O líder do partido grego Syriza, Alexis Tsipras, propôs uma conferência europeia sobre a dívida soberana, organizada nos mesmos moldes que a Conferência de Londres de 1953 que perdoou quase 63% da dívida da Alemanha no pós-guerra.
“A única solução viável é um corte-de-cabelo (hair cut) não só para a Grécia mas para toda a periferia do Sul, pelo que propomos uma conferência nos moldes da que se realizou em Londres em 1953, que perdoou cerca de 60% da dívida alemã”, afirmou, recentemente, Alexis Tsipras, líder do Syriza (Esquerda radical) e da oposição parlamentar grega, ao jornal inglês “The Guardian”. Para o segundo partido mais votado nas eleições antecipadas de julho na Grécia, e que recolhe atualmente o maior número de intenções de voto nas sondagens, não importa onde tal conferência se possa realizar, “mas deve acontecer o mais rápido possível”. Artur Baptista da Silva, coordenador do Observatório Económico e Social para o Sul da Europa criado pelas Nações Unidas, e que lidera uma equipa internacional de sete economistas que apresentaram propostas de resolução das crise da dívida em nome do secretário-geral Ban Ki-moon, vê com bons olhos esta iniciativa.
Por seu lado, Constantin Gurdgiev, um economista russo radicado em Dublin, e um dos blogueiros internacionais mais ativos nos assuntos da atual crise, concorda que esse caminho pode ser o “primeiro passo para uma resolução efetiva desta crise da dívida”. A realidade, diz Gurdgiev, aponta para uma alternativa à condução do problema por Bruxelas (sede da Comissão Europeia) e Frankfurt (sede do Banco Central Europeu). “Depois de 30 cimeiras, é agora claro para qualquer um que as instituições europeias não estão talhadas para resolver este problema. Só um esforço concertado e estruturado por todos os países europeus pode criar uma oportunidade viável para solucionar a crise da dívida da zona euro”.
Conferência de Londres retoma estratégia de Keynes
Na Conferência de Londres de 1953, os credores da Alemanha, liderados pelos Estados Unidos, resolveram inverter a estratégia seguida após a Iª Guerra Mundial que sufocou a Alemanha. O que gerou um efeito em cadeia de incumprimento das dívidas de diversos países europeus no período entre as duas guerras e fases quer de hiperinflação como de austeridade extrema, sobretudo na Alemanha. Os EUA acabariam por seguir no final dos anos 1940, com quase quatro décadas de atraso, as recomendações feitas pelo economista inglês John Maynard Keynes no seu livro “As Consequências Económicas da Paz” publicado em 1919. Keynes tinha participado nas negociações do Tratado de Versalhes em 1919 como membro da delegação do Tesouro britânico e acabaria por se demitir em protesto com as soluções draconianas adotadas face à Alemanha.
No âmbito da estratégia norte-americana que conduziria ao Plano Marshall (entre 1947 e 1951), Washington começou por perdoar parcialmente a dívida francesa e depois belga. Em outubro de 1950, uma troika de países – EUA, Reino Unido e França – concordou num projeto de redução da dívida alemã, que acabaria por ser assinado em Londres a 27 de fevereiro de 1953 implicando um hair cut de 62,6%. O acordo envolveria também outros credores, como a Bélgica, Holanda, Suécia e Suíça. Além desse corte, a conferência decidiu que “a Alemanha deveria pagar a dívida mas sem ficar mais pobre”, refere o professor belga Eric Toussaint, presidente do Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM). A aposta era numa estratégia de crescimento apoiada nas exportações e na substituição de importações, que passou por aceitar que o serviço de dívida não excedesse anualmente 5% das exportações – na realidade, em média, situou-se em 4,2%. Além disso, a Alemanha poderia pagar a maior parte da dívida na sua moeda (o marco, aliás fortemente desvalorizado). Os EUA realizaram, ainda, doações avultadas à Alemanha entre 1948 e 1961 num total de 1,4 mil milhões de dólares. Berlim acabaria por saldar a dívida em 1960. O acordo de Londres permitia, ainda, a possibilidade de suspender e renegociar as condições no caso de alterações substanciais no comportamento da economia, e declarava que, em caso de litígio, os Tribunais alemães eram competentes.
