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Manuel Caldeira Cabral
Crónica de uma competitividade anunciada
Mark Twain, reagindo a notícias sobre a sua morte, terá respondido que estas eram claramente exageradas. A morte anunciada da competitividade portuguesa baseou-se demasiado num olhar superficial. Olhando dentro da caixa vemos que há sectores com...
Mark Twain, reagindo a notícias sobre a sua morte, terá respondido que estas eram claramente exageradas. A morte anunciada da competitividade portuguesa baseou-se demasiado num olhar superficial. Olhando dentro da caixa vemos que há sectores com um crescimento sólido há mais de uma década, que hoje são maioritários, e sectores em decadência, com cada vez menor peso. A recuperação recente pode, em parte, ser explicada por isso.
A história da competitividade portuguesa na última década e meia tem sido resumida a uma caixa com três ou quatro indicadores. A taxa de crescimento das exportações foi baixa (em geral abaixo dos 3% ao ano), as exportações em percentagem do PIB entre 1995 e 2005 ficaram paradas nos 28% do PIB, o País perdeu quotas de mercado em vários dos seus mercados mais importantes. A caixa, com a excepção dos anos entre 2005 e 2007, cresceu pouco.
A evolução dos custos unitários do trabalho face à União Europeia, que no final da década de noventa foi muito desfavorável, faz com que estes apareçam como o culpado da baixa performance das exportações portuguesas neste período.
O aumento dos salários acima do aumento da produtividade (e consequente aumento dos custos unitários) no final da década de noventa poderia, assim, explicar a evolução das exportações e, acrescentam alguns, a manutenção do défice externo, durante toda a década e meia iniciada em 1995, em níveis próximos dos 9% do PIB.
No entanto, a evolução destes agregados macroeconómicos esconde evoluções sectoriais muito díspares. Nos últimos quinze anos as exportações de bens de baixa tecnologia cresceram menos de 1% ao ano, enquanto as exportações de bens de média e alta tecnologia cresceram mais de 6% ao ano e as exportações de serviços cresceram quase 8% ao ano, destacando-se as de serviços tecnológicos, que nos últimos cinco anos cresceram mais de 25% ao ano.
No início da década de noventa os principais sectores exportadores de Portugal eram os sectores de baixa tecnologia. Estes representavam quase dois terços das exportações de bens e mais de metade das exportações de bens e serviços.
Hoje a exportações de bens de baixa tecnologia representam apenas 24% do total. Estes sectores continuam em queda. Mas hoje essa queda tem um efeito de arrastamento muito mais reduzido no total das exportações.
No início dos anos noventa, Portugal exportava principalmente bens baseados em mão-de-obra barata, nos quais se destacavam os têxteis, o vestuário e o calçado, entre inúmeros outros bens de baixa qualidade e valor.
Estes sectores foram os que ficaram mais expostos à concorrência directa dos produtos da China, aos quais a Europa se foi abrindo, ao mesmo tempo que novos sectores que então emergiam foram fortemente abalados pelo processo de alargamento, que começou em meados dos anos noventa, com acordos comerciais e deslocação de IDE a precederem o já então esperado alargamento.
Estes dois choques externos (a Ásia e o alargamento a Leste) determinaram o baixo crescimento das exportações e do PIB em toda a "década perdida". Aliás, se olharmos para as regiões portuguesas, vemos claramente que a região mais fortemente especializada em bens expostos à concorrência asiática (a Região Norte) foi a que mais sofreu durante esta década, em que se tornou a mais pobre de Portugal, enquanto regiões com uma especialização em serviços, e em particular no turismo, como é o caso do Algarve e da Madeira, conseguiram registar uma convergência com a UE, numa década difícil.
Olhando para dentro da caixa, o que se vê é que Portugal tem um conjunto de sectores que na última década cresceram entre 6 a 10% - sectores que há 15 anos eram apenas uma parte limitada das nossas exportações, mas que hoje representam mais de três quartos das nossas exportações. O crescimento destes sectores, em que se incluem o turismo, os serviços tecnológicos e várias indústrias de média e alta tecnologia, não foi o de um tigre asiático, mas foi um bom crescimento.
O que é interessante no olhar para dentro da caixa da competitividade, em vez de a observar apenas do exterior, é que as mudanças que ocorreram podem explicar, pelo menos em parte, a inesperada retoma das exportações que está a ocorrer na saída da crise.
De facto, o crescimento das exportações de bens de 5% em Janeiro, 12% em Fevereiro e de mais de 20% em Março é em parte explicado pela alteração da estrutura de exportações e pela evolução que o País está a conseguir na conquista de novos mercados, fugindo à sina do baixo crescimento dos mercados europeus.
Os dados do primeiro trimestre para os bens e também para os serviços, e as indicações que já existem sobre a evolução em Abril, tornam inevitável que as instituições internacionais, que até há pouco tempo previam crescimentos das exportações portuguesas entre 1.3 e 3.8% em 2010, estejam a rever estes números.
A alteração da estrutura sectorial e dos mercados das exportações portuguesas pode ser o garante de um crescimento saudável da economia portuguesa em 2010, contrariando o efeito recessivo que as medidas de consolidação terão no segundo semestre. Mas, principalmente, a evolução da última década e meia e do primeiro trimestre de 2010 mostram que as crónicas sobre a morte da competitividade portuguesa eram claramente exageradas.
Departamento de Economia, Universidade do Minho
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