domingo, 5 de setembro de 2010

FALSAS LICENCIATURAS

Domingo, Setembro 05, 2010
Blog dos leitores (Falsos Diplomas = Falsa Modernização)

Texto traduzido e enviado pelo leitor António Campos:

"O jornalista Michael Bohm, editor da coluna de opinião do Moscow Times, acaba de publicar uma peça extremamente interessante sobre a corrupção no sistema educacional russo, o seu impacto no processo de modernização do país e, sobretudo, sobre a vontade das autoridades para resolver o problema. Aqui vai:

Falsos Diplomas = Falsa Modernização

Há três semanas, a cadeia de televisão NTV relatou que mais de 70 engenheiros a exercer actividade numa fábrica de aeronaves em Komsomolsk-no-Amur, na região de Khabarovsk, tinham obtido falsas licenciaturas em engenharia de uma universidade técnica local. Esta fábrica militar de alta segurança, pertencente ao grupo Sukhoi, detido pelo estado, realiza a montagem dos caças Su-27, Su-30 e Su-35, bem como do aguardado avião comercial Superjet 100. É claro que o comércio de diplomas falsos não é novidade nenhuma. No entanto, o número de funcionários envolvidos neste caso é desconcertante.
Os gestores da Sukhoi mostraram uma atitude desinteressada em relação ao escândalo e recusaram-se a despedir os funcionários, referindo-se a uma regra da empresa que indica que os mesmos só podem ser despedidos caso tenham cometido "crimes graves" (de acordo com o Código Criminal, a compra de um diploma falso está sujeita a uma sentença máxima de 80.000 rublos e dois anos de "trabalhos correccionais"). A mesma equipa de gestão explicou também que os diplomas constituíam uma mera formalidade, uma vez que os engenheiros eram funcionários da empresa há vários anos, tendo garantido que nenhum dos visados estava envolvido na produção de aeronaves.

Este é um caso clássico de negação da realidade. A Shukhoi fingiu ter "aumentado as qualificações dos trabalhadores", transformando instantaneamente dezenas de empregados com curso secundário em engenheiros com graus universitários. Até terem sido apanhados, todos parecem ter ganho com o esquema. A fábrica reportou à sede da Sukhoi em Moscovo que cumpriu o plano relativamente ao número de engenheiros universitários no seu pessoal, os trabalhadores receberam um pequeno bónus pelo seu novo nível de competências e todos fingiram que estavam a fabricar aviões melhores.
O escândalo dos diplomas falsos na fábrica da Sukhoi foi também único na medida em que foi dado início a uma investigação. Estes esquemas quase sempre passam despercebidos (com a excepção de casos deliberadamente mediáticos, tal como quando as autoridades quiseram desacreditar o então presidente da câmara de Archangelsk, Alexander Donskoi em 2006, revelando que este tinha comprado o seu diploma). Existem também muitos casos ridículos que obtêm notoriedade pública; por exemplo, em Outubro, quando um grupo de falsificadores tentou vender diplomas de Harvard a russos por 40.000 dólares cada, ou quando foi tornado público que Marina Petrova, vencedora do prémio de "Melhor Professora na Rússia - 2007", tinha comprado um diploma universitário falso.

De acordo com uma peça do Izvestia de 20 de Julho, os diplomas falsos mais populares são em direito, seguindo-se-lhes os de medicina.
Embora o problema seja enorme, as entidades empregadoras raramente verificam a validade dos diplomas dos seus candidatos. O FSB, o Ministério do Interior e outras organizações governamentais na área da segurança e da defesa, têm o dever de verificar todos os diplomas, sendo porém negligentes na matéria, tal como o escândalo da Sukhoi demonstra. Sensivelmente um em três polícias tem um diploma falso, diz Alexander Yudin, antigo director de pessoal do Ministério do interior, nessa mesma peça do Izvestia.
No sector privado, a maioria das empresas russas não se dá ao trabalho de verificar os diplomas dos candidatos, e as poucas que o fazem dão com o nariz na porta das universidades, que alegam que a informação é "confidencial" (é interessante notar que são aplicadas regras totalmente diferentes aos estrangeiros candidatos a autorizações de trabalho russas. Estes devem apresentar às autoridades apostilhas provando a validade dos seus diplomas estrangeiros).
Durante anos, o governo prometeu criar uma base de dados centralizada para que as entidades empregadoras possam verificar os diplomas apenas com um clique do rato. Contudo, tem vindo a haver falta de vontade política para iniciar o projecto. No entanto, mesmo que essa base de dados fosse criada, seria inútil contra os que pagam para que os seus diplomas falsos sejam registados oficialmente numa universidade, com a aprovação do reitor.
Os estudantes que se esforçam honestamente levam por tabela. Independentemente dos seus esforços, os seus diplomas serão inevitavelmente desvalorizados pela corrupção generalizada no sistema de educação superior do país. No meio desta desvalorização a nível nacional, demasiadas pessoas passam a encarar um grau académico como uma mera formalidade, tal como o caso Sukhoi demonstra.

Para os que se arrepiam um pouco face à pura e simples compra de um canudo, existe uma forma mais "respeitável" de conseguir essencialmente a mesma coisa: pagar a alguém para escrever a tese de doutoramento ou de candidato (que é um grau entre um mestrado e um doutoramento).

