quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O QUE É E COMO É O AMOR - parte I

1.-Depois de abordagens menores a temas que, por serem óbvios, não se racionalizam, e por isso, a Natureza os vai expurgar de abstracções que não "pegam" à realidade", tais como a imbecilidade narcísica dos homossexuais que querem casar; ou as peregrinas ideias de que o Estado Providência está e pode durar; ou a de que o Ser está no comprar ou seja , no consumir; ou a de que os Valores são relativos : ou que, mesmo a Verdade, é relativa; ou que somos todos Iguais ; ou que os chineses são nossos Amigos ; ou que Não ter filhos é coisa adequada ao momento, para não fazer sofrer as criancinhas - e não por causa do egoismo dos papás que preferem uma noitada nas discotecas que tratar dos filhos ; ou que as guerrras mundiais são evitáveis, tanto como o genoma humano ; ou que a próxima Não depende da velocidade com que o Ocidente Empobreça em favor do Oriente......, vou falar de coisas prometidas e comuns e que não incomodam as gentes.

( vai continuar....julgavam que se viam livres de mim? )


A abordagem do amor é fácil. No entanto, em Portugal , as suas abordagens ( científicas ?....) são raras. Dá a sensação que dez milhões de portugueses entenderam que há mistérios que são inatingíveis como esse de alguém de se apaixonar por outrém. Mas esta razão colectiva de uma resistência comum à compreensão de algo que é, por sua natureza, pessoal e subjectivo, tem outra e mais forte motivação: trata-se de vencer  um receio que é  o de diminuir ou desvalorizar o enamoramento, pelo facto de, dando-lhe nível de objecto consciente, o vulgarizarmos, e por isso o banalizarmos, transformando uma experiência cara porque rara, num objecto comum.
Para além desta, sobram as razões de Berscheid e Walster (1978). Para eles, em primeiro lugar o amor é visto como pertencendo ao domínio do Romance ( e portanto da ficção), pelo que estaria nos antípodas da ciência ; em segundo lugar o amor é como o sexo, um assunto tabu para muita gente, e , last but not the least, podendo não ser impossível estudar o amor, pensavam eles, seria muito difícil abordar um  tema tão complexo.
Este último argumento merece-me um comentário simples. É que ainda há quem persista em medir e pesar os fenómenos psíquicos como carácter sine qua non do carácter científico dessa abordagem. Pela minha parte, continuarei fiel a que só podemos falar destes temas em termos da nossa opinião pessoal, que como tal vale, sendo que neste caso a minha doxa sobre o amor foi alicerçada em centenas de entrevistas diferentes a pessoas que me procuraram com psiquiatra ou psicoterapeuta, e o método de análise que utilizei foi o fenomenológico, ou seja, o da ciência da epistemologia.

( vai continuar,...julgavam que se viam livres de mim ?)


2 - Para mim , o amor é um estado terno, calmo, e compensador.
Mais adiante tentarei dizer o que quero significar com a definição supra-citada.. Entretanto, falarei da prática amorosa, ou melhor, de como os enamorados procedem, sem me preocupar com a neutralização das variáveis que condicionam estas práticas.
Se reperarmos bem, há dois tipos de  pessoas ou melhor, dois tipos de conductas humanas de comunicação amorosa, que se desdobram nos planos da CONDUTA , da ÉTICA, e da ECONOMIA.

