O Banco Central Europeu (BCE) vai reunir o seu conselho de governadores em Barcelona a partir de 2 de maio. Com a dívida espanhola no foco de atenção dos investidores e com as recentes declarações do presidente do BCE no sentido de juntar ao “pacto orçamental” (fiscal compact) um “pacto pelo crescimento” (growth compact), a habitual conferência de imprensa de Mário Draghi após a reunião de governadores vai ter um interesse redobrado.
O vendaval nos juros da dívida espanhola rivalizou nas últimas semanas com as ondas de choque da caçada africana do septuagenário rei Juan Carlos de Borbón.
Entretanto confirmou-se que o país entrou em recessão “técnica” (dois trimestres sucessivos com queda do PIB) com a divulgação de que a economia contraiu 0,3% no primeiro trimestre deste ano.
O regresso, a 23 de abril, ao patamar dos 6% nos juros das obrigações espanholas a dez anos no mercado secundário desencadeou, de novo, os temores sobre a proximidade de um plano de resgate da troika para Madrid. O máximo foi atingido a 25 de novembro do ano passado com os juros a chegar aos 6,7%, próximo do limiar dos 7%, que é tido como ponto de não retorno para uma intervenção externa.
O nervosismo no mercado de seguros contra o risco de incumprimento (designados por credit default swaps) levou, a 23 de abril, o preço destes derivados financeiros à proximidade do máximo histórico de 16 de abril, quando chegou a 510,58 pontos base. Isto equivale a ter de se pagar 510 mil dólares por ano para segurar 10 milhões de dólares em títulos de dívida emitidos pelo Tesouro espanhol. Portugal já passou por esta passadeira no último trimestre de 2010.
O aquecimento recente da situação em Espanha deveu-se a três fatores – a ausência de compras pelo BCE de obrigações espanholas no mercado secundário, os juros mais elevados nos leilões da dívida realizados pelo Tesouro, e o corte de notação pela Standard & Poor’s.
Banca espanhola depende do biberão do BCE
Muitos analistas em Espanha reclamam que o BCE deverá atuar rápida e massivamente no mercado secundário através do seu programa de compras de títulos – conhecido pela sigla SMP. O responsável pelo programa no BCE, Benoît Coeuré, deu a entender, em meados do mês, que ele poderia ser reativado. Há cinco semanas que o banco central não adquiria no mercado secundário títulos aflitos da zona euro.
Essas palavras de Coeuré foram suficientes, então, para fazer descer os juros do patamar dos 6%. Mas o presidente do Bundesbank (o banco central alemão), Jens Weidemann, uma das vozes de peso na zona euro, logo disse à Reuters que Espanha deveria cuidar de si e não esperar pela muleta do BCE. Apesar das palavras de Coueré não há dados que indiquem que o programa SMP tenha voltado a atuar.
No entanto, a linha de liquidez a três anos (LTRO) lançada, no final do ano passado, por Mário Draghi, o novo presidente do BCE, tem permitido aos bancos espanhóis comprar dívida soberana nas emissões lançadas pelo Tesouro e ainda ganhar alguma margem com a diferença entre os juros que pagam ao BCE e os que recebem dos títulos adquiridos. As quatro emissões realizadas recentemente, com prazos a 12 e a 18 meses e a 2 e a 10 anos, conseguiram arrecadar as verbas previstas ou mesmo ultrapassá-las, mas os juros subiram, em regra, em relação a operações anteriores similares. Segundo os dados divulgador hoje pelo BCE, os bancos espanhóis aumentaram a sua exposição à dívida pública em 100 mil milhões de euros nos últimos seis meses.
A razão na semana passada para novo sobressalto dos investidores prendeu-se com o corte de notação da dívida espanhola operado pela agência de rating Standard & Poor’s (S&P). A notação da dívida espanhola baixou de A para BBB+, três níveis acima da classificação como dívida especulativa (situação em que está Portugal com uma notação de BB desde janeiro de 2012). A classificação de BBB+ dada a Espanha é similar, agora, à da Irlanda. A S&P nunca baixou a notação do ex-tigre Celta para o nível especulativo (vulgo “lixo”). A agência considerou ainda que a perspetiva é negativa (o que significa que poderá voltar a descer a notação).
