Itália
A crise mata os pequenos patrões
5 abril 2012
Linkiesta Milão - Pr
Niels Bojesen
Desde que a crise começou, em 2008, pelo menos cinquenta artesãos e donos de pequenas e médias empresas (PME) cometeram suicídio, na região que foi o motor do milagre económico da década de 1990. Aqueles que não foram capazes de se adaptar às novas circunstâncias assistem ao colapso do modelo que proporcionou uma prosperidade que pensaram ser inesgotável.
Os olhos de Laura Tamiozzo estão colados ao ecrã de um computador portátil e a sua voz, suave mas determinada, ressoa no salão paroquial do centro de San Sebastiano, em Vigonza, uma aldeia perto de Pádua. Por trás dela, está afixado um cartaz do sindicato Filca-CISL da região do Véneto, que organizou esta reunião pública.
Mostra vários túmulos alinhados e os nomes de 25 empresas, há muito tempo implantadas, que fecharam as suas portas no meio da indiferença geral. "Querida Flavia, não me foi fácil escrever esta carta, mas não queria deixar de te dizer que o drama que atingiu a tua família é o mesmo que atingiu a minha."
Laura Tiamozzo lê a carta que enviou a 22 de janeiro a Flavia Schiavon, de 35 anos, que está sentada ao seu lado. A Grande Crise levou-lhes os pais. Ambos eram empreiteiros e ambos se suicidaram.
Giovanni Schiavon deu um tiro na cabeça, em 12 de dezembro passado, no escritório. O caso deu brado, porque Schiavon estava realmente endividado, mas o Estado devia-lhe 250 mil euros. Antonio Tamiozzo, por seu lado, enforcou-se na noite de 1 de janeiro, num armazém da sua empresa, que empregava mais trinta pessoas.
Daniele Marini, diretor da Fundação Nordeste, explica que, embora seja "difícil estabelecer um perfil típico destes empresários", é possível identificar algumas características comuns.
O primeiro é a pequena dimensão, por vezes mínima, dos seus negócios, que operam principalmente em setores já consolidados, como a construção civil ou o pequeno artesanato, entre outros. Há também o facto de uma PME do Nordeste lidar em média com 274 fornecedores, os quais realizam geralmente cerca de 80% do produto acabado, pelo que todas as PME estão intimamente relacionadas entre si.
Não é de excluir, afirma Camon, que alguns casos de suicídio "expressem uma vontade mais ou menos consciente de designar o devedor, ou seja, o Estado, como um assassino, como responsável por essas mortes”.
Aumenta a raiva e a relação com o mundo político parece irremediavelmente degradada. Depois do Tangentopoli [grande investigação anticorrupção que varreu a classe política nos anos 1990], a economia e a sociedade de Véneto acharam que cresceriam muito melhor sem o freio das "instituições".
A desconfiança em relação ao Estado é perfeitamente recíproca: "O Nordeste é uma selva misteriosa. Roma não penetra ali. Ou se o faz, não o entende."
Estes suicídios são, pois, a consequência macabra do esgotamento de um "modelo"? Não necessariamente. Na realidade, a "locomotiva da Itália" – uma região cheia de energia, palco de uma explosão selvagem e espontânea de empresas de todos os tipos – tinha começado a abrandar no início da década de 2000.
Foi então que "o desenvolvimento do Nordeste, tal como o conhecemos, começou a descarrilar, porque os fatores subjacentes a esse enorme dinamismo tinham chegado ao seu limite", lê-se em Innovatori di confine. I percorsi del nuovo Nord Est ["Inovadores dos confins. Os caminhos do novo Nordeste "] (publicado por edições Marsilio, 2012), um livro coletivo dirigido por Daniele Marini.
"A grande disponibilidade de mão de obra deu lugar à estagnação demográfica, à falta de trabalhadores locais; estas empresas de gestão familiar antiga depararam-se em seguida com as dificuldades da sua transmissão às gerações mais novas; e os campos da região, em vias de urbanização, mas ainda com espaços livres, foram ficando gradualmente saturados, tanto em termos de área disponível como de infraestruturas. Todos esses fatores, que haviam impulsionado favoravelmente a economia do Nordeste rumo à prosperidade, atingiram os seus limites."
Stefano Zanatta, presidente da Confartigianato Asolo-Montebelluna, tem o mesmo entendimento: "A crise trouxe à superfície as fraquezas do sistema. Este continua muito fragmentado, formado por pequenas e microempresas. Isso começou por ser uma vantagem, enquanto a máquina funcionou, e gerou riqueza e pleno emprego. Mas agora, com uma crise que já dura há quatro anos, não somos capazes de lidar com um sistema que é mais forte que nós."