O número de pós-graduações disparou desde o colapso da União Soviética. Mikhail Kirpichnikov, director do Comité de Certificação Superior, órgão governamental que regula a concessão de pós-graduações, relatou ao News.ru em 2006 que cerca de 30% dos seus detentores compraram as teses. Em 2008, Oleg Kutafin, antigo reitor da Academia Estatal de Direito de Moscovo, colocou a fasquia nos 50%.
Os graus académicos avançados obtidos através de teses compradas são especialmente populares entre os gestores de topo e o exército inchado da burocracia intermédia e superior. São também populares entre os presidentes da câmara, governadores e seus auxiliares, bem como entre os deputados da Duma, para quem um novo grau académico é um símbolo de status respeitável que combina bem com a dacha, o Mercedes, o chauffeur e a luzinha azul na capota do carro.

Para este segmento, aparência barata conta tanto como substância. No início da década de 90, a elite considerava prestigioso comprar certificados falsos demonstrando ascendência nobre. Agora tornou-se fino poder escrever nos cartões de visita "Candidato em Ciências" ou "Doutor em Ciências".

De acordo com a edição russa da Newsweek, cerca de metade dos deputados da Duma possui pós-graduações. Os restantes são activamente perseguidos por produtores de teses com espírito empreendedor, que tentam vender os seus serviços por 25.000 dólares o canudo.
Entre os deputados com pós-graduações, temos o líder do partido liberal democrático, Vladimir Zhirinovsky. Em 1998, aos 52 anos, recebeu o seu grau de doutor em filosofia pela Universidade de Moscovo, com a tese "O Passado, o Presente e o Futuro da nação Russa", curiosamente enquanto servia como deputado, e passando totalmente por cima do grau de candidato. O líder do partido comunista, Gennady Zyuganov, obteve o seu grau de doutor em filosofia em 1995, com 51 anos, ao mesmo tempo que exercia as funções de deputado. De entre os ministros do governo, poderá constituir uma surpresa saber que Sergei Shoigu tem um grau de candidato em economia, atribuído em 1996, aos 41 anos, obtido enquanto exercia as funções de ministro para as situações de emergência.

Têm surgido questões sobre o grau de candidato em ciências de Vladimir Putin, atribuído em Junho de 1997 pelo Instituto das Minas de São Petersburgo, enquanto o mesmo exercia em Moscovo as funções de adjunto do chefe da administração presidencial durante o mandato de Yeltsin. Em 2006, Clifford Gaddy, membro sénior da Brookings Institution, comparou a tese de Putin com um estudo de gestão publicado por dois professores da Universidade de Pittsburgh, tendo chegado à conclusão de que 16 páginas do trabalho daquele, incluindo tabelas, eram exactamente idênticas às desse mesmo estudo, apenas com uma ou outra pequena modificação. Putin nunca comentou as descobertas de Gaddy.
Infelizmente, o Kremlin não se parece preocupar muito com a forma com o plágio académico tem vindo a corroer o sistema educacional. Durante a reunião de quarta-feira do conselho de estado, o presidente Medvedev e o ministro da educação Andrei Fursenko produziram relatórios detalhados sobre os problemas mais graves que afectam o sistema, e como os mesmos bloqueiam a modernização do país. Curiosamente, nem uma palavra foi pronunciada sobre diplomas falsos ou plágio académico.

É óbvio que não existem soluções fáceis. A fraude académica, da mesma forma que a corrupção em geral, é um problema sistémico na Rússia. No entanto um bom ponto de partida seria forçar as universidades mais prestigiadas a adoptarem um código de honra que todos os estudantes (e também os docentes) deverão cumprir, sob o risco de expulsão.
Ao final do dia, a verdadeira questão é saber como a Rússia vai resolver os seus problemas mais prementes, com tantos falsos gestores, engenheiros, economistas, médicos, advogados, burocratas e políticos.

( texto retirado do blog pessoal de josé Milhazes, Moscowa )
___Nota de C.S.P: Não é novidade para mim que múltiplas teses de mestrado e doutoramento são, em Portugal, viciadas , uma vez que são retiradas parcial ou totalmente da Net, ou então são encomendadas a algum professor que a faça ( tive dois doentes que fizeram isto ).
Também não é novidade que teses de doutoramento sejam viciadas pela forma mais simples : arranja-se uma ideia um tanto bizarra mas não muito e inventam-se dados ( no chamado trabalho de campo ) que a suportem. A este respeito a minha experiência enquanto psiquiatra permitiu-me conhecer por dentro a extenção deste fenómeno. Mas lembro aqui um caso anedótico: havia um professor duma das melhores universidades públicas portuguesas que decidiu fazer as suas provas de agregação. A tese era a de que as mulheres tem maior "inteligencia " verbal" porque tem mais hemisfério direito ( o mais ligado aos afectos, emoções e capacidade de verbalização. Como era ele próprio, o professor candidato, que fazia os exames orais aos alunos, lembrou-se de fazer a média das notas obtidas por alunos e alunas ...e chegou à conclusão de que as raparigas tinham ( nos seus exames orais ) mais dois valores que os rapazes. Logo : eram mais inteligentes verbalmente, por serem raparigas, e tinham vantagem nos exames orais! Claro que passsou por uma unha negra o seu exame ( teve muitas bolas pretas ) porque toda a gente sabia que o homem era tolinho por um palminho de cara e aí sim as alunas eram melhores.

Não tenho todavia nenhuma prova de licenciaturas compradas, embora toda a gente conheça alguém na sua família com licenciaturas facilitadas, duma ou doutra forma, no ensino privado. Coisa que dificilmente conseguiria no público.

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