A análise feita pela S&P admite um segundo cenário mais adverso do que o oficial, em que o PIB espanhol poderá contrair 4% este ano, muito mais do que a previsão de recessão de 1,8% apontada pelo “World Economic Outlook” do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2013, este segundo cenário da S&P prevê uma recessão de 1%, e estagnação em 2014. O que, naturalmente, agravará a situação orçamental de 2012 a 2014. Segundo a agência financeira Markit a verdadeira notação da dívida espanhola, de acordo com o sentimento real dos investidores, é de BB, ou seja já em terreno de dívida especulativa.
No entanto, apesar do corte de notação, o stresse inicial no mercado secundário acabou por aliviar no final da semana. A subida das yields das obrigações espanholas (OE) abrandou. Os juros das OE a dez anos afastaram-se do patamar dos 6%, fechando a semana passada em 5,88%. Os juros desceram inclusive de 5,96% para 5,88% entre 20 e 27 de abril. O risco de incumprimento da dívida também desceu, de 35,64% para 34,58%, no mesmo período.
O dilema de Rajoy
Mas o que se passa, com ziguezagues, nestes dois mercados financeiros é apenas um sintoma das dores de cabeça que afligem o governo de Mariano Rajoy, que mal aqueceu o lugar teve de enfrentar um dilema difícil: seguir a doutrina oficial de Bruxelas de um ajustamento radical orçamental e de um pacote duríssimo de austeridade ou optar por uma via “espanhola”.
A via “espanhola” tem de ter em conta um desemprego oficial que pode chegar, este ano, a um pico de quase 25% da população ativa, uma banca que necessita de uma recapitalização colossal (com as estimativas a variarem entre 53,8 mil milhões de euros, segundo o Banco de Espanha, a 80 mil milhões, segundo o banco ING, a 100 mil milhões, segundo economistas independentes) e uma economia que cairá, pelo menos, 1,8%.
Não é uma recessão tão profunda como em 2009 – caiu, então, 3,7% – quando se deu o primeiro choque da crise financeira global, mas ocorre, agora, num novo contexto, de crise aguda das dívidas soberanas na zona euro. É claro que não é uma quebra tão elevada como a que ocorrerá em Portugal (com a previsão de uma recessão de 3,3%), mas é um abalo na quarta maior economia da zona euro – o que faz toda a diferença.
FMI quer moderação do ajustamento
O recém-eleito presidente do conselho de ministros espanhol optou por flexibilizar em umas décimas o ajustamento orçamental este ano, colocando Bruxelas perante um facto consumado.
Mas o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu “Fiscal Monitor”, referiu recentemente que teria sido preferível “um ajustamento levemente mais moderado”. Carlo Cottarelli, diretor do departamento de assuntos orçamentais do FMI, acentuou a ideia em conferência de imprensa em Washington DC e apontou para a previsão do Fundo que situa a meta para o défice orçamental em 2012 em 6% do PIB e não nos 5,3%, fixados pelo governo de Madrid. O FMI prevê inclusive que a regra dos 3% do PIB não seja possível antes de 2018 e que, mesmo em 2013, o défice público espanhol ainda estará nos 5,7% do PIB.
A necessidade de flexibilização do ajustamento é consensual entre os economistas espanhóis ouvidos pelo Expresso. A brutalidade de querer reduzir o défice de 8,5% em 2011 para 3% em 2013 é rejeitada. “É absolutamente impossível. Até o FMI o diz. Seria uma catástrofe. Isso é o que temem precisamente os mercados financeiros – um excesso de remédio que mate o doente”, diz Alberto Montero Soler, professor na Universidade de Málaga e autor do blogue “La Otra Economía”. Santiago Niño-Becerra, catedrático da Universidade Ramón Llull, de Barcelona, vai mais longe: “É absolutamente impossível chegar aos 3% em 2013 a não ser que Espanha regresse a uma ditadura e a população espanhola empobreça até um nível inimaginável. E, sobretudo, é impossível por duas razões: a) porque não é possível em democracia cortar 65 mil milhões em dois anos, e b) porque ao crescimento negativo que vai ter nestes anos se vão juntar os cortes nos gastos públicos para alcançar tal meta do défice”.
“É imperativo que se flexibilize esse objetivo para os próximos dois anos, se se quer evitar uma recessão muito grave”, sublinha, por seu lado, Santiago Carbó Valverde, da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Granada e consultor do Banco da Reserva Federal de Chicago. O problema, ironiza Alberto Montero, é que Rajoy, sozinho, “no tiene pantalones”, não tem coragem política para enfrentar Bruxelas. Ponto em que entram as expetativas sobre os resultados da segunda volta das eleições presidenciais em França a 6 de maio.
