quinta-feira, 24 de junho de 2010

O Ego Substituiu Picasso

 

O ego substitui Picasso

1/12/2010
Numa altura em que os museus públicos têm de reduzir os seus orçamentos, as coleções privadas estão em pleno. Mas a maior parte delas é apenas uma montra individual, em que se perde o papel social das instituições clássicas.







O mês de maio permanecerá como de muito má recordação nos anais dos museus europeus. Na noite de 19 para 20, um desconhecido introduziu-se no Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris e aliviou-o tranquilamente de cinco telas de mestres – um Braque, um Léger, um Matisse, um Modigliani e um Picasso –, num valor total de cerca de cem milhões de euros. Depois do roubo, a grande questão era saber porque tinha o ladrão optado por tais obras-primas, impossíveis de vender no mercado corrente.






A resposta para este enigma chama-se “artnapping” [rapto de obras de arte]: os ladrões pressionam o museu ou as seguradoras, que preferem dar uma soma simpática a um “intermediário” em troca do regresso das obras, em vez de compensarem o proprietário das obras por um montante bastante superior. Só que – e aí é que reside o problema –, no caso do Museu de Arte Moderna de Paris, não há uma seguradora. Os quadros estavam expostos sem seguro nem proteção. E o sistema de alarme parece ter começado a funcionar mal em março…






Coleções privadas conferem estatuto social


Este caso revela, antes de mais, uma perigosa falta de dinheiro nos museus europeus. Está-se a produzir uma cisão no mundo da arte: enquanto as instituições públicas sofrem com as restrições orçamentais e a ausência de mecenas, os museus privados estão em pleno desenvolvimento. Assim, o multimilionário François Pinault, proprietário – entre outras – das marcas Gucci e Yves Saint-Laurent, expõe a sua gigantesca coleção privada em dois sumptuosos museus privados da cidade de Veneza.






Bernard Arnault, proprietário da Louis Vuitton, quer mandar construir um edifício especial para albergar a sua fundação em Paris. Também na Alemanha, as instituições privadas nascem como cogumelos reluzentes e a competição entre colecionadores é dura: desde que Christian Boros transformou um antigo "bunker" berlinense em local de exposições, é o despique para ver quem consegue demonstrar maior excentricidade na encenação de si próprio através da arte. As coleções expostas nesses museus privados tornaram-se símbolos imperiosos de um certo estatuto social.






As relações de força mudaram. Enquanto os colecionadores privados se etilizam em champanhe e festas de inauguração, as instituições públicas estão à beira do abismo. O Hamburger Kunsthalle acaba, precisamente, de comunicar que está à procura de soluções para evitar um encerramento temporário da Galeria do Presente, por razões financeiras. A cidade tem de reduzir 220 mil euros ao seu orçamento... Assiste-se, então, ao fim dos museus públicos?


O fim dos museus como instituições?


Hubertus Gassner, diretor do Hamburger Kunsthalle, traça um quadro muito sombrio da situação. Dantes, os colecionadores propunham obras e financiamentos aos museus públicos. Hoje, preferem ter as suas próprias fundações. A dispersão da sociedade civil marcará o fim dos museus como instituições? Uma coisa é certa: os novos templos do gosto privado não poderão substituir os museus públicos. As grandes coleções privadas apresentam frequentemente uma semelhança impressionante entre si: muitos colecionadores seguem os conselhos de galeristas que lhes recomendam as “obras que interessam”, as que estão em disputa no mercado. A bem dizer, estas coleções formatadas têm pouco a ver com museus, entendidos na aceção de locais da memória visual de uma sociedade, albergando peças escolhidas por debates entre especialistas e apresentadas sob a forma de tese.


Museus como o da cidade de Hamburgo, fundado por cidadãos generosos, eram lugares onde a sociedade civil se podia representar fora dos interesses privados de oligarcas. Só uma instituição pública, com diferentes diretores, conservadores e mecenas, tem condições para oferecer uma coleção tão viva e variada como, por exemplo, a da Neue Nationalgalerie de Berlim. Só neste tipo de lugar se pode avaliar a riqueza da corrente moderna da Berlim dos anos 1920.


Por outro lado, a forte expansão do mercado da arte dos últimos anos revelou uma nova geração de pequenos colecionadores e amadores de arte. Se os museus os souberem tratar bem, podem voltar a ser o que já foram: lugares de acolhimento de formas e representações nas quais uma sociedade projeta a imagem que tem de si.

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