Quando “se governa por analogia”, como diz Jean-Pisani-Ferry, diretor do Bruegel, um think tank europeu, o resultado desemboca “numa trapalhada”. As projecções da OCDE apontam, agora, para uma desaceleração em 2011 tanto no PIB mundial como no comércio internacional. A assimetria gritante de ritmos de crescimento entre, por um lado, uma boa parte dos países desenvolvidos e, por outro, os emergentes e mesmo outros desenvolvidos é crescente, o que fez regressar do baú da história económica o medo de uma recaída na recessão (double-dip, na designação em inglês) em muitas economias desenvolvidas com potencial de contágio global.
O “Livro Bege” da FED falou, recentemente, de “uma profusão de sinais de abrandamento em relação aos períodos anteriores” e a sondagem da semana passada do instituto alemão ZEW revela um índice negativo de expectativa dos investidores em relação ao andamento da economia alemã, o motor da União Europeia e da zona euro.
Alguns mais pessimistas admitem que os Estados Unidos e a Zona Euro imitem a síndrome japonesa, com uma anemia de 1% de crescimento médio decenal. Com um problema adicional no que toca a União Europeia, levantado por um manifesto de economistas franceses de inspiração Keynesiana este mês: o facto de, no conjunto, a União estar pouco aberta sobre o exterior. Os países membros da EU têm por principais clientes e concorrentes os “colegas”. Uma redução massiva de despesas públicas simultânea em conjugação com políticas mercantilistas dos mais abertos ao exterior pode gerar um efeito bola de neve, avisam esses economistas. Outra particularidade é o facto de a economia real europeia depender para o seu financiamento em 80% do sistema bancário – e não do mercado de capitais, como é o caso da americana.
Ao desenho optimista em “V” da crise mundial substitui-se o “W”. Os mais pessimistas agitam mesmo um cenário em “L”, ou seja uma longa cauda de depressão, apesar dos sábios do NBER acharem que já se procedeu à inversão de dinâmica, que já se ultrapassou o que, tecnicamente, se designa por trough (vala, em que se passa de um período de depressão para uma retoma económica).
O medo não largou o edifício
Revelando que a economia real não está “convicta” da luz ao fundo do túnel para breve, e que o mundo da finança continua mergulhado na especulação, os sinais estão à mostra.
“O medo não largou o edifício”, diz Peter Cohan. O sinal mais óbvio é o do preço da onça de ouro, que subiu 33% desde Janeiro de 2008 e se aproxima do recorde nominal de 1300 dólares, indicando o papel de refúgio deste metal precioso. A especulação nas outras commodities continua ao rubro provocando oscilações “selvagens” dos preços com impactos dramáticos de um sobe e desce que inflaciona, por vezes, o dia-a-dia dos consumidores (gerando inclusive revoltas contra a carestia de vida), e deflaciona, outras vezes, os rendimentos dos países produtores e exportadores. Como exemplo, o Banco Mundial referiu que a América Latina é um dos continentes vulneráveis a esta volatilidade: Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela recebem entre 10% e 49% dos seus rendimentos da venda de commodities agrícolas, metais e petróleo e gás.
No mercado dos derivados financeiros ligados à dívida soberana rebentou uma onda de especulação em torno do disparo das probabilidades de default (incumprimento) num horizonte de cinco anos, com particular destaque para cinco países da zona euro (os humoristicamente chamados de PIIGS) e outros três membros da União Europeia, a Hungria, Roménia e Letónia.
Terapia europeia falha
A intervenção do Fundo Monetário Internacional na Grécia à beira de default no fim de semana de 7 a 9 de maio, a criação do Fundo de Estabilização do euro, a divulgação dos testes de stresse dos 91 bancos europeus e o papel de “bombeiro” financeiro do Banco Central Europeu (BCE) deveriam ter “acalmado” a situação – mas isso não está a acontecer. As próprias formas do BCE actuar como financiador de último recurso são cada vez mais “criativas”, referia esta semana o Eurointelligence.
O problema de endividamento público excessivo em diversos países regressou, assim, à ribalta, bem como a tomada de consciência da diminuição drástica do “espaço orçamental”, ou seja da margem de manobra das políticas Keynesianas por via governamental, e da armadilha da taxa de juro de referência manipulada pelos Bancos Centrais, já na “cave” (em muitos casos com juros reais negativos), como referem, com ironia, alguns analistas.
Os longos períodos de adaptação do sistema financeiro permitidos pela legislação aprovada pelo Congresso americano e sugeridos também pelas orientações de Basileia III trazem um risco acrescido. “Caso o sistema bancário não seja regulado adequadamente, o capital financeiro move-se em ciclos de expansão e de contracção de 8 a 10 anos e um novo pode estar em gestação agora. Se as exigências de aplicação de diversos rácios de capital dos bancos se arrastarem entre 2015 e 2023, como se ouviu referir nas conclusões em Basileia, deveremos esperar um processo de expansão e colapso económico entre hoje a aquela data mais afastada”, diz-nos Peter Cohan, subindo o tom de preocupação.
Só, na semana passada, os ministros das Finanças discutiram um documento confidencial de 10 páginas apresentado pelo presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e se decidiram por instituir um trio de agências de regulação e iniciar uma “coordenação das políticas orçamentais e económicas”.
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