segunda-feira, 8 de junho de 2009

CABECINHAS OCAS

Em Dezembro passado resolvi dar-me uma prenda de Natal e fui à galeria Nasoni no Porto. Quando estava a vêr um pequeno MIRÓ por um preço muito em conta, perguntei se tinham a certeza de não ser falso porque muitas histórias há muitos anos corriam à volta da Nasoni.



Fui posto na rua por dois "gorilas "que me ameaçaram de me pôr em tribunal por difamação e depois me avisaram de que tinham chamado a polícia quando eu lhes lembrei que a tabuleta " É reservado o Direito de Admissão " tinha caducado com o 25 de Abril. Ainda esperei uma hora à porta pela polícia pretensamente chamada pelo dono da galeria que dá pelo nome de Cabeçinha o que diz bem do que lá vai dentro, mas os telefones não deviam funcionar..., e por que as minhas pernas doentes não aguentavam mais , vim-me embora sob os epítetos de palerma, pateta e pobretanas.



Até este fim de semana não percebi tanta fúria ( do Cabecinha e dos dois gorilas ) perante uma banal pergunta. E com franqueza resisti aos insultos sem ripostar com outros tantos, porque o físico e a doença não ajudaram e os gorilas eram avantajados.



Pois bem. No último Expresso ( de 5/6/09) uma notícia "PJ INVESTIGA QUADROS FALSOS", explicava que um leilão no Centro Cultural de Belém tinha sido interrompido quando a PJ apareceu de rompante para levar quadros supostamente falsos provindos da Nasoni da autoria de René Bertholo, Álvaro Lapa, ambos já falecidos, e de Antonio Costa Pinheiro, felizmente vivo. Segundo a notícia, a viúva do primeiro e o filho do segundo destes pintores declaram os quadros falsos e o mesmo faz o terceiro que declarou falsos pelo menos três dos seus. E agora vem aí o tribunal, mas o juíz que se cuide, é o meu conselho!



A notícia que só estou a resumir, dá conta que depois de muitos rumores, o Finibanco (banco que por outros motivos tem sido falado) resolveu ir às compras à Nasoni e teve dúvidas mandando peritar as obras agora dadas como falsas...



Ora portanto, se os bancos não andam bem, os quadros também não, e interagem, como se tem visto com as colecções do BPP e do BPN. E ainda por cima há fortes suspeitas de haver muitos outros falsos de outros grandes pintores vivos!

É obvio que isto só foi possível porque a total mercantilização da arte o permitiu num quadro geral de Especulação da Vida que tudo varreu e, como já disse aqui, vai continuar a varrer até que o povo se canse e perceba que só se pode viver trabalhando, excepto quando as instituições estatais permitem o chico-espertismo.

Tudo isto me dá saudades doutros tempos. Tempos em que a arte e o seu pequeno mercado circulavam naturalmente. Na "finesse" de quem amava e não usava arte como pastilha elástica para o coração . Havia muita gente assim, como os Guggenheim, que sempre se dedicou ao mecenato artístico - às artes.

Peggy Guggenheim que ficou milionária por conta da tragédia do Titanic em que morreu o pai, ficou assim livre para ser patrona das artes.

Um dia, Peggy, em 1961 soube que um quadro, "LE BATEAU " de Matisse, esteve exposto no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque durante quarenta e sete dias sem que ninguém reparasse que estava exposto de cabeça para baixo. 120 mil pessoas tinham passado diante do quadro quando o equívoco foi descoberto. Comentário da Peggy: -" Quem passa a vida a ouvir os comentários mais parvos de todos são, certamente, os quadros dum museu!".


Ela também disse sobre pintura :-"Se mais de 10% das pessoas gostarem de um quadro ele deveria ser queimado. Provavelmente não presta!".


Conversando com Picasso sobre falsificação de quadros assunto que a interessava porque tinha centenas a necessitarem de autentificação, Peggy perguntou-lhe como é que ele se lembrava daqueles que eram dele, de facto, tendo ele pintado milhares. Resposta de Picasso:-" Se gosto do quadro digo que é meu, se não gosto digo que é falso".



Picasso era muito conhecido pelo seu sarcasmo. Um dia estava a mostrar o retrato duma mulher ao respectivo marido quando este exclama:


-"Mas a minha mulher não se pareçe com isto!".

E Picasso então pergunta-lhe:

-"Como é que ela se pareçe?"

O marido tira uma fotografia da carteira e mostra-lha.

-Como isto? - responde-lhe o Mestre - não tinha ideia de que ela fosse tão pequena."


Tudo isto se passa no espaço temporal mercantilizado. É verdade que em plena Renascença muitos pintores que até aí só tinham a Igreja como clientes, quando passou a ser moda a burguesia endinheirada "exibir e o seu Audi topo-de-gama da época que era o retrato da mulher e o seu próprio, passaram, tantas eram as encomendas, a chamar "aprendizes" às dezenas que eram quem de facto fazia a maioria da pintura.É por isso que falamos dum quadro "da escola de " Velasquez, Murillo ou Rembrandt. Na verdade esse quadro terá sido feito por muitos para proveito dum só. Mas com o tempo regressamos ao romantismo do pintor de mansarda no Quartier Latin que perdura até meados do século passado. E isto lembra-me o drama de De Chirico na velhice quando se apercebeu que os seus quadros não se vendiam ao contrário do que acontecia com os que ele pintara nos anos vinte. Então começou a falsificar-se a si mesmo!

Esta como que falsificação da realidade, está bem exposta nos surrealistas como num dos discípulos de Giorgio de Chirico, o belga valão René Magritte de que acaba de ser inaugurado o respectivo museu em Bruxelas. Um dia em 1929 Magritte pintou um cachimbo e escreveu por baixo na tela :"Ceci n'est pas une pipe " (isto não é um cachimbo), quadro que repetiu em 1952 com outra frase :"Ceci continue de ne pas être une pipe" ( isto continua a não ser um cachimbo). Magritte rapidamente foi considerado um louco, mas foi muito mais tarde que se explicou:" Como as pessoas me criticaram pelo famoso cachimbo! E, no entanto como poderiam enchê-lo de tabaco?; De forma alguma; é só uma representação, não será? Por isso, se tivesse escrito no meu quadro "isto é um cachimbo", estaria a mentir".

Tudo isto mostra como é difícil classificar a pintura. Mas, por mim, tenho duas regras : nunca comprar um quadro antes de o "namorar" durante meses para ter a certeza de que aquela paixão não me vai cansar o resto da vida; e depois tentar entender se o quadro obedeçe a uma lógica apolínea que é sempre condição do Belo, ou se ao contrário obedece a uma lógica dionísica o deus da bebedeira, geralmente conotado com o Feio. Então é tudo uma questão de deuses, nunca de demónios, mesmo que marchands.



Eu que sou apreciador de pintura recordo com saudade que, no Porto, há trinta anos, nenhuma Nasoni era possível, nenhum Cabecinha teria lugar - apesar de eu achar, como psiquiatra que se fartou de fazer testes de inteligência a centenas de pessoas, que o Cabecinha não ocupa lugar.


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