Justiniano I, Imperador bizantino de 527 a 565. Basílica de San Vitale, Ravena (Itália).
Da gestão de uma moeda única, à união política e fiscal de uma comunidade multilingue e multiétnica e até mesmo a salvação do povo perante uma recessão incapacitante, os líderes bizantinos estiveram à altura de imensos desafios. Os líderes da UE podem aprender muito com o canto mais oriental do Império Romano, defende um historiador britânico.
Por vezes é fácil esquecermos por que razão estudamos história. É evidente, usamos o passado para compreender o presente; mas, idealmente, também aprendemos com isso. Assim sendo, é uma pena que não haja espaço no novo currículo nacional para a história de Bizâncio. A metade oriental do Império Romano que floresceu muito para além de, na Antiguidade, a própria Roma ter entrado numa espiral de declínio.
Infelizmente, como várias gerações nunca estudaram o poderoso oriente mediterrânico que em tempos governou um território que ia de Veneza à Palestina, do Norte de África ao Cáucaso, a lição que o mundo moderno daí poderia tirar perdeu-se nas brumas do tempo – uma lição de que a Europa precisa hoje mais do que nunca.
Tal como a UE, o Império Bizantino era uma comunidade multilingue e multiétnica que se estendia por diferentes climas e economias locais variadas, que incluíam cidades movimentadas e entrepostos comerciais, portos prósperos e pequenos assentamentos rurais. E não apenas isso. Tinha, também, uma moeda única – uma moeda cujo valor, durante séculos, não flutuou.
Contrariamente à opinião popular diariamente expressa na Câmara dos Comuns, onde os deputados fazem fila para descreverem como “bizantina” uma legislação excessivamente regulamentada e complexa, o Império Bizantino era, de facto, um modelo de sofisticação – especialmente em áreas em que a UE deixa muito a desejar. Ao contrário da UE, Bizâncio não estava pejado de ineficácia e disparidade no que dizia respeito a impostos: os lucros não ficavam parados numa região mais atraente, comprometendo, assim, a estrutura do império. O governo de Bizâncio era pequeno, simples e eficiente.
Se os eurocratas conhecessem a estrutura do Império, também poderiam beneficiar da lição sobre o modo como Bizâncio lidou com uma recessão crónica, provocada pela mesma combinação mortal que paralisa atualmente as economias ocidentais. Nos anos de 1070, as receitas do governo colapsaram, enquanto as despesas com serviços essenciais (como os exércitos, por exemplo) continuaram a aumentar; uma crise de liquidez crónica agravou ainda mais o estado de coisas. A situação ficou tão má que as portas do tesouro passaram a estar abertas para trás: não havia razão para as trancar, escreveu alguém desse tempo, porque não havia nada lá dentro para roubar.
Não houve misericórdia para com os responsáveis da crise. O Herman Van Rompuy daquele tempo, um eunuco chamado Nikephoritzes, foi destituído por uma multidão furiosa com a subida dos preços e a queda do seu nível de vida, e acabou mesmo por ser torturado até à morte. O descontentamento generalizado levou a que, sem cerimónias, muito outros se vissem destituídos dos seus cargos, quase sempre obrigados depois a tornarem-se monges, presumivelmente para que pudessem rezar pelo perdão dos seus próprios pecados.
A crise deu então origem ao aparecimento da figura de Nigel Farage, cujos argumentos sobre o porquê das coisas terem corrido mal eram “tão persuasivos”, segundo um dos seus contemporâneos, que as pessoas “se uniram para lhe dar precedência” e o recebiam com aplausos onde quer que ele aparecesse. Farage era uma lufada de ar fresco numa altura em que a velha guarda estava paralisada pela inação e pela falta de boas ideias. A sua mensagem, de que a atual geração de líderes era inútil, era difícil de contradizer.
Como a situação piorou, estava na altura de fazer uma limpeza nos líderes antigos. Era preciso sangue novo e com ele apareceram novas ideias radicais. Uma das sugestões foi um resgate alemão, mas não chegou a realizar-se, embora, durante algum tempo, tenha parecido promissor. Mas, à medida que a comida foi escasseando e as conversas se voltavam para o apocalipse, não houve outra alternativa senão passar à ação.
A solução teve três vertentes. Primeira, a moeda foi retirada de circulação e substituída por outra, com outro nome, cujo valor facial refletia o valor real; segunda, o sistema tributário foi reformulado, com um levantamento de quem possuía o quê em todo o Império servindo de base para aumentar os impostos no futuro; finalmente, as barreiras comerciais diminuíram para encorajar o capital externo a investir mais barato e mais facilmente do que no passado – não na aquisição de ativos, mas especialmente em comércio. O Império estava em tal apuro que essas barreiras desceram ao ponto de os investidores estrangeiros acabarem por enfraquecer os nacionais, pelo menos a curto prazo, para estimular a economia. O estratagema funcionou: não foi tão doloroso como se temia e ressuscitou um doente que tinha sofrido de uma paragem cardíaca económica.
A propósito, o Nigel Farage do século XI não teve sucesso, mas aplanou o caminho para que um candidato verdadeiramente bom chegasse ao poder. Alexios Komnenos, assim se chamava o homem que reconstruiu Bizâncio, teve, apesar de tudo, de pagar o preço das suas reformas: desprezado em vida por ter tido de tomar decisões difíceis, depois disso, e durante séculos, foi ignorado pela História. Talvez hoje devêssemos procurar alguém que, como ele, também tenha os ombros suficientemente largos.
Por vezes é fácil esquecermos por que razão estudamos história. É evidente, usamos o passado para compreender o presente; mas, idealmente, também aprendemos com isso. Assim sendo, é uma pena que não haja espaço no novo currículo nacional para a história de Bizâncio. A metade oriental do Império Romano que floresceu muito para além de, na Antiguidade, a própria Roma ter entrado numa espiral de declínio.
