quinta-feira, 14 de janeiro de 2016


A descida do preço do petróleo é boa para a economia?

  Janeiro 13, 2016 por José Mendes

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A descida do preço do petróleo é boa para a economia?

A descida do preço do petróleo revelou duas evidências: a primeira é a de que os preços estavam demasiado altos, se tivermos em conta que já caíram 60% em um ano, e muitos analistas admitem que a descida tem tendência para se manter. A segunda evidência é a de que a queda dos preços não tem reflexos no preço dos combustíveis. A queda acentuada no preço do crude teve tímidas consequências nos preços da gasolina e gasóleo, junto dos consumidores. Mas para um empreendedor importa saber se pelo menos esta descida tem reflexos positivos na economia, e aí podemos dizer que há boas e más notícias.
A descida dos preços é sempre boa para qualquer economia, seja doméstica, seja de um Estado. No caso português, a descida do preço do petróleo para valores abaixo dos 50 dólares na última metade de 2015, deu uma folga ao Orçamento do Estado e ajudou ao crescimento do PIB em mais de meio ponto percentual. Por outras palavras: o país gastou cerca de metade do que pensava gastar na importação de petróleo. Apesar dos lamentos, os consumidores também viram um afrouxamento nos preços do gasóleo e gasolina, dando um impulso à economia ainda pressionada pela crise, e o ano de 2016 promete novas descidas. 

Já o risco de deflação é o maior problema. Não apenas por causa da descida do preço do petróleo, mas pela estagnação e descida generalizada dos preços por toda a Europa. A quebra no preço do petróleo é mais um dos problemas com que se defronta o Banco Central Europeu. A descida dos preços leva à retração dos investimentos e à redução do consumo. Tudo isso está a acontecer na Europa e, dizem os economistas, esse é o sinal de morte das economias. Todavia o problema causado pela descida do preço do petróleo é mais complexo se analisado numa perspetiva global. 

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Mercado volátil
O petróleo está na base do nosso mundo. Não é apenas o gasóleo e a gasolina que fazem mover carros, navios e aviões, são também os plásticos, colas, vernizes, pesticidas ou até mesmo o alcatrão. Quase tudo o que nos rodeia resulta direta ou indiretamente de algum dos produtos do petróleo. No conjunto do consumo global, o petróleo é a principal fonte de energia, com 31% do total, seguido do carvão (29%) e do gás natural (21%). E, apesar das pressões ambientais, o seu consumo não tem parado de crescer. 

Os mercados emergentes contribuíram para esse aumento da procura, entre eles a China que duplicou o seu consumo em dez anos, e agora ocupa a segunda posição entre os maiores consumidores, a seguir aos EUA e acima do Japão. Mas também a Índia, Brasil e África do Sul ajudaram ao crescimento sustentado da curva da procura nos mercados mundiais de petróleo, particularmente na última década. 

Este aumento do consumo, associado a tensões geopolíticas nos países produtores levou a um crescente aumento dos preços desde o ano 2000. Com o petróleo acima dos 100 dólares por barril, surgiram novas explorações que a outro preço não seriam rentáveis, e apareceram novos produtores, entre eles os Estados Unidos da América que, apoiados numa nova tecnologia de extração de petróleo a partir da rocha de xisto conseguiram, em uma década, tornar-se grandes produtores de gás e petróleo, suplantando mesmo a Arábia Saudita na produção de crude. 

Até que em 2015 o contágio da crise económica mundial chegou à China, revelando taxas de crescimento abaixo do previsto e, desse modo, reduzindo as perspetivas de consumo de petróleo do mercado chinês. Foi também em 2015 que, surpreendentemente, os EUA anunciaram uma aproximação ao Irão, retirando os seus porta-aviões do Estreito de Ormuz, uma das zonas estratégicas de passagem do petróleo, e reduzindo a tensão que contribuía para manter os preços elevados. 

