domingo, 24 de janeiro de 2016


FUMOS DE GUERRA - II
Investimentos  e  tendências
Três grandes mudanças no mercado mundial de armamento
No que diz respeito ao mercado de armamento é necessário distinguir três períodos a partir do início do século XXI :
Antes de 2009, o mercado de armamento está sob o controlo dominante dos Ocidentais que, de forma resumida, fabricam e vendem entre si as armas ;
A partir de 2009, a crise económica ocidental e a chegada de novos mega-actores ao mercado iniciam uma nova dinâmica : os Ocidentais, endividados, diminuem logicamente as suas despesas militares, mas felizmente para eles, os fabricantes de armas ocidentais vêem abrir-se novos mercados mirabolantes (China, Índia, Japão) ;e a política de remilitarização implementada no Japão pelo novo primeiro –ministro Abe  Shinzofoi um sopro de alma para americanos ee franceses. Do mesmo modo , para a mesma região os analistas do IHC estimam que as reivindicações chinesas e a construcção de pistas de aviação sobre recifes até agora sem soberania, vão fazer este ano disparar as despesas militares em compras de material  de 435 mil milhões  de  dólares em 2015 para 533 mil milhões este ano.
Mas 2014 altera de novo os dados : os temores causados a Ocidente com a crise euro-russa levam os Estados ocidentais a aumentar de novo as suas despesas militares com a subida de 3 para 4 % das despesas com armamento nos Países baixos, Alemanha e países bálticos  ; precisamente na altura em que os comerciantes de armas americanos e europeus começam a descobrir que já não estão sozinhos no mercado e que o mundo multipolar não significa apenas mais oportunidades mas também mais concorrência – como é exemplo a experiência de efeitos talvez perversos das sanções ocidentais contra aRússia por cauasa da crise Ucraniana levaram esta à procura de novos mercados ( Irão e Índia) com um aumento de 50% na facturação russa sendo certo que 80% co comércio de armas ainda é da América e da Europa ocidental.
        
      
                 
1 – Evolução Figura das despesas militares por zona geográfica, base 100 em 2004. Fonte: The Economist.


De um mercado ocidental a mercados altamente concorrenciais
Esta concorrência emergente não resulta apenas do surgimento de novos actores (Índia, China Rússia) –como , por exemplo e segundo a Bloomberg de 24/12/15 é o caso da captura do mercado indiano e suas perspectivas económicas - , mas também do aparecimento de situações competitivas no próprio seio ocidental. Os Estados Unidos inquietam-se também pelo aumento de poder Europeu em matéria de armamento – como o testemunha um relatóriodo Senado Americano, onde ficam claras as inquietações dos USA em relação à concorrência cada vez mais feroz do Reino Unido, França, Holanda e Alemanha  na venda de armamento sobretudo aos países do Médio Oriente.
Se a Europa está longe de contestar a supremacia americana nesta matéria, os Estados Unidosdevem no entanto contar com concorrentes sérios na Europa, reforçados pela tendência de fusões-aquisições como exemplifica a recente fusão-aquisição da empresa francesa Nexter e da alemã Krauss-Maffei-Wegmann.  Entre 2007 e 2014, a França chega à terceira posição na entrega de armas para exportação, com vendas avaliadas em 25,3 mil milhões de dólares entre 2007 e 2014, um pouco mais que a Alemanha (24,9 mil milhões), o Reino Unido (23,6 mil milhões) e a Itália (12,5 mil milhões). Esta situação permite esperar um aumento de tensões entre a Europa e os Estados Unidos em 201648. O caso françês é particularmente curioso já que depois de um recuo nas vendas de 11%, no ano passado este país recuperou  com vendas massivas à Arábia Saudita,, Egipto, Índia e Irão.
Uma  outra consequência da diversificação de operadores em matéria de armamento e do aumento de concorrência, semelhante ao que ocorreu com o petróleo, é o regresso da lei da oferta e da procura e a descida dos preços do armamento. Agora são os operadores ocidentais que têm tudo a perder com esta concorrência de preços. Neste estado de coisas, antecipa-se uma crise em 2016 para a indústria de armamento europeia e ainda maior para a americana.
Mas é preciso também ter na devida conta   a capacidade de influência deste sector sobre as grandes orientações políticas dos países/zonas onde estes grandes actores operam. Pois existem soluções para escapar à concorrência fatal que os atingirá se nada mudar…
As dificuldades nas negociações do mercado transatlântico ( entre USA e UE ),com o agravamento da conflitualidade dentro da própria U.E., bem como a reaproximação da Alemnha e França à Rússia em matéria de terrorismo são apenas alguns dos factores que levam  a apostar num enfraquecimento das relações transatlânticas  ( e dentro da Nato) para este ano de 2016.




