Hoje, na qualidade de médico vi-me na contingência de pedir ajuda clínica para um jovem doente que necessitava urgentemente, a meu ver, de um especialista em medicina interna.
Depois de tentar obter ajuda dentro dos meus conhecimentos, e porque estavam de férias, procurei saber se aqui em Vila do Conde não haveria um colega médico com essa especialidade.
Havia uma.
Encontrei-a de urgência no Hospital . Pelo telefone li-lhe as análises que apontavam - na minha opinião -para um quadro grave e pedi-lhe ajuda.
Que sim, que me dirigisse ao seu médico de família, que ele certamente trataria de enviar o doente ( há três semanas com temperaturas na ordem dos 39 º C) , para uma consulta no hospital.
Aparentemente tudo conforme as regras.
Mas será que estas são as regras?
Não me parece. Quando inquiri da colega se poderia ver o doente no seu consultório privado a resposta foi "para o dia seguinte".
Ora, não me parece que a ética sustente casos assim. Não ando preso da imagem do João Semana mas não estou interessado em viver numa sociedade em que episódios destes são cada vez mais frequentes. Repare-se que a minha colega não me disse que não tinha tempo de ver o doente no Hospital onde estava de Urgência. O que ela me convidou a fazer foi a seguir a burocracia mesmo num caso que eu - médico- reputava de grave e urgente.
Com este procedimento burocraticamente irrepreensível , a minha colega conseguia mais um cliente a pagar e menor aporte de dinheiro ao SNS por via do não pagamento da taxa moderadora. Nem questiono aqui se devia ou não manifestar maior interesse do que mostrou quando eu - tão médico como ela - considerei o caso grave e urgente . Isso fica para juízo meu já que é subjectivo.
Fico-me, no entanto a pensar porque é que o comportamento em serviço dos meus colegas médicos mudou tanto. Sou do tempo em que não havia SNS e depois passou a haver. Assisti a este desmoronar do SNS e frieza afectiva de membros de classes que foram classificados por colegas altamente qualificados como " fidalgotes "- no 25 de Abril. Assisto agora a uma aparente subtracção pelo Estado ( e muito bem !) de privilégeos de "casta" de que eu próprio beneficiei imoralmente anos a fio, na medicina, como nõutras profissões também acontece.
E é por isso que comportamentos legais mas , na minha opinião, tão diferentes dos que eram os da ética e deontologia que tudo o indica, entretanto realmente infelizmente mudou, ocorrem cada vez mais. Na medicina como na justiça, educação, etc.
É, em última análisa uma interessante questão psicológica que revela uma pulsão suicida colectiva - muito própria dum povo de características de imaturidade, bipolaridade emocional e grande dificuldade de suportar frustrações. Em boa verdade, o portugûes típico pensa mais ou menos assim:-" Se estes filhos da puta ( referem-se a "eles" , os políticos, mas em geral a todos os outros portugueses), os que andam a suprimir os célebres " direitos adquiridos " e aos outros que também os viram suprimidos , então vão ver como acabam os favores ".... Sendo que entendem por favores descomplicar e desburocratizar a vida de todos.
E nem lhes passa pela cabeça que se todos fazem isso o país perde, mas como o país somos todos nós, somos todos nós que agravamos as nossas condições de vida.
E isto generaliza-se a um ponto em que surgem como cogumelos comportamentos de defesa contra a complicação que nós fazemos da nossa vida. Por exemplo, se formos ao link-in , uma, mais uma forma de "fazer amigos" na Net, podemos encontrar facilmente gente que se apresenta como tendo amigos numa série de instituições ou empresas, tipo " e tem conhecidos na TAP, no Bundesbank , na Sonae e na Camara de Alcobaça".Por exemplo....
Se isto não é um epifenómeno para fugir da burocracia que gera a corrupção ...então não sei o que é. Mas lá que se parece muito com a essencia das organizações mafiosas , parece. E que esta gente não coleciona amigos de forma natural, mas coleciona interesses de forma intencional, também.
Assim Portugal não vai longe.
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