Com efeito, uma das razões para a volatilidade do preço do petróleo é o “medo do desabastecimento” que aterroriza os países consumidores. Já não se trata do receio pelo fim do petróleo, como se temia em meados do século passado, mas do horror de que o fluxo do crude possa em algum momento ser interrompido. Foi esse medo que justificou o aumento dos preços para valores em torno dos 100 dólares por barril, durante todas as crises do Golfo, e não o crescimento do consumo, uma vez que este foi também acompanhado pelo aumento da oferta. 

A ideia do “medo” não é um pormenor. O petróleo é negociado – como todas as commodities – em mercados de “futuros”, ou seja, vendedor e comprador acertam o preço que o produto terá, não no dia em que fazem o contrato, mas no dia da entrega da mercadoria. É portanto uma estimativa calculada para encaixar a volatilidade do mercado, financiar os juros da dívida e acomodar os lucros. O medo pesa na avaliação do risco, e como esta negociação decorre em bolsa, os especuladores conseguem transferir esse risco para o produto final.
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Será que a descida dos preços significa que o risco diminuiu? 
Os otimistas dirão que sim. A oferta diversificou-se, há mais países produtores e novos tipos de energia. A descoberta de novas jazidas mostrou que o petróleo ainda é abundante e as novas tecnologias de extração demonstraram que não há limites para a exploração de petróleo. As tensões geopolíticas já não são relevantes para travar o abastecimento, e só a crise que trava o consumo, faz cair os preços em resultado do excesso da oferta. Enfim, nada que as leis do mercado não resolvam. 

Com efeito, a agência de Energia dos Estados Unidos estimou que a oferta mundial de petróleo ultrapassou significativamente o consumo em 2015: enquanto a produção se cifrou em 93,76 milhões de barris diários, o consumo deverá ter rondado os 92,39 milhões de barris por dia. Estes níveis elevados de produção são apontados como a principal razão para a quebra acentuada dos preços do barril de crude, e a tendência é a de que ela se irá manter em 2016, em resultado do fim das sanções ao Irão e o consequente regresso deste país aos mercados mundiais. 

Já os pessimistas veem aqui o princípio de uma bola de neve que ninguém sabe como irá parar, porque, se o preço é igual para todos, nem todos conseguem produzir petróleo ao mesmo preço. 

Enquanto o Kuwait, o Qatar e a Arábia Saudita conseguem custos de produção abaixo dos 10 dólares por barril, o que significa que estes países conseguiam lucros fabulosos quando os preços estava acima dos 100 dólares (só a Arábia Saudita exporta mais de 10 milhões de barris por dia). Com o petróleo abaixo dos 30 dólares por barril explorações petrolíferas como as do Canadá, Reino Unido ou Brasil começam a ser impraticáveis, todas com custos de produção acima dos 40 dólares por barril. 

A situação é mais grave em países cuja economia não tem capacidade de absorver o prejuízo por muito tempo como Angola, Congo e Gabão. Mesmo países cuja produção tem custos baixos, como a Venezuela, Rússia ou Irão, mas estão muito dependentes da exportação do petróleo, e a redução na receita das exportações petrolíferas vai implicar dolorosos cortes orçamentais. 

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A teoria da conspiração
Ao olhar para as principais “vítimas” da descida do preço do petróleo, alguns apontam o dedo aos EUA e Arábia Saudita de deliberadamente prejudicar países inimigos, nomeadamente a Rússia ou Venezuela, para estimular movimentos de oposição interna. É certo que no caso venezuelano, as dificuldades económicas estão a atingir a população e o desgaste do governo refletiu-se na recente vitória da oposição. 

Mas a redução dos preços também está a afetar as grandes multinacionais petrolíferas e particularmente os pequenos produtores de petróleo de xisto nos Estados Unidos, Daí que outros vejam uma “conspiração do Qatar” para afastar os produtores “não convencionais” do negócio do petróleo. 

Se os teóricos da conspiração têm ou não razão, não se sabe, mas a OPEP, que é um cartel que desde o primeiro choque petrolífero define os preços do crude, não consegue agora pôr-se de acordo para reduzir a produção. 

