terça-feira, 24 de agosto de 2010

CRISE PARA DURAR ANOS

O índice bolsista de Dublin caiu terça-feira quase 6%, o ponto mais baixo desde Julho de 2009. A probabilidade de default da dívida soberana irlandesa subiu, de novo, situando-se acima de 23% e consolidando o 8º lugar no TOP 10 mundial do risco de incumprimento.

Desde 9 de agosto que as yields (remunerações) das obrigações irlandesas a 10 anos ultrapassaram as portuguesas e que a probabilidade de default do país ultrapassou, também, a de Portugal. A 16 de agosto, a Irlanda entrou para o clube de maior risco, de onde Portugal havia saído em 29 de junho, e onde re-entrou hoje, terça-feira. As yields de obrigações irlandesas com maturidades a 10 anos subiram hoje, terça-feira, para os 5,36%, acima das portuguesas (5,25%, que desceram em relação a ontem) e mais de 3 pontos percentuais acima das remunerações das ‘Bunds’ do estado alemão. O que significa um agravamento das condições de crédito a mais longo-prazo.

Entretanto, a agência de notação Standard & Poor’s baixou o rating da Irlanda de AA para AA- com outlook negativo, alegando a gravidade da situação do sistema bancário irlandês e das implicações da gestão deste problema para a flexibilidade orçamental de médio-prazo.

Marc Coleman, colunista do The Sunday Independent, editor de um programa de rádio sobre economia e autor de vários livros sobre a economia irlandesa, recusa uma visão imediatista sobre a situação crítica por que está a passar a Irlanda.
No final da sessão bolsista de hoje, terça-feira, em Dublin, sublinhou-nos que reagir a quente a eventos isolados pode destruir a confiança e auto-alimentar o pessimismo.
A volatilidade de hoje derivou do mau desempenho de um grande grupo de construção, a CRH (Celtic Resources Holdings Plc, envolvida em algumas polémicas ao longo dos anos), que tem um forte impacto no índice bolsista irlandês.

Excedente na balança de pagamentos

Por isso, Coleman propõe que se refocalize a atenção nos “fundamentais” do seu país que são mais sólidos do que os de outros companheiros do grupo designado por PIIGS que tem estado sob pressão dos especuladores.

“A Irlanda é o único dos cinco países que terá um excedente saudável na balança de pagamentos”, sublinha. O país mantém uma dinâmica de exportação assinalável e de alto valor acrescentado, que já não se resume à computação, não sendo este setor sequer o dominante. Sublinhe-se, ainda, diz o nosso interlocutor, que todo o high-tech irlandês “depende hoje mais da retoma na Ásia e na Europa do que nos Estados Unidos”, ameaçados por um pessimismo crescente de que entrarão em double-dip.
Abordando a questão do défice orçamental, que rondará os 21 mil milhões de euros este ano, cerca de 12,5% do PIB estimado para 2010 (um défice que será quase uma vez e meia superior ao oficialmente definido como objetivo para Portugal), Coleman “disseca-o”: “É composto em 1/3 por investimento de capital e noutro terço por um défice cíclico, que caso ocorra uma retoma deverá desaparecer por volta de 2014. O remanescente, o défice estrutural, é da ordem dos 7 mil milhões”.
Marc sublinha, de seguida, o esforço político feito pelo governo irlandês: “Apreciando a correção estrutural de cerca de 3 mil milhões só no último orçamento, o problema terá sido reduzido para metade quando se iniciar o próximo orçamento”. E acrescenta: “O ajustamento feito nos dois últimos anos fiscais atinge os 5% do PIB e é o maior de todos os países europeus nos tempos recentes e provavelmente durante a história orçamental moderna”.

O suporte otimista de toda esta análise: os 3% de crescimento real esperado para 2011, um número que será “o dobro da média da zona euro”.

Segundo muitos analistas, o problema crítico irlandês é o sistema bancário que esteve fortemente envolvido na alavancagem de uma “bolha” especulativa sem precedentes, centrada no imobiliário, que conduziu a uma acumulação de “lixo tóxico” que, segundo várias estimativas, é mais de 50% do PIB. Se a malha dos testes de stresse ao sistema bancário realizados em julho fosse apertada, como o fez o Citi numa simulação alternativa divulgada três dias depois dos resultados anunciados pelo Banco Central Europeu, nenhum dos bancos irlandeses passaria.
Manter sangue frio
A postura que Coleman recomenda face ao mau período porque está a passar o ex-tigre Celta é, no entanto, clara: “Mantendo o sangue frio não nos livra de uma recessão global se for isso que vai ocorrer. Mas ajudará, certamente, uma retoma se for isso que estiver em armazém. Também ajudará a antecipar uma situação interina em que uma retoma seja possível, mas que poderá ir por água abaixo por falta de confiança”.

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