Ajuda externa à banca
A maior dor de cabeça de curto prazo parece ser a banca. Soube-se que o crédito mal parado ascendeu em fevereiro a 8,16%, uma percentagem que já não se verificava desde outubro de 1994. A dependência da banca espanhola do biberão do BCE é enorme: 316 mil milhões de euros emprestados, segundo o balanço no final de março. “Que a Espanha tenha absorvido mais de 30% dos fundos facilitados pelo BCE quando o seu PIB equivale apenas a 9% da economia europeia diz bastante sobre a situação da banca espanhola”, sublinha-nos Niño-Becerra.
Entretanto, a agência de rating S&P anunciou hoje o corte de notação de onze bancos espanhóis, incluindo o Santander, Banesto, Santander Consumer France, BBVA, Banco Sabadell, Ibercaja, Kutxabank, Banca Civica, CECA, Bankinter e a subsidiária local do Barclays.
As necessidades de capitalização da banca espanhola não podem ser resolvidas internamente, afirmam os economistas ouvidos pelo Expresso. “Tem de se contar com a ajuda externa, ainda que seja de analisar através de que mecanismos e instituições”, diz-nos Pedro Montes Fernández, que foi economista do Serviço de Estudos do Banco de Espanha (o banco central) e autor de “La historia inacabada del euro”. Pedro Montes aponta para “uma situação interna literalmente insustentável”, com o governo emparedado entre a necessidade de “credibilidade internacional” (e de ter um plano de austeridade rigoroso) e a “temeridade política de aplicá-lo”.
Uma saída que aliviaria a pressão sobre Madrid poderia ser um instrumento europeu com capacidade de adquirir participações diretas nos bancos aflitos, como alvitrou Olivier Blanchard, diretor do Departamento de Investigação do FMI. Blanchard disse que é preciso “cortar o elo pernicioso entre as dívidas soberanas e os bancos”. Um elo que pode ter Espanha como detonador, mas que abrange, à escala europeia, o risco de uma desalavancagem até final de 2013 na ordem dos 2 biliões de euros, cerca de 7% dos ativos bancários, que poderia representar um corte no crédito à economia real e às famílias de 1,7%. “É uma proposta interessante de Blanchard. Resta saber se a governança europeia o permite. Eu julgo que seria importante criar um quadro europeu de resolução bancária e um fundo de garantia de depósitos de nível europeu. Quanto mais avancemos em termos europeus melhor”, afirma Santiago Carbó. “Como se trata de um risco sistémico deve ter, sem dúvida, uma abordagem europeia”, confirma Alberto Montero.
Por seu lado, Rafael Pampillón Olmedo, professor no Instituto de Empresa, em Madrid, recorda que “o FMI é partidário que o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF, em vigor até julho) ou o futuro Mecanismo Europeu de Estabilização (MEE) comprem ações dos bancos com problemas na zona euro no sentido de os recapitalizar”. Pampillón sublinha, ainda, que “outra possibilidade é que esses fundos de resgate facilitem crédito barato aos bancos”. Adianta inclusive que isso não é importante só para a banca espanhola, “mas para toda a banca europeia”.
No inquérito mensal realizado pelo Financial Times Deutschland antes das reuniões do conselho de governadores do BCE, e divulgado hoje, a maioria dos 38 economistas alemães ouvidos defende essa solução em vez da solução clássica de intervenção da troika junto dos governos.Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, já apontou no mesmo sentido, sublinhando que não tem sido ouvida pelos europeus, e o jornal alemão “Sueddeutsche Zeitung” adiantou que “um grupo de países da zona euro e vários membros do BCE” o pretenderiam.
O problema tem sido a oposição da Alemanha apoiada por alguns estados mais papistas por vezes que o Papa. Aliás, um dos governos fundamentalistas caiu na semana passada – o da Holanda – por não ser capaz de colocar em prática o que exige aos outros e foi, no limite, que o governo de gestão chefiado por Mark Rutte conseguiu um acordo maioritário para uma meta de 3% em 2013 a apresentar dia 30 de abril em Bruxelas. O que provocou muita ironia em Espanha.
O ministro da Economia e Competitividade, Luis de Guindos, negou hoje que haja qualquer intenção de recorrer a qualquer fundo de resgate europeu para resolver o problema da banca e adiantou que “nos próximos dias” poderão verificar-se novas fusões e aquisições no sector e anunciar-se “esforços adicionais” para o saneamento de algumas entidades financeiras.