Reduzir a produção significa ganhar menos e não é certo que isso faça os preços subir. Até porque, com os preços baixos, os países consumidores criaram reservas de 3 mil milhões de barris de petróleo, o que significa que qualquer redução da produção só teria efeitos bastante tempo depois. No último relatório de 2015, o FMI alertava que a maioria dos países do Golfo “incluindo Arábia Saudita, Omã e Bahrain “vão ficar sem dinheiro no prazo de cinco anos”, se não ajustarem as suas despesas e aumentarem os impostos. 

Essa falta de consenso no seio da OPEP talvez não seja senão um sinal de que, tal como num jogo de poker, a parada já está tão alta que não há hipótese de alguém desistir. 

Pôr as barbas de molho
Um bom empreendedor sabe que tem de estar atento aos sinais do mercado. O seu negócio, se está na fase inicial, é mais sensível à volatilidade económica e, apesar dos discursos dos políticos, a crise não só não passou, como talvez ainda venha a redobrar a intensidade. 

Se é verdade que a diminuição do preço do petróleo pode dar algum impulso ao crescimento económico global, fazendo crescer o PIB dos países consumidores e particularmente dos grandes importadores como o Japão, Índia, China e os países da Zona Euro, também começa a ser evidente que essa recuperação tarda em sobressair, ao mesmo tempo que aumenta a volatilidade dos mercados bolsistas e o receio do “rebentar da bolha” que resulta afinal da especulação bolsista. 

A queda do preço do petróleo pode resultar do “acerto do mercado” entre a oferta e a procura, e será portanto “um fator transitório que tenderá à estabilização” como defende a presidente do FED norte-americano, ou é um sinal de que os especuladores estão a sair dos mercados deixando os preços cair para os valores reais. Se for esta a hipótese, não será bom sinal, não só porque, recorrendo a linguagem de marinheiro “os ratos são os primeiros a abandonar o navio”, mas porque se os preços estavam inflacionados, também as dívidas estarão. 

Enquanto o crude foi negociado a preços elevados, fizeram-se investimentos dispendiosos recorrendo a “técnicas não convencionais” como o fracking e plataformas de exploração petrolíferaoffshore ou em águas profundas. Os bancos especularam no aumento dos preços e da procura, financiando dívida das petrolíferas na espectativa de um retorno elevado. No entanto, a descida dos preços está a revelar uma perspetiva inversa. 

Se os preços caem não basta fechar os poços de petróleo e esperar melhores dias. Há juros que têm de ser pagos e empréstimos que se vencem. A alternativa é a falência. As grandes multinacionais petrolíferas estão sob grande pressão para reduzir custos e preservar recursos financeiros; as empresas nacionais também vão ter de reestruturar a estrutura de custos e rever processos de produção; as prestadoras de serviços vão ver o seu número de clientes diminuir, ou reduzir a sua margem de receita e serão as que mais provavelmente terão dificuldades em cumprir o serviço da dívida. 

Além disso, a descida do preço do petróleo tem consequências nas energias renováveis, ao acentuar os custos da energia solar, eólica ou hídrica, enquanto o petróleo for barato. A questão é saber durante quanto tempo esta tendência se pode manter e se as empresas têm resiliência para suportar o “reequilíbrio do mercado”. As falências são esperadas, não apenas de empresas mas também de Estados. A Venezuela talvez seja o primeiro país produtor a seguir nesse caminho. Resta saber o impacto que estas consequências terão nos bancos.

Consequências domésticas
As empresas portuguesas com negócios em Luanda foram as primeiras a sentir o impacto da descida do preço do petróleo. Com efeito, a economia angolana está a ser duramente atingida pela redução da receita, sobretudo em dólares (o maior cliente do petróleo angolano é a China que paga em yuans). Angola é muito dependente das importações de matérias-primas e até alimentos e bebidas, a falta de dólares está a dificultar as operações do sistema bancário e a impedir as importações de bens e serviços. Mas não é apenas um problema cambial, a redução da receita obrigou também o Estado a rever o Orçamento, cortando a fundo nas despesas em 2016, com consequências nas diversas empresas de construção e obras públicas a operar em Angola.

