Há duas semanas propus aqui uma resposta fiscal à crise em Portugal de efeito imediato. Consistia, por um lado, em diminuir (ou mesmo eliminar) a contribuição do empregador para a segurança social (TSU) (1)para reduzir os custos das empresas e torná-las competitivas. Por outro lado, aumentar o IVA, estendendo-o a todos os bens a uma taxa única de 20%, eliminando os regimes especiais e a isenção da habitação (eliminando o IMT em troca). Uma alternativa mais suave seria reduzir o TSU e aumentar proporcionalmente as taxas de todos os regimes do IVA, do IMT, e um imposto sobre as rendas.
Esta medida tem duas virtudes. Primeiro é equivalente a uma desvalorização cambial feita pela avenida fiscal. Logo, estimula as exportações e penaliza as importações, aumentando o PIB e reduzindo o nosso défice externo. Segundo, aumentar o imposto sobre o consumo estimula a poupança, ajudando a combater o nosso endividamento. As duas medidas combinadas, feitas na medida certa, têm zero efeito no défice público.
Nicolau Santos no último "Expresso" pediu que se estudasse melhor esta proposta. Para avançar a discussão, aqui ficam o que penso serem os quatro principais problemas:
1. Aumenta a desigualdade. Os ricos poupam mais que os pobres. Logo, qualquer aumento do IVA recai sobre uma maior parcela do rendimento dos pobres. Note--se que isto é inevitável: qualquer medida que promova a poupança tem este efeito. Pode-se no entanto combatê-lo alterando também o IRS. Permitir mais deduções fiscais associadas às poupanças, e escalonadas com os rendimentos, neutraliza o efeito na desigualdade sem afectar a eficácia da proposta.
2. Aumenta o custo de vida. O preço dos bens importados aumenta, logo os portugueses ficam mais pobres. Novamente, isto é inevitável e intrínseco a qualquer desvalorização. Ao mesmo tempo, a médio prazo os salários vão subir na mesma medida que a TSU desceu, recuperando esta perda.
3. A desvalorização é temporária. Assim que os salários subirem, o efeito competitivo desaparece. Mas fica o efeito de estímulo à poupança. Se este aumenta o investimento e promove o crescimento económico, ficamos todos mais ricos permanentemente.
4. Distrai-se a atenção das reformas essenciais. No ensaio original já apontava esta preocupação. Para Portugal voltar a crescer temos de fazer reformas estruturais: flexibilizar o mercado de trabalho, reformar o sistema de justiça, aumentar a concorrência, reduzir custos de transporte e dependência energética, e reduzir a despesa pública. Todos os economistas credíveis já repetiram isto vezes sem conta. Nenhuma engenharia fiscal substitui a necessidade urgente destas reformas.
Não há soluções perfeitas, mas ainda estamos a tempo de escolher o nosso caminho, em vez de deixar que seja imposto de fora pelo FMI ou pela UE.
Pofessor Ricardo Reis, no i de 29/5/2010
Professor de Economia, Universidade de Columbia
(1) A T.S.U. mais conhecida como Taxa Social Única é de 23,75% do ordenado do trabalhador descontado pelo patrão como encargo para a Segurança Social. Resta-me saber como é que poderia ser resolvido o problema da sustentabilidade da mesma, dando de barato que em qualquer caso a Segurança Social vai vêr restringido o âmbito das suas coberturas ( Nota do Autor deste Blog ).
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