A Reuters, no entanto, já foi perentória: a pergunta não é se a banca espanhola vai necessitar de um resgate externo, mas sim quando. Muitos analistas dão seis meses.
O vendaval nos juros da dívida espanhola rivalizou nas últimas semanas com as ondas de choque da caçada africana do septuagenário rei Juan Carlos de Borbón.
Entretanto confirmou-se que o país entrou em recessão “técnica” (dois trimestres sucessivos com queda do PIB) com a divulgação de que a economia contraiu 0,3% no primeiro trimestre deste ano.
O regresso, a 23 de abril, ao patamar dos 6% nos juros das obrigações espanholas a dez anos no mercado secundário desencadeou, de novo, os temores sobre a proximidade de um plano de resgate da troika para Madrid. O máximo foi atingido a 25 de novembro do ano passado com os juros a chegar aos 6,7%, próximo do limiar dos 7%, que é tido como ponto de não retorno para uma intervenção externa.
O nervosismo no mercado de seguros contra o risco de incumprimento (designados por credit default swaps) levou, a 23 de abril, o preço destes derivados financeiros à proximidade do máximo histórico de 16 de abril, quando chegou a 510,58 pontos base. Isto equivale a ter de se pagar 510 mil dólares por ano para segurar 10 milhões de dólares em títulos de dívida emitidos pelo Tesouro espanhol. Portugal já passou por esta passadeira no último trimestre de 2010.
O aquecimento recente da situação em Espanha deveu-se a três fatores – a ausência de compras pelo BCE de obrigações espanholas no mercado secundário, os juros mais elevados nos leilões da dívida realizados pelo Tesouro, e o corte de notação pela Standard & Poor’s.
Banca espanhola depende do biberão do BCE
Muitos analistas em Espanha reclamam que o BCE deverá atuar rápida e massivamente no mercado secundário através do seu programa de compras de títulos – conhecido pela sigla SMP. O responsável pelo programa no BCE, Benoît Coeuré, deu a entender, em meados do mês, que ele poderia ser reativado. Há cinco semanas que o banco central não adquiria no mercado secundário títulos aflitos da zona euro.
Essas palavras de Coeuré foram suficientes, então, para fazer descer os juros do patamar dos 6%. Mas o presidente do Bundesbank (o banco central alemão), Jens Weidemann, uma das vozes de peso na zona euro, logo disse à Reuters que Espanha deveria cuidar de si e não esperar pela muleta do BCE. Apesar das palavras de Coueré não há dados que indiquem que o programa SMP tenha voltado a atuar.
No entanto, a linha de liquidez a três anos (LTRO) lançada, no final do ano passado, por Mário Draghi, o novo presidente do BCE, tem permitido aos bancos espanhóis comprar dívida soberana nas emissões lançadas pelo Tesouro e ainda ganhar alguma margem com a diferença entre os juros que pagam ao BCE e os que recebem dos títulos adquiridos. As quatro emissões realizadas recentemente, com prazos a 12 e a 18 meses e a 2 e a 10 anos, conseguiram arrecadar as verbas previstas ou mesmo ultrapassá-las, mas os juros subiram, em regra, em relação a operações anteriores similares. Segundo os dados divulgador hoje pelo BCE, os bancos espanhóis aumentaram a sua exposição à dívida pública em 100 mil milhões de euros nos últimos seis meses.
A razão na semana passada para novo sobressalto dos investidores prendeu-se com o corte de notação da dívida espanhola operado pela agência de rating Standard & Poor’s (S&P). A notação da dívida espanhola baixou de A para BBB+, três níveis acima da classificação como dívida especulativa (situação em que está Portugal com uma notação de BB desde janeiro de 2012). A classificação de BBB+ dada a Espanha é similar, agora, à da Irlanda. A S&P nunca baixou a notação do ex-tigre Celta para o nível especulativo (vulgo “lixo”). A agência considerou ainda que a perspetiva é negativa (o que significa que poderá voltar a descer a notação).
A análise feita pela S&P admite um segundo cenário mais adverso do que o oficial, em que o PIB espanhol poderá contrair 4% este ano, muito mais do que a previsão de recessão de 1,8% apontada pelo “World Economic Outlook” do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2013, este segundo cenário da S&P prevê uma recessão de 1%, e estagnação em 2014. O que, naturalmente, agravará a situação orçamental de 2012 a 2014. Segundo a agência financeira Markit a verdadeira notação da dívida espanhola, de acordo com o sentimento real dos investidores, é de BB, ou seja já em terreno de dívida especulativa.