Claro que é necessário conseguir dar um "salto evolutivo", em termos de inovação tecnológica, de organização da produção e dos serviços, e conseguir estabelecer "relações de produção e comerciais com empresas maiores, que se internacionalizaram".
Apesar das grandes transformações dos últimos vinte anos, as empresas do Nordeste continuam a ser fortemente "trabalhistas", em que todos – patrões e trabalhadores –, independentemente da origem social, da geração ou dos grupos de pertença, se identificam com o trabalho. E o trabalho é também a principal preocupação da população – sobretudo neste período.
Em 1996, o sociólogo Ilvo Diamanti [especialista no Nordeste] alertava: "o trabalho tornou-se a nova religião. [...] Temo que nos traga grandes problemas no futuro, e não apenas económicos. Porque se o trabalho é tudo, se for o sucesso económico a produzir satisfação, no dia em que o desenvolvimento abrande, o impacto não será apenas económico, mas também psicológico."
"A cultura e a felicidade não contam para nada. Os patacos – ‘schei’, como dizem aqui – são tudo", explica Ferdinando Camon: "o pequeno empresário endividado não vive uma crise económica – mergulha numa crise total. Nervosa, moral, mental. É por isso que se suicida. Porque os ‘schei’ são o único valor que reconhece e, se a sua vida for deficitária desse ponto de vista, considera que deixa de ser digna de ser vivida. Os ‘schei’ são um valor absoluto."
Os olhos de Laura Tamiozzo estão colados ao ecrã de um computador portátil e a sua voz, suave mas determinada, ressoa no salão paroquial do centro de San Sebastiano, em Vigonza, uma aldeia perto de Pádua. Por trás dela, está afixado um cartaz do sindicato Filca-CISL da região do Véneto, que organizou esta reunião pública.
Mostra vários túmulos alinhados e os nomes de 25 empresas, há muito tempo implantadas, que fecharam as suas portas no meio da indiferença geral. "Querida Flavia, não me foi fácil escrever esta carta, mas não queria deixar de te dizer que o drama que atingiu a tua família é o mesmo que atingiu a minha."
Laura Tiamozzo lê a carta que enviou a 22 de janeiro a Flavia Schiavon, de 35 anos, que está sentada ao seu lado. A Grande Crise levou-lhes os pais. Ambos eram empreiteiros e ambos se suicidaram.
Giovanni Schiavon deu um tiro na cabeça, em 12 de dezembro passado, no escritório. O caso deu brado, porque Schiavon estava realmente endividado, mas o Estado devia-lhe 250 mil euros. Antonio Tamiozzo, por seu lado, enforcou-se na noite de 1 de janeiro, num armazém da sua empresa, que empregava mais trinta pessoas.
Daniele Marini, diretor da Fundação Nordeste, explica que, embora seja "difícil estabelecer um perfil típico destes empresários", é possível identificar algumas características comuns.
O primeiro é a pequena dimensão, por vezes mínima, dos seus negócios, que operam principalmente em setores já consolidados, como a construção civil ou o pequeno artesanato, entre outros. Há também o facto de uma PME do Nordeste lidar em média com 274 fornecedores, os quais realizam geralmente cerca de 80% do produto acabado, pelo que todas as PME estão intimamente relacionadas entre si.
Ter de declarar falência é considerado uma vergonha
Segundo dados da CGIA [o sindicato das PME e dos artesãos] de Mestre, desde o início da crise, pelo menos 50 pequenos empreiteiros ou artesãos do Véneto puseram termo aos seus dias. "A partilha do trabalho torna-se partilha da vida", explica o escritor e jornalista Ferdinando Camon. "Quando a empresa entra em crise, o patrão sofre terrivelmente por não ser capaz de pagar aos empregados e por vê-los apertar os cintos. É essa a razão para muitos destes suicídios: ter de demitir colaboradores, fechar portas e declarar falência é considerado, na cultura das comunidades laboriosas do Nordeste, uma vergonha, uma violação das responsabilidades sociais do patrão da empresa."Não é de excluir, afirma Camon, que alguns casos de suicídio "expressem uma vontade mais ou menos consciente de designar o devedor, ou seja, o Estado, como um assassino, como responsável por essas mortes”.