Infelizmente, como várias gerações nunca estudaram o poderoso oriente mediterrânico que em tempos governou um território que ia de Veneza à Palestina, do Norte de África ao Cáucaso, a lição que o mundo moderno daí poderia tirar perdeu-se nas brumas do tempo – uma lição de que a Europa precisa hoje mais do que nunca.
Tal como a UE, o Império Bizantino era uma comunidade multilingue e multiétnica que se estendia por diferentes climas e economias locais variadas, que incluíam cidades movimentadas e entrepostos comerciais, portos prósperos e pequenos assentamentos rurais. E não apenas isso. Tinha, também, uma moeda única – uma moeda cujo valor, durante séculos, não flutuou.
Contrariamente à opinião popular diariamente expressa na Câmara dos Comuns, onde os deputados fazem fila para descreverem como “bizantina” uma legislação excessivamente regulamentada e complexa, o Império Bizantino era, de facto, um modelo de sofisticação – especialmente em áreas em que a UE deixa muito a desejar. Ao contrário da UE, Bizâncio não estava pejado de ineficácia e disparidade no que dizia respeito a impostos: os lucros não ficavam parados numa região mais atraente, comprometendo, assim, a estrutura do império. O governo de Bizâncio era pequeno, simples e eficiente.
Liberdade de impostos
Não se punha sequer a questão que partes diferentes do Império pudessem ter normas diferentes ou políticas de impostos diversas: para o Estado funcionar com uma moeda única, tinha de haver união fiscal, económica e política; os impostos tinham de ser pagos da periferia para o centro; e era ponto assente que a riqueza tinha de ser desviada das regiões mais ricas para as menos abençoadas – mesmo que nem toda a gente se sentisse feliz com isso. Liberdade, resmungava um autor do século XI, significava liberdade de impostos.Se os eurocratas conhecessem a estrutura do Império, também poderiam beneficiar da lição sobre o modo como Bizâncio lidou com uma recessão crónica, provocada pela mesma combinação mortal que paralisa atualmente as economias ocidentais. Nos anos de 1070, as receitas do governo colapsaram, enquanto as despesas com serviços essenciais (como os exércitos, por exemplo) continuaram a aumentar; uma crise de liquidez crónica agravou ainda mais o estado de coisas. A situação ficou tão má que as portas do tesouro passaram a estar abertas para trás: não havia razão para as trancar, escreveu alguém desse tempo, porque não havia nada lá dentro para roubar.
Não houve misericórdia para com os responsáveis da crise. O Herman Van Rompuy daquele tempo, um eunuco chamado Nikephoritzes, foi destituído por uma multidão furiosa com a subida dos preços e a queda do seu nível de vida, e acabou mesmo por ser torturado até à morte. O descontentamento generalizado levou a que, sem cerimónias, muito outros se vissem destituídos dos seus cargos, quase sempre obrigados depois a tornarem-se monges, presumivelmente para que pudessem rezar pelo perdão dos seus próprios pecados.
A crise deu então origem ao aparecimento da figura de Nigel Farage, cujos argumentos sobre o porquê das coisas terem corrido mal eram “tão persuasivos”, segundo um dos seus contemporâneos, que as pessoas “se uniram para lhe dar precedência” e o recebiam com aplausos onde quer que ele aparecesse. Farage era uma lufada de ar fresco numa altura em que a velha guarda estava paralisada pela inação e pela falta de boas ideias. A sua mensagem, de que a atual geração de líderes era inútil, era difícil de contradizer.
Uma paragem cardíaca económica
As tímidas políticas que estavam a ser tentadas foram um desastre, não tendo tido qualquer efeito na resolução dos problemas. Incluíram a desvalorização da moeda, pondo em circulação mais quantidade de dinheiro enquanto a percentagem de metal precioso que cada moeda continha diminuía cada vez mais; por outras palavras, um recurso quantitativo. Foi como pôr um penso rápido num ferimento de bala.Como a situação piorou, estava na altura de fazer uma limpeza nos líderes antigos. Era preciso sangue novo e com ele apareceram novas ideias radicais. Uma das sugestões foi um resgate alemão, mas não chegou a realizar-se, embora, durante algum tempo, tenha parecido promissor. Mas, à medida que a comida foi escasseando e as conversas se voltavam para o apocalipse, não houve outra alternativa senão passar à ação.
A solução teve três vertentes. Primeira, a moeda foi retirada de circulação e substituída por outra, com outro nome, cujo valor facial refletia o valor real; segunda, o sistema tributário foi reformulado, com um levantamento de quem possuía o quê em todo o Império servindo de base para aumentar os impostos no futuro; finalmente, as barreiras comerciais diminuíram para encorajar o capital externo a investir mais barato e mais facilmente do que no passado – não na aquisição de ativos, mas especialmente em comércio. O Império estava em tal apuro que essas barreiras desceram ao ponto de os investidores estrangeiros acabarem por enfraquecer os nacionais, pelo menos a curto prazo, para estimular a economia. O estratagema funcionou: não foi tão doloroso como se temia e ressuscitou um doente que tinha sofrido de uma paragem cardíaca económica.
A propósito, o Nigel Farage do século XI não teve sucesso, mas aplanou o caminho para que um candidato verdadeiramente bom chegasse ao poder. Alexios Komnenos, assim se chamava o homem que reconstruiu Bizâncio, teve, apesar de tudo, de pagar o preço das suas reformas: desprezado em vida por ter tido de tomar decisões difíceis, depois disso, e durante séculos, foi ignorado pela História. Talvez hoje devêssemos procurar alguém que, como ele, também tenha os ombros suficientemente largos.
Traduzido por Maria João Vieira
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