2.1.No plano da CONDUTA pode dizer-se que há dois tipos de pessoas. Há aqueles que de tudo fazem uma guerra, incluindo o amor. Mas não só. Estas pessoas parece estarem sempre tensas, preparadas, por uma espécie de reflexo pavloviano do Não, para questionarem, enfatizarem, definirem, decretarem - exercerem enfim  uma relação de poder.
Fazem-no em toda a parte, desde que haja o assento de uma qualquer relação inter-subjectiva, desde a relação com o colega de trabalho, passando pela relação com o amigo de café ou do pub, pela relação com o pai ou a mãe, mas principalmente com o ser amado. De tudo tendem a fazer uma guerra, até, e sobretudo, no amor.
Particularmente no amor é bem perceptível como é infantil e imaturo este comportamento: " Olha o que fizeste!"; " Até parece que fizeste de propósito!";" Um dia hás-de notar a minha falta!...! - e a gente percebe que lidam com o amor com aquela compulsão destruidora que as crianças usam a desmanchar o mais querido dos brinquedos para ver como são feitos por dentro.
Divergem, sobretudo, daqueles para quem o amor tem de ser a paz .Ou, ao menos, um armistício a cada momento necessário e desejável. Sem paz não há amor, quase se pode dizer. A invasão da nossa paz parece ser o indicador daquele sentimento que por arder, queima uma biblioteca de cartas antigas de amor e a reduz a pó: como ao amor!. É que a paz é o amor, porque este só surge quando se está do lado de alguém e ao lado de alguém sem medo, sem culpa, sem pena, sem ter que explicar ou se explicar, sem outro interesse que não seja o de ficar assim...ali. A paz assim concebida e vivida, pode até ser o novo ex-libris hippie: em vez de peace and love, peace is love.
Quem vê o amor como um armistício, cansa-se profundamente com uma discussão de cinco minutos com a pessoa amada.Cansa-se psiquicamente mas também fisicamente, como quem fez uma dorida maratona. Dói tudo, músculos incluídos !. E pode assim dar a falsa impressão de que é uma pessoa fraca.  Geralmente nada  de mais errado. O que sucede é que aquele para quem o amor tem de ser a paz, é tão forte, que pode dar-se ao luxo de parecer fraco, e é tão estável nos afectos que é capaz de mais este sacrifício pela pessoa amada. Desde logo porque intui que "o seu amor" que lhe faz guerra, o faz por ser alguém que "cristalizou" no comportamento infantil do automatismo do Não: todos nós,  pelos dois três anos, para construirmos o nosso Eu   precisamos de o ( ao Eu) contrapôr um outro Tu ( " Diz a mãe: Pedro vai fazer cocó!; diz a criança : não! - diz a mãe : toca a comer que é bom!; responde o menino : não!) .
 Só que às vezes esta crise identitária não se resolve, e prolonga-se pela vida fora....
Todavia, este sacrifício ( do conjuge ) não está na moda.

( entre parentesis : a minha amiga Sónia,  mulher de olhos sempre pretos, talvez por ser médica anestesista habituada a olhar pupilas, tem uma tese curiosa segunda a qual os homens e as mulheres com cor de olhos que mudam de tonalidade com a luz ou a cor da roupa, são sempre mais ou menos imaturos, adoram ser amados por toda a gente e são pouco fiáveis nas relações amorosas. Eu ando a testar a coisa, e cada vez a acho mais plausível).

Kundera, em "A Insustentável Leveza do Ser", põe Sabrina a perguntar a Franz: -" Porque é que, de tempos a tempos não te serves da tua força contra mim?. Ao que ele responde com doçura:-" Porque amar é renunciar à força". E Sabrina fica a perceber duas coisas : que aquela frase sendo bela, é verdadeira, Mas também que com ela Franz acabara de desvalorizar a sua vida erótica. É esta a modernidade, é esta a moda.

2.2 No plano da ÉTICA, as pessoas podem distinguir-se por serem tendencialmente ajuízativas ou, pelo contrário, por serem tendencialmente compreensivas. As pessoas tendencialmente ajuízativas tudo sumarizam, tudo sistematizam, tudo valorizam no sentido de tudo avaliarem. Mas, estes factos não seriam importantes não se dera o caso de esta valorização ética ser apenas realizada dentro dos apertados limites do preto e branco. Esquecendo sempre que entre preto e branco se estende a paleta de nuances do arco-íris.
E, por este defeito de captação, tendem a funcionar entre bipolaridades éticas do tipo: o bem versus o mal, o belo versus o feio, o bom versus o mau, o justo versus o injusto, e por aí fora..... Por isso sofrem, em geral, de um deficit de empatia, que não de simpatia, já que não poucas vezes são particularmente simpáticos.
Como diz Júlio Machado Vaz, meu colega e amigo, a nostalgia das certezas espreita com frequência, talvez já não tanto em discursos ideológicos, mas em comportamentos mentais em tudo semelhantes a reflexos rotulianos. Estímulo/ resposta; o cérebro partiu de férias.
É que julgar é não ser capaz de compreender, já que quem compreende fica desarmado para julgar.
Compreender também pressupõe, não a passividade ou a vulnerabilidade do réu frente ao carrasco, mas antes a força de quem é capaz de suportar a ansiedade, sem subterfúgios, da Condição Humana. O primeiro destes subterfúgios da ansiedade própria, é o ajuizamento ou o julgamento alheios. Compreender significa, até certo ponto, a identificação com o Outro, uma aproximação ao Outro e à sua ansiedade . Pelo contrário, julgar  significa pôr distância na relação. Particularmente na relação de enamoramento, onde muito mais que a simplicidade da forma, está em causa a complexidade da substância.
No Cyrano de Bergerac há uma passagem em que Christien se declara a Roxanne, dizendo-lhe: "Je t'aime ". Ao que ela responde, irritadament: " oui, je sais, mais dites-moi comment!".