Aumenta a raiva e a relação com o mundo político parece irremediavelmente degradada. Depois do Tangentopoli [grande investigação anticorrupção que varreu a classe política nos anos 1990], a economia e a sociedade de Véneto acharam que cresceriam muito melhor sem o freio das "instituições".
A desconfiança em relação ao Estado é perfeitamente recíproca: "O Nordeste é uma selva misteriosa. Roma não penetra ali. Ou se o faz, não o entende."
Sozinhos, isolados, incompreendidos
Uma das poucas certezas é que esses empresários da região do Véneto se sentem sozinhos, isolados, abandonados, incompreendidos. Da reunião de Vigonza, nasceu a proposta de criar uma Associação das Famílias das Vítimas da Crise. Quanto às várias associações profissionais, esforçam-se por responder às necessidades mais urgentes. No final de fevereiro, a Confartigianato (associação dos artesãos) de Asolo e Montebelluna inaugurou o Life Auxilium, um serviço de apoio aos empresários em dificuldades, dotado de um número de telefone gratuito (que recebe em média uma chamada por dia) e um centro de atendimento.Estes suicídios são, pois, a consequência macabra do esgotamento de um "modelo"? Não necessariamente. Na realidade, a "locomotiva da Itália" – uma região cheia de energia, palco de uma explosão selvagem e espontânea de empresas de todos os tipos – tinha começado a abrandar no início da década de 2000.
Foi então que "o desenvolvimento do Nordeste, tal como o conhecemos, começou a descarrilar, porque os fatores subjacentes a esse enorme dinamismo tinham chegado ao seu limite", lê-se em Innovatori di confine. I percorsi del nuovo Nord Est ["Inovadores dos confins. Os caminhos do novo Nordeste "] (publicado por edições Marsilio, 2012), um livro coletivo dirigido por Daniele Marini.
"A grande disponibilidade de mão de obra deu lugar à estagnação demográfica, à falta de trabalhadores locais; estas empresas de gestão familiar antiga depararam-se em seguida com as dificuldades da sua transmissão às gerações mais novas; e os campos da região, em vias de urbanização, mas ainda com espaços livres, foram ficando gradualmente saturados, tanto em termos de área disponível como de infraestruturas. Todos esses fatores, que haviam impulsionado favoravelmente a economia do Nordeste rumo à prosperidade, atingiram os seus limites."
Stefano Zanatta, presidente da Confartigianato Asolo-Montebelluna, tem o mesmo entendimento: "A crise trouxe à superfície as fraquezas do sistema. Este continua muito fragmentado, formado por pequenas e microempresas. Isso começou por ser uma vantagem, enquanto a máquina funcionou, e gerou riqueza e pleno emprego. Mas agora, com uma crise que já dura há quatro anos, não somos capazes de lidar com um sistema que é mais forte que nós."
O trabalho é tudo
Se atentarmos nos dados da Movimprese [estatísticas empresariais italianas] para o período de 2006-2010, percebe-se que o equilíbrio entre os novos inscritos e as cessações de atividade no Nordeste é negativa: desapareceram 6023 PME. Para Daniele Marini, uma pequena empresa não tem necessariamente de fechar portas ou ser marginalizada pelo mercado.Claro que é necessário conseguir dar um "salto evolutivo", em termos de inovação tecnológica, de organização da produção e dos serviços, e conseguir estabelecer "relações de produção e comerciais com empresas maiores, que se internacionalizaram".
Apesar das grandes transformações dos últimos vinte anos, as empresas do Nordeste continuam a ser fortemente "trabalhistas", em que todos – patrões e trabalhadores –, independentemente da origem social, da geração ou dos grupos de pertença, se identificam com o trabalho. E o trabalho é também a principal preocupação da população – sobretudo neste período.
Em 1996, o sociólogo Ilvo Diamanti [especialista no Nordeste] alertava: "o trabalho tornou-se a nova religião. [...] Temo que nos traga grandes problemas no futuro, e não apenas económicos. Porque se o trabalho é tudo, se for o sucesso económico a produzir satisfação, no dia em que o desenvolvimento abrande, o impacto não será apenas económico, mas também psicológico."
"A cultura e a felicidade não contam para nada. Os patacos – ‘schei’, como dizem aqui – são tudo", explica Ferdinando Camon: "o pequeno empresário endividado não vive uma crise económica – mergulha numa crise total. Nervosa, moral, mental. É por isso que se suicida. Porque os ‘schei’ são o único valor que reconhece e, se a sua vida for deficitária desse ponto de vista, considera que deixa de ser digna de ser vivida. Os ‘schei’ são um valor absoluto."
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