quarta-feira, 23 de setembro de 2009

ELEIÇÕES III

citado do livro de Gonçalo M. Tavares "O Sehor Kraus ")



Sobre um governo Iluminado


" Os ministros eram tantos que nas reuniões gerais era necessário contratar um daqueles funcionários dos cinemas cuja função é levar o espectador até ao seu lugar marcado.
Como o conselho de ministros, por tradição secular - tal como nos filmes - decorria às escuras, o funcionário com a sua lanterna era ( literalmente ) o único que via algo à sua frente.
Cada ministro chegava e o funcionário conduzia-o, sempre guiado pela lanterninha, através de várias filas, até ao seu lugar no conselho de ministros. - nesta fila, a terceira cadeira a partir de lá.
Pedindo desculpa aos outros ministros, o recém-chegado lá ia, mais pisadela menos pisadela, para o seu lugar.
Depois de, pelo som, localizarem o Chefe, a reunião começava.
Sentado na sua cadeira habitual, curvado sobre si próprio, o senhor Kraus preparava as próximas crónicas e escrevia no caderno algumas notas."

( Apesar deste texto ser de 2006, será que o escritor se referia à primeira, ou segunda, ou outra qualquer reunião de conselho de ministros, após as eleições ganhas pelo nosso Trotsky  Anacleto Louçã, isto porque, como prossegue o escritor :)

"Lá chegou o legislador aos saltos: encontrara uma formulação para um decreto que parecia atingir o objectivo: fazer uma lei que não prejudicasse ninguém.
- E qual é essa formulação, caro legislador?
É simples. Ela aqui está.
 E leu:
«Esta lei decide que esta lei não decide nada.»
- Mas isso é uma lei?
- Se esta frase - porque no fundo, excelência, as leis são frases -, se esta frase for editada como decreto de lei passa a ser um decreto-lei.
- «Esta lei decide que esta lei não decide nada» - murmurou o Chefe para si próprio, como quem repete um verso que o fascina.
- É uma lei absolutamente moderna, não lhe parece?
- Sim, parecendo uma lei conformista, é afinal uma lei drástica.
- Porque as pessoas...- ia a dizer o Chefe, mas calou-se.
- Sim, mais precisamente: o que todos querem é que nada mude, mas que a vida melhore.
- Ah, não vai ser fácil.
- Não. Mas se continuarmos nesta linha de leis, há uma série de variações que se podem desenvolver. Por exemplo:
«Esta lei decide que se pode fazer de uma maneira ou de qualquer outra.»
Que tal? Não é uma lei que também se enquadra no objectivo de fazer leis que não levantem qualquer protesto? «Esta lei decide que se pode fazer de uma maneira ou de qualquer outra.» É uma brilhante formulação, desculpe-me a imodéstia.
- Sim não é má. Mas eu sempre gostei de fazer leis concretas, objectivas, que as pessoas percebam.
- Oh, Chefe, não seja teimoso.
  

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