No entanto, apesar do corte de notação, o stresse inicial no mercado secundário acabou por aliviar no final da semana. A subida das yields das obrigações espanholas (OE) abrandou. Os juros das OE a dez anos afastaram-se do patamar dos 6%, fechando a semana passada em 5,88%. Os juros desceram inclusive de 5,96% para 5,88% entre 20 e 27 de abril. O risco de incumprimento da dívida também desceu, de 35,64% para 34,58%, no mesmo período.
O dilema de Rajoy
Mas o que se passa, com ziguezagues, nestes dois mercados financeiros é apenas um sintoma das dores de cabeça que afligem o governo de Mariano Rajoy, que mal aqueceu o lugar teve de enfrentar um dilema difícil: seguir a doutrina oficial de Bruxelas de um ajustamento radical orçamental e de um pacote duríssimo de austeridade ou optar por uma via “espanhola”.
A via “espanhola” tem de ter em conta um desemprego oficial que pode chegar, este ano, a um pico de quase 25% da população ativa, uma banca que necessita de uma recapitalização colossal (com as estimativas a variarem entre 53,8 mil milhões de euros, segundo o Banco de Espanha, a 80 mil milhões, segundo o banco ING, a 100 mil milhões, segundo economistas independentes) e uma economia que cairá, pelo menos, 1,8%.
Não é uma recessão tão profunda como em 2009 – caiu, então, 3,7% – quando se deu o primeiro choque da crise financeira global, mas ocorre, agora, num novo contexto, de crise aguda das dívidas soberanas na zona euro. É claro que não é uma quebra tão elevada como a que ocorrerá em Portugal (com a previsão de uma recessão de 3,3%), mas é um abalo na quarta maior economia da zona euro – o que faz toda a diferença.
FMI quer moderação do ajustamento
O recém-eleito presidente do conselho de ministros espanhol optou por flexibilizar em umas décimas o ajustamento orçamental este ano, colocando Bruxelas perante um facto consumado.
Mas o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu “Fiscal Monitor”, referiu recentemente que teria sido preferível “um ajustamento levemente mais moderado”. Carlo Cottarelli, diretor do departamento de assuntos orçamentais do FMI, acentuou a ideia em conferência de imprensa em Washington DC e apontou para a previsão do Fundo que situa a meta para o défice orçamental em 2012 em 6% do PIB e não nos 5,3%, fixados pelo governo de Madrid. O FMI prevê inclusive que a regra dos 3% do PIB não seja possível antes de 2018 e que, mesmo em 2013, o défice público espanhol ainda estará nos 5,7% do PIB.
A necessidade de flexibilização do ajustamento é consensual entre os economistas espanhóis ouvidos pelo Expresso. A brutalidade de querer reduzir o défice de 8,5% em 2011 para 3% em 2013 é rejeitada. “É absolutamente impossível. Até o FMI o diz. Seria uma catástrofe. Isso é o que temem precisamente os mercados financeiros – um excesso de remédio que mate o doente”, diz Alberto Montero Soler, professor na Universidade de Málaga e autor do blogue “La Otra Economía”. Santiago Niño-Becerra, catedrático da Universidade Ramón Llull, de Barcelona, vai mais longe: “É absolutamente impossível chegar aos 3% em 2013 a não ser que Espanha regresse a uma ditadura e a população espanhola empobreça até um nível inimaginável. E, sobretudo, é impossível por duas razões: a) porque não é possível em democracia cortar 65 mil milhões em dois anos, e b) porque ao crescimento negativo que vai ter nestes anos se vão juntar os cortes nos gastos públicos para alcançar tal meta do défice”.
“É imperativo que se flexibilize esse objetivo para os próximos dois anos, se se quer evitar uma recessão muito grave”, sublinha, por seu lado, Santiago Carbó Valverde, da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Granada e consultor do Banco da Reserva Federal de Chicago. O problema, ironiza Alberto Montero, é que Rajoy, sozinho, “no tiene pantalones”, não tem coragem política para enfrentar Bruxelas. Ponto em que entram as expetativas sobre os resultados da segunda volta das eleições presidenciais em França a 6 de maio.
