobel 2008


Exclusivo i/The New York Times


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