Em dois "posts" aqui colocados intitulados " A Inteligência das Nações e o seu Desenvolvimento " falei de Spengler e de Tonybee. O primeiro anunciou que qualquer civilização ( e já falava a pensar na Europa ) passava por uma fase de crescimento - a fase da cultura - e terminava num processo de declínio - a que chamava a fase de civilização.
Toynbee no seu grande tratado " Um Estudo de História " retomava o tema e chamava a atenção para a importância da Religião sendo até o primeiro a chamar a atenção para o choque entre civilizações cristãs e a muçulmana. Isto há um século.
Tanto um como o outro foram influenciados pelo monstro sagrado da sociologia , Max Weber, que se preocupou imenso em compreender como certos países se desenvolviam mais através do capitalismo que outros.
Os três juntos ( a que se juntou mais tarde esse outro enorme pensador e romancista que foi André Malraux ) achavam que o problema da temporalidade ( a noção subjectiva do tempo - e sobre isto escrevi um post nos inícios deste blog a que chamei a "Parábola do tempo e do relógio" ) que não é o tempo cronológico, estavam na origem de muitos dos "humores" ontológicos da nossa espécie . Spengler disse mesmo, muito antes de Heidegger que o Homem se preocupava com o Devir, enquanto os animais " estavam ancorados no aqui e no agora" e isso mesmo os diferenciava.
Recentemente esta questão voltou às preocupações de filósofos e politólogos, bem como dos psicólogos sociais, e um professor de Literatura e filósofo de nomeada, Samuel Weber, tem aprofundado a questão. E ela não é de somenos.
Já aqui disse que um dos factores ( o outro é o Poder e a sua noção ) que vai ditar o nosso futuro é a questão da temporalidade. A qual recorda de imediato a célebre frase de Benjamim Franklin : "tempo é dinheiro!"
Pois S.Weber , numa recente conferência, achou por bem provocar a plateia com o título inverso:-" Money is Time !".Assim inverteu o pressuposto de todos , segundo o qual o protestantismo com a Reforma calvinista que ocorreu no centro e norte da Europa estaria na base do aproveitamento da então revolução industrial nascente, dando aos ingleses , holandeses , alemães e outros nórdicos um avanço enorme em relação ao resto do mundo. A tese era a de que o enriquecimento era ,para os protestantes, visto como um sinal de salvação. De resto quando vemos um filme americano ou nórdico, até um do far-west em que a família antes de se sentar a comer dá Graças a Deus pelas boas colheitas ou a riqueza que lhe permite comer peru em vez de feijões, temos um espelho chapado do que quero dizer. E isto , se conjugado à influência que nesses países teve a filosofia de Kant (e do Dever kantiano ) ajuda , de facto , a entender melhor como povos tão arcaicos como os da Noruega, Suécia ou Alemanha ( com ou sem matétias-primas - carvão e ferro ) se adiantaram no contexto das nações.
E também ajuda a entender como os latinos , ao contrário , escondiam a sua riqueza, como se de um pecado se tratasse ; e como os nórdicos têm compaixão ( que os obriga à solidariedade ) e como os latinos católicos se ficam pelo ter-pena-de ( que os obriga à esmola, simplesmente).
2. A Crise
A crise que o mundo capitalista vive não é a primeira. No séc. XV na Holanda surgiu uma enorme crise capitalista que tinha como objecto a especulação de bolbos de tulipas; as tulipas e seus bolbos que haviam sido trazidas do oriente por nós portugueses, chegaram á Holanda pela mão dos exércitos do Duque d'Alba comandante das tropas dos reis Filipes de Espanha ( e Portugal ocupado ) e chegaram a ser vendidas e revendidos dez vezes por dia ( o mesmo bolbo ) sempre por preços escandalosamente mais altos...até que após seis meses de delírio especulativo a coisa faliu, não havia compradores para os bolbos mas havia uma multidão de falidos famintos ( ver George Cooper: "A O rigem das Crises Financeiras").
E porque não é a primeira, podemos "captar" nesta questão do dinheiro um certo cheiro a Deus. Explico-me. Quando o vígaro Bernard Madoff levou milhares à falencia há tres anos clamava que era Deus; mas quando muitos dos roubados eram ouvidos diziam, como foi o caso do escritor judeu Elie Wiesel, "Nós pensávamos que ele era Deus!".
Ou seja, parece haver uma dimensão de teologia na questão do dinheiro. A minha experiência clínica deu-me um informação preciosa sobre o modo como as gentes lidam com o dinheiro sendo que o maior fascínio do dinheiro é o dinheiro gerar dinheiro: daí a frase de Weber , dinheiro é tempo!.
Em boa verdade a tradição cristã esforça-se por pensar o tempo como um infinito, uma perenidade. Não morremos porque vamos para o Céu, ou viveremos por reincarnação ( nem que seja num piri-lampo, como acham espíritas e não só ). E isto tem lógica já que Deus só pode ser entendido como uma Entidade única na intemporalidade e e na imortalidade, mas, e sobretudo como um criador de criaturas imortais, mas que se tornam mortais por via da culpa e do pecado.
Já antes da actual crise ser despoletada, a falência da EMRON , nos Estados Unidos tinha sinalizado que o sistema ( capitalista ) seguia sem regras nem rumo certo e que funcionava exclusivamente para produzir mais lucro , mais dinheiro para um número restrito de pessoas . O lema era : UM MÁXIMO DE LUCRO NUM MÍNIMO DE TEMPO.
E isto também obedecia a uma lógica que era o que não cresce morre!. O próprio Marx escreveu no CAPITAL, a sua grande obra, que o capitalismo era algo para o qual cada limite era uma fronteira que devia ser ultrapassada. E foi-o. Basta ver como todos os gestores, administradores, gerentes nem que fosse de tremoços tentavam enganar o tempo de modo a esticá-lo para se Deificarem aos olhos dos outros e recheio dos seus bolsos.
3 - É por tudo isto que comungo da ideia de que a grande diferença do cristianismo ( a partir da Reforma de Calvino ) em relação ao judaísmo, é a ideia cristã de que um cristão pode cair no pecado mas é possível salvá-lo. E é também por tudo isto que que o capitalismo deve ser considerado não meramente como o efeito duma religião, mas como uma manifestação religiosa em si mesma, respondendo às mesmas preocupações e problemas de uma religião. E é curioso que Franklin invoque o juro como a característica principal da religião capitalista mais que a exploração do trabalho-social, que em Marx era o factor decisivo da produção da mais-valia.
E, finalmente, e enquanto psiquiatra, questiono-me, se, aquilo que até agora tem sido apresentada ao mundo como causa da actual Grande Recessão - ou seja o sentimento de avareza - pode considerar-se como tal e como a origem de todos os males ou excessos da capitalismo num contexto duma sociedade assim.
Questiono-me sobre isto, mas entendo e acho que , como Spengler e Toynbee, que estamos na fase de declínio da nossa civilização, que esta ( como se vê por todo o lado) não quer aprender com os excessos do passado ( a tendência para a hipertelia está absolutamente presente ) e que a quantidade que se sucedia à qualidade como dizia Spengler, está aí e é um péssimo sinal.
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