Ajuda externa à banca
A maior dor de cabeça de curto prazo parece ser a banca. Soube-se que o crédito mal parado ascendeu em fevereiro a 8,16%, uma percentagem que já não se verificava desde outubro de 1994. A dependência da banca espanhola do biberão do BCE é enorme: 316 mil milhões de euros emprestados, segundo o balanço no final de março. “Que a Espanha tenha absorvido mais de 30% dos fundos facilitados pelo BCE quando o seu PIB equivale apenas a 9% da economia europeia diz bastante sobre a situação da banca espanhola”, sublinha-nos Niño-Becerra.
Entretanto, a agência de rating S&P anunciou hoje o corte de notação de onze bancos espanhóis, incluindo o Santander, Banesto, Santander Consumer France, BBVA, Banco Sabadell, Ibercaja, Kutxabank, Banca Civica, CECA, Bankinter e a subsidiária local do Barclays.
As necessidades de capitalização da banca espanhola não podem ser resolvidas internamente, afirmam os economistas ouvidos pelo Expresso. “Tem de se contar com a ajuda externa, ainda que seja de analisar através de que mecanismos e instituições”, diz-nos Pedro Montes Fernández, que foi economista do Serviço de Estudos do Banco de Espanha (o banco central) e autor de “La historia inacabada del euro”. Pedro Montes aponta para “uma situação interna literalmente insustentável”, com o governo emparedado entre a necessidade de “credibilidade internacional” (e de ter um plano de austeridade rigoroso) e a “temeridade política de aplicá-lo”.
Uma saída que aliviaria a pressão sobre Madrid poderia ser um instrumento europeu com capacidade de adquirir participações diretas nos bancos aflitos, como alvitrou Olivier Blanchard, diretor do Departamento de Investigação do FMI. Blanchard disse que é preciso “cortar o elo pernicioso entre as dívidas soberanas e os bancos”. Um elo que pode ter Espanha como detonador, mas que abrange, à escala europeia, o risco de uma desalavancagem até final de 2013 na ordem dos 2 biliões de euros, cerca de 7% dos ativos bancários, que poderia representar um corte no crédito à economia real e às famílias de 1,7%. “É uma proposta interessante de Blanchard. Resta saber se a governança europeia o permite. Eu julgo que seria importante criar um quadro europeu de resolução bancária e um fundo de garantia de depósitos de nível europeu. Quanto mais avancemos em termos europeus melhor”, afirma Santiago Carbó. “Como se trata de um risco sistémico deve ter, sem dúvida, uma abordagem europeia”, confirma Alberto Montero.
Por seu lado, Rafael Pampillón Olmedo, professor no Instituto de Empresa, em Madrid, recorda que “o FMI é partidário que o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF, em vigor até julho) ou o futuro Mecanismo Europeu de Estabilização (MEE) comprem ações dos bancos com problemas na zona euro no sentido de os recapitalizar”. Pampillón sublinha, ainda, que “outra possibilidade é que esses fundos de resgate facilitem crédito barato aos bancos”. Adianta inclusive que isso não é importante só para a banca espanhola, “mas para toda a banca europeia”.
No inquérito mensal realizado pelo Financial Times Deutschland antes das reuniões do conselho de governadores do BCE, e divulgado hoje, a maioria dos 38 economistas alemães ouvidos defende essa solução em vez da solução clássica de intervenção da troika junto dos governos.Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, já apontou no mesmo sentido, sublinhando que não tem sido ouvida pelos europeus, e o jornal alemão “Sueddeutsche Zeitung” adiantou que “um grupo de países da zona euro e vários membros do BCE” o pretenderiam.
O problema tem sido a oposição da Alemanha apoiada por alguns estados mais papistas por vezes que o Papa. Aliás, um dos governos fundamentalistas caiu na semana passada – o da Holanda – por não ser capaz de colocar em prática o que exige aos outros e foi, no limite, que o governo de gestão chefiado por Mark Rutte conseguiu um acordo maioritário para uma meta de 3% em 2013 a apresentar dia 30 de abril em Bruxelas. O que provocou muita ironia em Espanha.
O ministro da Economia e Competitividade, Luis de Guindos, negou hoje que haja qualquer intenção de recorrer a qualquer fundo de resgate europeu para resolver o problema da banca e adiantou que “nos próximos dias” poderão verificar-se novas fusões e aquisições no sector e anunciar-se “esforços adicionais” para o saneamento de algumas entidades financeiras.
A Reuters, no entanto, já foi perentória: a pergunta não é se a banca espanhola vai necessitar de um resgate externo, mas sim quando. Muitos analistas dão seis meses.
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