As guerras do Levante (I) surripiado  do cachimbo de magritte


A Síria é agora a porta que uns querem abrir (ou arrombar) e outros querem manter bem fechada. Muitos perguntam porque se prolonga e agudiza aquela guerra dado que aparentemente não há móbil económico conhecido, porque investem tanto a Rússia como a Turquia naquele país, em lados opostos, porque há homens da CIA e da Mossad também no terreno em apoio aos rebeldes, sem no entanto conseguirem ouvir uma explicação que os satisfaça e que una os pontos. Aviso que não tenho essa pretensão, apenas desejo escrever sobre uma vertente desta complexa guerra.
Muito do que vemos e ouvimos no espaço informativo não ajuda, explica mal o que se está a passar no terreno e muito pouco do que efectivamente acontece nos bastidores da política internacional. A informação que nos chega sobre a guerra civil na Síria merece e deve ser devidamente filtrada; nomeadamente a do mainstream noticioso (da CNN à Al-Jazeera) e das despreocupadas agências noticiosas nacionais.
Uma razão para nós europeus exigirmos ter melhor informação é porque esta guerra ainda nos diz respeito – esta é, também, uma guerra pelo acesso aos mercados europeus e em particular ao mais apetecível de todos: o mercado da energia.
Vejamos então esta vertente da guerra (não sei se a mais importante), o caso concreto do mercado da energia: a Europa é ainda um muito desejado mercado para os países exportadores de recursos energéticos e não está a conseguir libertar-se do espartilho movido há já algum tempo pela Rússia. Face às quantidades em jogo para satisfação das necessidades futuras de energia na Europa, agora que países como a Alemanha, a Bélgica e a Itália desistiram da opção nuclear, poucas são as soluções alternativas aos russos. Na verdade, para as quantidades em jogo, havia apenas duas alternativas aos russos: o Norte de África e o Irão, todas as outras apenas mitigavam o problema. O gás que possa vir de outros países de leste como o Azerbeijão ou do Turquemenistão não ameaça seriamente as ambições de Putin. A Rússia conduz uma estratégia sem diversificação que também a torna, cada vez mais, dependente da cativação da Europa – de quem quer ser o principal fornecedor arriscando a que esta seja o seu principal consumidor. A dependência económica russa dos recursos naturais (energias fósseis), e a falta de mercados de dimensão alternativos à Europa, faz com que o fracasso desta estratégia não seja sequer admissível por Moscovo – poderiam conduzir a convulsões sociais inimagináveis.
A estratégia da Rússia passa por “secar” as alternativas concorrentes através de alianças estratégicas. Depois das alianças com as companhias energéticas alemãs e até mesmo com os governos regionais na Alemanha já conseguiu alianças estratégicas com importantes países europeus, países que podiam oferecer entradas a sul: a Itália e a França. À Itália (à ENI), com o elevado patrocínio de Putin, amigo e aliado indefectível de Berlusconi, foi oferecida participação em importantes investimentos em projectos na Rússia e nos gasodutos que transportarão o gás de leste até à Europa. Com a França foi usada a mesma estratégia e a GDF tem já um importante conjunto de alianças na Europa com a Gazprom. A neutralização destes dois países era importante, ambos podiam oferecer uma alternativa ao gás da Rússia, o gás proveniente do Norte de África, nomeadamente da Argélia, e da Líbia. Sabendo o estado a que foi conduzida a região não é necessário fazer aqui mais desenvolvimentos sobre esta hipótese e a confiança que esta oferece aos investidores.
Sobra ainda a outra alternativa, capaz de satisfazer o apetite energético europeu e competir com os russos: o Irão.
O Irão, por razões sobejamente conhecidas, era até há pouco uma carta fora do baralho para o fornecimento de energia à Europa, até que a Turquia (secundando a China) a resolveu usar. Desde que o poder mudou na Turquia, a sua relação com o Irão tem sido muito ambígua, parecendo acatar as resoluções internacionais mas simultaneamente defendendo-o da aplicação das sanções económicas e até aumentando as trocas comerciais com aquele país. Uma das razões é a sua dependência energética. A Turquia vem mantendo com a Rússia um importante braço de ferro energético (mas também alianças pontuais) e não deseja aumentar o seu grau de dependência - as ambições de potência regional assim o exigem. A Turquia anunciou recentemente um importante investimento – o início da construção de um gasoduto de 5000 km com capacidade para 35 Bcm/ano para simultaneamente importar gás directamente do Irão para o seu mercado interno e exportar para a Europa (o curioso, e para quem não saiba, é que o gás iraniano, ao contrário do petróleo não está sujeito a sanções). A Rússia nunca acreditou seriamente na concorrência iraniana pelo mercado energético europeu, e sempre desconfiou da possibilidade da concretização de uma aliança de iranianos e turcos – a história corroborava esta opinião suportada na falta de confiança mútua. Pode não passar de um bluff de Erdogan, para objectar à decisão russa pelo South Stream, vamos aguardar para ver porque a história não acaba aqui.

Por agora, os russos estão demasiadamente concentrados a dificultar a vida a um concorrente de última hora, bem mais credível - o mais recente potencial petro-estado do Mediterrâneo Oriental. Estão a tentar obstruir a entrada do gás de Israel no mercado energético da Europa, pelo corredor do Levante: a Síria. É que Israel, como a Rússia, alimenta a ambição de abastecer a Europa, depois das extraordinárias descobertas de gás na bacia do Levante.

No próximo post vou tentar explicar as ambições israelitas e como se cruzam na guerra civil da Síria os interesses opostos de Israel e da Rússia numa violenta guerra que é também económica. Esta é uma das guerras que se trava no Levante.

(contínua)