Viabilidade política
“O problema, diz-nos Nick Malkoutzis, diretor-adjunto da edição inglesa do jornal grego “Kathimerini”, é que “os atores chave não concordarão nunca com tal proposta”. E, mesmo da parte dos principais interessados, não se vê a possibilidade de criação de uma frente comum sobre o assunto. Cada um dos resgatados ou em vias de o ser “não quer ser associado com a Grécia”. A tática de cada um deles é o oposto e não se cansam de repetir “não somos como a Grécia”, lamenta o editor grego. O jornal “Kathimerini” tem sido, através da sua edição internacional em inglês na web, a fonte de referência sobre a evolução da crise grega.
Entretanto, refira-se que o “ambiente” global acerca do que se passa na zona euro tem dado sinais de cansaço por parte das outras grandes economias em relação aos resultados da política de austeridade advogada pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. As próprias Nações Unidas, através da equipa de especialistas do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) teme o agravamento das condições políticas e sociais na periferia da Europa, criando um problema geopolítico grave em toda a zona do Mediterrâneo e dos Balcãs.
A mais recente crítica explícita veio do relatório anual do Tesouro norte-americano acerca de violações nas taxas de câmbio à escala mundial, onde a Alemanha e a Holanda são apontadas como mantendo as suas estratégias mercantilistas, conservando os mais altos excedentes externos do mundo (juntamente com a Suíça, neste caso, por razões específicas da sua posição internacional como refúgio financeiro de eleição), ao contrário da correção de políticas que tem realizado a China. “O regime de austeridade da zona euro aplicado no Sul sem uma compensação com estímulos por parte do Norte está a gerar um enviesamento recessivo, aprisionando a retoma global”, afirma o relatório, o que leva o jornal inglês “Daily Telegraph”, que o divulgou, a concluir que os Estados Unidos passaram a considerar a Alemanha o “vilão” desta fita.
“A única solução viável é um corte-de-cabelo (hair cut) não só para a Grécia mas para toda a periferia do Sul, pelo que propomos uma conferência nos moldes da que se realizou em Londres em 1953, que perdoou cerca de 60% da dívida alemã”, afirmou, recentemente, Alexis Tsipras, líder do Syriza (Esquerda radical) e da oposição parlamentar grega, ao jornal inglês “The Guardian”. Para o segundo partido mais votado nas eleições antecipadas de julho na Grécia, e que recolhe atualmente o maior número de intenções de voto nas sondagens, não importa onde tal conferência se possa realizar, “mas deve acontecer o mais rápido possível”. Artur Baptista da Silva, coordenador do Observatório Económico e Social para o Sul da Europa criado pelas Nações Unidas, e que lidera uma equipa internacional de sete economistas que apresentaram propostas de resolução das crise da dívida em nome do secretário-geral Ban Ki-moon, vê com bons olhos esta iniciativa.
Por seu lado, Constantin Gurdgiev, um economista russo radicado em Dublin, e um dos blogueiros internacionais mais ativos nos assuntos da atual crise, concorda que esse caminho pode ser o “primeiro passo para uma resolução efetiva desta crise da dívida”. A realidade, diz Gurdgiev, aponta para uma alternativa à condução do problema por Bruxelas (sede da Comissão Europeia) e Frankfurt (sede do Banco Central Europeu). “Depois de 30 cimeiras, é agora claro para qualquer um que as instituições europeias não estão talhadas para resolver este problema. Só um esforço concertado e estruturado por todos os países europeus pode criar uma oportunidade viável para solucionar a crise da dívida da zona euro”.
