quinta-feira, 25 de junho de 2009

OS CINCO PECADOS MORTAIS DA CONDIÇÃO LUSA, 4: AS DEFINIÇÕES ( OU A INTOLERÂNCIA)

Se calhar poucas coisas há de mais práticas que uma boa teoria. Mas tem que ser boa.
Sem uma teoria não se vive a minúcia do dispôr que pode ser inspirada num empolgado amor à vida. Inspirado na eloquência dos actos a realizar.
Na ausência da boa teoria se pode dizer que estamos perante uma das tais formas de ausência que relevam a posterior solidão que asfixia. Porque as teorias, as regras, as definições são imagens antecipadas, espécie de memórias do futuro de cada um de nós. Está ali o que a vida há-de ser.
Mas há gente que se afasta tanto da realidade que cavalga as próprias palavras. E sai a galope no empolgamento de tudo poder. Como os megalómanos.
Há outros, ao contrário, que vivem subjugados à tirania do dever, e reclamam para si o estatuto de vítimas. Do poder. Do destino. Dos outros. Do mundo que se uniu para os tramar. Como acontece com os depressivos.
Em todo o caso, entre estes polos opostos estende-se o grosso do pelotão.
É gente que se apaixona já não pela pela definição duma emoção - seja o empolgamento do poder ou a tirania do dever - mas por algo mais complexo.
Apaixona-se pelas metáforas que constrói como se de regras se tratasse. E passa o tempo fora da realidade.
Gente que usa e abusa dos pré-conceitos. E que por viver deles, ama insinuar a sua sabedoria sobre o cosmos. Que por uma nesga, sempre prescrutada, é capaz de fazer passar mais uma orientação. Um voo-de-asa que tudo sumariza. Regulariza. Define. Tudo interpreta. Tudo explica.E, infelizmente, na maioria das vezes, nada compreende nem sequer entende.
Porque não faz mais, no seu preconceito a que chama intimamente de teoria, do que substituir uma realidade por um eufemismo. Como se tomasse um um terreno com a multiplicidade dos seus vales, montanhas e planícies, pelo mapa do terreno. Espécie de versão normal do esquizofrénico que come a carta do "menu" em vez de saborear os petiscos que ela propõe.
O grosso do pelotão é assim constituído por aqueles para quem quando os dados contrariam a teoria mussitam:-"tanto pior para os dados!...". E ficam-se tranquilos.
(lembram-se do Paulo Bento perante as derrotas do Sporting?)
Mas além de preconceituosa e tranquila face às discrepâncias entre o que é e o que deveria ser, é gente mais teimosa que tenaz e mais rígida que aberta. Nunca observou o canavial que no meio da tempestade, com o seu jogo de cintura curva as canas para um lado e para o outro, mas no fim ficou intacto; e o diospireiro, duma madeira rigíssima, que na mesma tempestade ficou reduzido a meio tronco.
É gente que fala mais alto que baixo e mais depressa que espaçadamente.
E que tende a acabar as frases formalmente, mais do que ensaiar a imperfeição perfeita de as deixar abertas ao universo de significações dos outros.
Gente que fita fixamente, em vez de deixar errar o olhar ao acaso. Única forma de abranger a riqueza da realidade.
Gente que propende a exigir informações mais do que a inquirir acerca dos sentimentos. Por isso o seu léxico alonga-se na razão inversa em que se esgota a emoção.
Gente que ignora a força inspiradora e usa as suas definições como diques. Como maneiras várias de dizer não. Ou dizer mal de tudo. Possuem, porque não ultrapassaram os três anos de idade emocional, um latente automatismo do Não.
E quando não encontram o eufemismo que sirva, embebem de saliva um dicionário em busca duma definição que se aplique.
Na literatura, no ensaio e na política, passam a vida a citar alguém, à falta de ideias próprias. A quem amam tanto como a definição das coisas.
Amam as definições para se sentirem definitivos.
E o mundo que se amanhe como puder em caso de discordância entre os factos e o arrumo pedagógico. Está a vida a palpitar à nossa volta, e atrevem-se a impedir que a vejamos que é para não vêr errado.
Acontece que o destino é às vezes desmancha prazeres, e então essa vida esquecida protesta e reduz bibliotecas inteiras de dicionários de regras, definições e teorias a papel de embrulho.
E sabem o que é que eles fazem?. Arranjam uma nova teoria. Que não propriamente uma teoria nova. Porque não podem parar. Porque quem tem, ou julga ter o poder, precisa das definições definitivas para se sentir perene e não precário.
Por isso, para o poder, cada definição não passa dum pré-conceito imutável. Um preconceito que é uma imagem antecipada de preservação da sua imagem de poder.
Eles, que usam as definições deste modo, obrigam-se à ausência de tolerância com o mundo porque só julga quem não é capaz de compreender.

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