No final da semana passada, o Governo anunciou, com pompa e circunstância, que tinha chegado a acordo com 70% dos promotores eólicos para efetuar um corte de 140 milhões de Euros nas suas receitas. O que não deixa de ser curioso, porque já em Maio passado o Álvaro tinha dado uma
conferência de imprensa após o Conselho de Ministros a anunciar esses cortes. Quando toda a gente pensava que eles já estavam feitos e que tinham sido solenemente decretados em Conselho de Ministros, eis que se descobre – três meses depois – que afinal tinham sido só anunciados à pressa, para iludir a troika nas vésperas da sua 4ª avaliação, mas não concretizados.
Parte dos cortes anunciados em Maio, aliás, tinham a ver com o regime de garantia de potência, que o Governo se apressou a revogar, através de uma
portaria. Mais uma vez, show-off para a troika ver. Três meses depois, o Governo aprovou nova
portaria, a re-conceder incentivos à garantia de potência.
Mas centremo-nos agora no recente anúncio dos cortes na energia eólica. Porque, como sempre, o diabo está nos pormenores.
Vai-se a ver e os cortes só abrangem os contratos assinados até 2005. E porquê? Porque “
são os que saem mais caros aos contribuintes”. Assim, de uma penada, o Governo reconhece que toda a sua campanha anti-renováveis e, sobretudo, anti-Sócrates não passa de mistificação propagandística e desonesta manipulação.
A verdade é que as eólicas mais caras e que mais pesam na tarifa são as anteriores aos Governos Sócrates. E que, a partir de 2005, o custo da energia eólica passou a ser significativamente mais baixo. Tanto que o atual Governo não vê necessidade de rever a remuneração atribuída às centrais eólicas de 2005 a esta parte.
Segundo o Expresso, a tarifa atribuída aos parques eólicos mais antigos é “
da ordem dos €110 por megawatt/hora – contra os mais recentes, na casa dos €64/MWh”. Portanto, o atual Governo é que se gaba de combater os sobrecustos das renováveis, mas foi o anterior Governo que reduziu o pagamento às eólicas para quase metade.
Em síntese, toda a lenga-lenga do malvado do Sócrates que, por capricho, andou a encher o país de ventoinhas a custos astronómicos é, afinal de contas, retórica fantasiosa, que não passa o teste da verdade.
A atual maioria construiu todo um argumentário político em torno da ideia das rendas excessivas, culpabilizando o Governo anterior, porque lhe dava jeito arranjar um bode expiatório. Só que quando passamos do discurso aos factos, constata-se que as ditas “rendas excessivas” são afinal pré-2005, isto é, não foram criadas pelo anterior Governo.
Mas há mais. Um diploma de 2005 – sim, novamente 2005 – previa que, após um período inicial de tarifa bonificada (em regra, de 15 anos), os parques eólicos passariam a vender energia à rede aos preços normais de mercado (acrescidos de certificados verdes, destinados a compensar o valor ambiental da energia limpa produzida). Então não é que os arautos da liberalização, da concorrência e do mercado acabam de garantir aos promotores eólicos que, após o fim da tarifa bonificada, terão
mais 5 a 7 anos extra de rendas tabeladas?
Mais uma vez, aquilo que o Governo diz é uma coisa completamente diferente daquilo que o Governo faz. Elogia a concorrência de mercado, mas blinda os produtores de energias renováveis dessa mesma concorrência. Critica os supostos desmandos do Governo anterior, quando afinal era o Governo anterior que previa, a prazo, a sujeição da energia eólica às regras (e oscilações de preço) do mercado. Algo que agora é adiado por 5 a 7 anos, pela mão do tão apregoado liberal Álvaro. Liberal contra os fracos, talvez, porque ao lóbi da energia dá o bónus de mais uns aninhos de tarifa garantida e isenta de concorrência.
E não é uma tarifa qualquer! A tarifa que agora o Governo concedeu aos promotores eólicos, por mais 5 a 7 anos do que o previsto, é “
da ordem dos €74 a €98/MWh”. O que compara, recorde-se, com os €64/MWh das eólicas da era Sócrates. Quem é que é o responsável pelas rendas excessivas na energia, afinal de contas?
Ah, e para finalizar, os cortes nos CAE (contratos de aquisição de energia) e nos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), igualmente anunciados no final de um Conselho de Ministros em Maio, ainda ninguém os viu. Naquilo que constitui a fatia de leão dos chamados “custos de interesse económico geral”, que pesam cerca de metade da nossa conta de eletricidade, o Governo ainda não mexeu uma palha. Anunciou, é claro. Anunciar é fácil. E os jornalistas são facilmente engrupidos, acham que o anúncio – sobretudo se for feito após um Conselho de Ministros – corresponde à efetiva adoção da medida e ficam convencidos que o Governo já cortou. Mas não. Até ao momento, ainda não cortou nada nos CAE, nem nos CMEC.
Em suma, tudo indica que, no que diz respeito à política energética do atual Governo, qualquer semelhança entre o discurso e a realidade é pura coincidência.