No Brasil a descida do preço do petróleo tem consequências catastróficas para a Petrobras, que é a empresa petrolífera com a maior dívida do mundo – 140 mil milhões, dos quais 80% em moeda estrangeira. Grande parte dessa dívida resulta de investimentos no Pré-Sal, um enorme reservatório de petróleo e gás a cerca de 6 mil metros de profundidade no Atlântico Sul e que fazem o custo médio de exploração do petróleo brasileiro subir para 49 dólares por barril, bem acima dos valores transacionados nos mercados americano (WTI) e europeu (Brent).

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Se o petróleo desce, porque não desce a gasolina?
O petróleo está em mínimos dos últimos 12 anos mas no bolso dos consumidores o impacto ainda não é significativo. O gasóleo está ligeiramente mais barato, mas os preços da gasolina voltaram a subir no princípio do ano, porquê? Porque o que desce é o petróleo, não os impostos. 

Por outras palavras: os preços têm estado a descer, mas mais 60% do preço da gasolina que se compra em Portugal resulta de impostos, e estes têm-se mantido inalterados. Ou seja, as variações da matéria-prima que ocorrem verificam-se nos pouco mais de 25% do preço de produção. Sendo verdade, esta resposta não explica porque é que os preços sobem tão depressa sempre que há aumento do preço do crude, e demoram tanto tempo a afixar uma descida modesta mesmo quando o petróleo tem quedas abruptas. 

Essa situação remete-nos para outra resposta mais complexa, ainda que um empreendedor perceba: os produtos petrolíferos são outro mercado, com outro ciclo de preços. Com efeito, os preços estão relacionados com as leis da oferta e da procura. Tal como vimos no caso do petróleo, onde os preços não estão relacionados com os custos de produção, também os produtos refinados a partir do petróleo variam consoante o mercado. 

Ao contrário do petróleo há a reter que no caso do gasóleo e gasolina não houve um aumento da oferta. As mesmas refinarias que existiam há dois anos são as que existem hoje. Mesmo admitindo que tenham existido variações ligeiras na produção de algumas delas não podemos dizer que ocorreram mudanças significativas na oferta de gasolina ou gasóleo que possam produzir um efeito de descida dos combustíveis. 
Depois, é importante frisar que existem dois mercados muito diferentes: o do gasóleo, predominante na Europa, e o da gasolina, mais importante nos EUA. Quer dizer que os hábitos dos consumidores europeus podem influenciar os preços do gasóleo, e isso é evidente no aumento do consumo no Inverno, enquanto os consumidores norte-americanos influenciam o preço da gasolina, que tem tendência a subir durante os períodos de férias de Verão. Recentemente, a China e Índia começaram a ganhar quota relevante no mercado do consumo dos combustíveis e certamente também terão capacidade de influenciar o mercado em curto prazo. 

Porém, se a descida do preço do petróleo tem pouco impacto no preço dos combustíveis para a generalidade dos europeus, em resultado dos elevados impostos, ela é mais expressiva nos países asiáticos ou americanos, onde a parcela de imposto é menor. Não surpreende por isso que, apesar da economia chinesa crescer abaixo do esperado – ainda assim, muito mais do que qualquer país europeu – se venha a registar um acentuado crescimento do consumo de combustíveis por parte dos chineses, a par com o aumento do consumo norte-americano, levando ao paradoxo de ver a gasolina, ou mesmo o gasóleo, subir acentuadamente, ainda que o petróleo esteja a descer. Essa, claro, seria a boa notícia, porque entre o “estouro da bolha” ou a ocorrência de um evento geopolítico grave… como diz o povo: “venha o Diabo e escolha”

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