Figura 2 – Os cinco maiores importadores de armas e países fornecedores. Fonte: Deutsche Welle.
Redução do campo «aliado» ao qual se tem direito de vender armamento
Para além da concorrência internacional, é também cada vez mais difícil para os fabricantes de armas continuar a vender armas a países que os media (no que diz respeito à França em particular)  passam  o tempo a descrever como perigosos : não se podem vender armas aos inimigos !
O exemplo da Arábia Saudita é emblemático: a Inglaterra e a Bélgica são particularmente ruidosos sobre o caracter insuportável da venda de armas a um país cuja imagem se degrada com as revelações sobre a natureza da sua sociedade e das suas ligações directas ao Daesh, etc.
Vemos com este exemplo a fragmentação do «campo aliado ocidental», campo que permitiu durante muitos anos a venda de armas a países bem pouco recomendáveis, em nome de «alianças estratégicas» em curso.
O sistema bem oleado antes de 2009, onde um vasto campo ocidental mantinha, numa base de «amizade», um mercado de armamento (que não se pode, portanto, deixar de considerar «absurdo»), divide-se agora em aliados enfraquecidos (endividados), em concorrentes emergentes, e novos inimigos (verdadeiramente novos,  como a Arábia Saudita, ou reactivados como a Rússia).
Desenvolvimento de mercados internos
Para os fabricantes de armas, a perda de mercados, induzidas pela transformação de aliados em inimigos, não coloca afinal tantos problemas. Se o sentimento de insegurança aumenta, torna-se possível desenvolver o seu mercado interno.
A Europa é um magnífico exemplo disso: entre a deterioração das suas relações com a Rússia, as  várias ameaças que surgem do mundo árabe-muçulmano e o questionamento da natureza protectora da NATO, estão reunidas as condições para que os fabricantes de armamento europeus vendam os seus produtos a uma Europa decidida a voltar a aumentar as suas despesas militares e a criar uma força armada comum.
Esta tendência permite também antecipar para 2017, o mais tardar, a implementação  de uma Europa fiscal que permitirá aos Estados-Membros financiar a sua protecção junto dos seus grandes negociadores de armas. Decididamente, o mundo pode mudar de forma, mas o fundo permanece sempre igual…
Claro, esta tendência de um número maior de mercados se fecharem sobre si mesmos não afectará só a Europa. A China começou já a fabricar o armamento de que precisa, a Rússia está nesse caminho já há muito tempo, a Índia não tardará a iniciá-lo também, Israel não precisa de ninguém neste  domínio ; quanto aos Estados Unidos, já armados até aos dentes, o maior perigo, é que passem à utilização do seu arsenal para continuar a justificar o aumento de gastos exigidos pelo seu «complexo industrial-militar».



                                                E    NÓS  ,    PORTUGAL     ?
 Aqui há uns  três anos aqui escrevi um texto que intitulei
“Fumos de guerra “, onde chamava a atenção para a necessidade de o nosso país começar a pensar numa política de defesa nacional adaptada e adequada aos “tempos novos”. Aí, partindo da clara definição de que o país não tinha orçamento comparável aos dos países supra-citados e depois de aclarar os objectivos estratégicos a defender , citando a zona marítima nacional como a mais estratégica, na esteira duma política  de defesa que começara pelo menos em 1640, propunha  um programa militar vocacionado para a defesa em muitos aspectos decalcado do modelo suíço (país que vive sem guerras há 200 anos) e que baseia o seu programa numa estratégia exclusivamente defensiva.
Mantenho o que então escrevi:
1-      Diminuição do orçamento das forças armadas até 1% do PIB ( em vez dos 2% actuais).
2-      Regresso a um exército onde apenas uns mil militares  de terra seriam profissionais e aos quais caberiam :
3-      a) dar formação aos cidadãos que fariam o serviço militar obrigatório.
b) dar cursos de reciclagem militar anuais de uma semana obrigatórios para todos os cidadãos homens e mulheres até aos 40 anos.
c) enquadrar , por pelotões , grupos de cidadãos  que se conheciam e fariam parte das células em que o exército se dividiria nuclearmente em caso e agressão externa.
   A estas forças, que para além da formação militar de recruta básica de 3 meses com reciclagens de uma semana/ano, juntar-se ia uma pequena força marítima de grupos de pequenos  e mini submarinos ( como existem na China)e uma restrita força aérea de reconhecimento.
Esta é a minha proposta de umas forças armadas para a guerrilha pura e dura, dum país em que seria claro a forças agressivas que entrar era fácil,  mas sair só “na horizontal e de pés para a frente “ como disse Sartre.

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