Conferência de Londres retoma estratégia de Keynes
Na Conferência de Londres de 1953, os credores da Alemanha, liderados pelos Estados Unidos, resolveram inverter a estratégia seguida após a Iª Guerra Mundial que sufocou a Alemanha. O que gerou um efeito em cadeia de incumprimento das dívidas de diversos países europeus no período entre as duas guerras e fases quer de hiperinflação como de austeridade extrema, sobretudo na Alemanha. Os EUA acabariam por seguir no final dos anos 1940, com quase quatro décadas de atraso, as recomendações feitas pelo economista inglês John Maynard Keynes no seu livro “As Consequências Económicas da Paz” publicado em 1919. Keynes tinha participado nas negociações do Tratado de Versalhes em 1919 como membro da delegação do Tesouro britânico e acabaria por se demitir em protesto com as soluções draconianas adotadas face à Alemanha.
No âmbito da estratégia norte-americana que conduziria ao Plano Marshall (entre 1947 e 1951), Washington começou por perdoar parcialmente a dívida francesa e depois belga. Em outubro de 1950, uma troika de países – EUA, Reino Unido e França – concordou num projeto de redução da dívida alemã, que acabaria por ser assinado em Londres a 27 de fevereiro de 1953 implicando um hair cut de 62,6%. O acordo envolveria também outros credores, como a Bélgica, Holanda, Suécia e Suíça. Além desse corte, a conferência decidiu que “a Alemanha deveria pagar a dívida mas sem ficar mais pobre”, refere o professor belga Eric Toussaint, presidente do Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM). A aposta era numa estratégia de crescimento apoiada nas exportações e na substituição de importações, que passou por aceitar que o serviço de dívida não excedesse anualmente 5% das exportações – na realidade, em média, situou-se em 4,2%. Além disso, a Alemanha poderia pagar a maior parte da dívida na sua moeda (o marco, aliás fortemente desvalorizado). Os EUA realizaram, ainda, doações avultadas à Alemanha entre 1948 e 1961 num total de 1,4 mil milhões de dólares. Berlim acabaria por saldar a dívida em 1960. O acordo de Londres permitia, ainda, a possibilidade de suspender e renegociar as condições no caso de alterações substanciais no comportamento da economia, e declarava que, em caso de litígio, os Tribunais alemães eram competentes.
Viabilidade política
“O problema, diz-nos Nick Malkoutzis, diretor-adjunto da edição inglesa do jornal grego “Kathimerini”, é que “os atores chave não concordarão nunca com tal proposta”. E, mesmo da parte dos principais interessados, não se vê a possibilidade de criação de uma frente comum sobre o assunto. Cada um dos resgatados ou em vias de o ser “não quer ser associado com a Grécia”. A tática de cada um deles é o oposto e não se cansam de repetir “não somos como a Grécia”, lamenta o editor grego. O jornal “Kathimerini” tem sido, através da sua edição internacional em inglês na web, a fonte de referência sobre a evolução da crise grega.
Entretanto, refira-se que o “ambiente” global acerca do que se passa na zona euro tem dado sinais de cansaço por parte das outras grandes economias em relação aos resultados da política de austeridade advogada pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. As próprias Nações Unidas, através da equipa de especialistas do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) teme o agravamento das condições políticas e sociais na periferia da Europa, criando um problema geopolítico grave em toda a zona do Mediterrâneo e dos Balcãs.
A mais recente crítica explícita veio do relatório anual do Tesouro norte-americano acerca de violações nas taxas de câmbio à escala mundial, onde a Alemanha e a Holanda são apontadas como mantendo as suas estratégias mercantilistas, conservando os mais altos excedentes externos do mundo (juntamente com a Suíça, neste caso, por razões específicas da sua posição internacional como refúgio financeiro de eleição), ao contrário da correção de políticas que tem realizado a China. “O regime de austeridade da zona euro aplicado no Sul sem uma compensação com estímulos por parte do Norte está a gerar um enviesamento recessivo, aprisionando a retoma global”, afirma o relatório, o que leva o jornal inglês “Daily Telegraph”, que o divulgou, a concluir que os Estados Unidos passaram a considerar a Alemanha o “vilão” desta fita.
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