2.3 Finalmente, no plano da ECONOMIA do amor, há pessoas que são tendencialmente consumistas, e outras que são tendencialmente conservadoras. Também aqui, se poderá dizer que aquilo que se aplica ao amor é mero corolário da economia geral dos afectos.
De facto, todos os afectos são voláteis, mas há uns mais volácteis que outros. Mesmo aqueles que nos habituamos a considerar impolutos e naturais obedecem a essa regra. O amor filial, por exemplo. Este amor muda diacronicamente ( ao longo da vida ) e sincronicamente ( num dado momento ), como sucede por volta dos 15/18 anos. Por essa altura é provável que amemos às vezes, e odiemos outras vezes, algum dos nossos pais. E mesmo o modo como somos amados pelos nossos pais varia qualitativamente.
Temos assim que nos afectos nada é absolutamente seguro. E é provavelmente por isso, que muitas pessoas optam cada vez mais por sugar até ao tutano os afectos dos outros. "Enquanto dura!" - dizem estes consumistas dos afectos.  Na realidade, estamos perante pessoas que não compreendem que é precisamente porque no plano dos afectos nada é definitivo e perene, que é importante o esforço de conservar. Daí a importância do ciúme que é um sentimento que , se razoável, propende à conservação daquilo que já possuímos no plano dos afectos.
É porque, no plano dos afectos e do amor,  nada é definitivo, que a ética kantiana esclarece algo. Porque, já que os afectos brotam para além da nossa vontade, esses mesmos afectos positivos, quando fiáveis, são a forma ética do amor. Mas o amor é todavia, sempre preferência, busca uma atenção pessoal, ser amado por si mesmo, ser sobretudo compreendido. É assim uma espécie desse outro sentimento que é o ...egoísmo.
Pode ser, por isso,  a origem da injustiça.  Por isso, o Cristianismo desconfia do amor profano e da amizade, porque a predilecção, e pior, a paixão, são actos de egoísmo. É por issso mesmo que a ética kantiana copia a noção de Dever do pensamento do amor cristão.
A ética kantiana conclui que como nós não podemos impôr sentimentos ( ninguém é obrigado a gostar de ninguém porque não nos podemos obrigar o dever de amar ), a moral ( mesmo a cristã )  não pode pedir afectos ou amor, mas apenas actos: a fidelidade!
Eu creio que não há acto mais valoroso que o esforço da conducta pessoal contra o natural consumismo dos afectos. E, paradoxalmente, este acto de sacrifício pode ser muito agradável e reconfortante.
É que os consumistas do amor jamais perceberam que há uma diferença fundamental entre a atitude consumista e a de  conforto, para além de o consumismo não nos dar conforto algum: é que enquanto a atitude consumista se baseia num desperdício de algo que é esgotável, a outra vive da sua conservação. Quando me alimento de comida fast-food, em pratos de plástico de usar e deitar fora, isso tem um sabor; quando como no prato que era da minha bisavó estou a cultivar uma dimensão de enamoramento ( com a memória da minha família em mim ), uma dimensão estética ( impressiona a beleza do prato ), e uma dimensão económica ( vou hoje conservá-lo tão bem como o foi até agora, o que vai valoriza-lo para o futuro ).
No filme Kramer contra Kramer há uma passagem em que Ted, o pai, conversa num parque com a sua melhor amiga, que está também separada do conjuge. E Ted pergunta-lhe:" Phelps, o que farias se o teu ex-marido quisesse voltar para casa?". Ao que ela responde:" Ele não me ama, senão não se teria divorciado".
O que está em causa é a noção de sacrifício subjacente à noção de perenidade que é básica no amor.


                           ( vai continuar....pensavam que se viam livres de mim, seus dois poltros e meio ? )

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