Por JNR na secção A questão dos impérios , Choque petrolífero , Ciberardina na crise (do default) , Energia , Entrevistas no calor do bail out , Geoprotagonistas , Gestão do risco , Globalização , História Económica , Inteligência Económica , O novo capital financeiro , crise
ainda sem comentários
Os economistas batizaram estes períodos de “estagflação”, uma mistura de estagnação com inflação. Douglas Reynolds, da Universidade do Alasca, acha que estamos a atravessar “um longo período” deste género e que a energia está no coração do problema.
“Estamos no meio de um período de grande estagflação. A crise financeira foi apenas o começo”, diz, em entrevista, Douglas Reynolds, professor da Universidade do Alasca em Fairbanks, e um dos especialistas mundiais em economia da energia.
Reynolds veio à conferência anual da ASPO-Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e do Gás, que se realizou em Bruxelas, falar, também, do seu projeto de estudo da forma como a energia afeta todas as civilizações e impérios. O seu estudo de história económica pretende analisar o papel central das questões energéticas na ascensão e queda dos impérios.
O professor americano tem insistido no modelo de implosão da União Soviética como um exemplo claro do esgotamento de um modelo económico baseado no uso intensivo de energias que atingiram o seu pico de produção. Chocou inclusive alguma audiência mais sensível: “Quando olhamos para a nossa economia, que é muito similar em várias dimensões com a economia soviética de então, verificamos que todas as tecnologias que temos são baseadas no consumo de mais barris. Se mantemos uma economia assente no uso intensivo de petróleo, não haverá alternativa ao declínio económico e civilizacional”.
PERFIL
Douglas B. Reynolds, Professor de Oil and Energy Economics, na School of Management da University of Alaska Fairbanks, Fairbanks, Alasca.
@Jorge Nascimento Rodrigues, Bruxelas, 9th International ASPO Conference, 2011
I – O MODELO VIGENTE: «Só as bolhas nas bolsas, a mania das dot.com, e finalmente a bolha no imobiliário eram capazes de alimentar qualquer tipo de aparente crescimento rápido, desde essa primeira crise petrolífera.»
P: Muitos analistas falam do risco de um double-dip (recaída na recessão) com carestia de vida, e em alguns locais mesmo com hiperinflação devido ao disparo nos preços das commodities essenciais, qual é a sua opinião?
R: Penso que estamos no meio de um período de grande estagflação [estagnação económica com inflação]. A crise financeira, desde 2008, foi apenas o começo. Muita da nossa economia nos países desenvolvidos e mesmo nos países em desenvolvimento está a crescer na base do petróleo. E como estamos a atravessar já um período de pico de produção do petróleo – o que designamos popularmente por “pico do petróleo” [peak oil, em inglês] -, isso significa que a base da nossa economia moderna tem de mudar. Há, sem dúvida, outros combustíveis líquidos, mas são caros ou limitados em quantidade e não conseguem substituir o crude. Assim, quando o petróleo declinar, a economia que depende dele não tem outro caminho senão declinar também. Está tudo interligado.
P: A crise de 2008 teve por detrás o problema do pico do petróleo, é isso que está a querer dizer?
R: Bom, a crise financeira foi, em parte, derivada do sobre investimento no imobiliário. A ideia das políticas colocadas em prática era estimular esse setor, através da desregulação bancária, de modo a que a economia pudesse continuar a crescer. Porquê? Porque tinha ficado claro que, em muito do mundo desenvolvido, o crescimento económico tinha abrandado desde o primeiro choque petrolífero de 1973. Deste modo, só as bolhas nas bolsas, a mania das dot.com, e finalmente a bolha no imobiliário eram capazes de alimentar qualquer tipo de aparente crescimento rápido, desde essa primeira crise petrolífera.
P: Há uma relação, de facto, mas o petróleo é o elemento chave desta crise?
R: Se não tivéssemos tido a crise financeira, teríamos tido outro grande problema económico derivado do facto do preço do petróleo ter disparado em meados de 2008 até aos 150 dólares por barril, como todos estamos recordados. Algo tinha que acontecer. E as razões fundamentais para o preço do crude ter chegado tão alto continuam aí.
II – O modelo soviético de implosão
P: E quais são as consequências?
R: Um círculo vicioso. A economia cai com várias realidades em simultâneo – declínio do PIB, altos níveis de desemprego, altos preços, inflação. Por isso falo de estagflação. E isto não é novo em termos de modelo económico.
P: Está a lembrar-se do caso da União Soviética para o qual tem vindo a chamar a atenção?
R: Sim. Este tipo de reestruturação de toda uma economia minada simultaneamente por inflação e alto nível de desemprego é exatamente o que aconteceu durante a queda da União Soviética. A economia soviética atingiu um pico de produção do petróleo e caiu. Durante a queda viveu esse período de estagflação. Por isso, em circunstâncias similares, podemos esperar uma série de grandes recessões com alta inflação e provavelmente com ciclos de alta volatilidade. Estes ciclos podem parecer o que alguns chamam de double-dip-flation [recaída na recessão com inflação associada, em vez de deflação], mas, a meu ver, é tudo parte de um largo período de estagflação.
P: E o petróleo está no centro do problema, é o pecado original do modelo?
R: O petróleo é o elemento central. Quando olhamos para a nossa economia, que é muito similar em várias dimensões com a economia soviética de então, verificamos que todas as tecnologias que temos são baseadas no consumo de mais barris. Se mantemos uma economia assente no uso intensivo de petróleo, não haverá alternativa ao declínio económico e civilizacional. Um dos problemas que temos numa fase destas é que, com menos petróleo, temos menos trabalhadores produtivos, o que significa que não podemos pagar-lhes melhor, mas eles não deixarão os salários baixar. Então, uma das vias para forçar o declínio dos salários reais é gerar hiperinflação, que foi o que a União Soviética precisamente fez para se “ajustar” à nova realidade. Agora, vamos ter de fazê-lo em larga escala – e não só num país.
P: Num horizonte de cinco a dez anos poderemos apanhar com uma tempestade perfeita e uma transição difícil para uma economia diferente?
R: A União Soviética caiu muito rapidamente, mas a Rússia e outras economias da ex-URSS reestruturaram-se, depois, também, muito rapidamente, a meu ver. Depois tiveram a ajuda do Ocidente. Mas não creio que o mundo agora tenha essa oportunidade. Sem ajuda, esta transição mundial pode ser muito devastadora. Uma coisa que verificámos na URSS foi um declínio da população. Isso também poderá, agora, acontecer ao mundo no seu conjunto.
III – ENERGIA: Ascensão e Queda dos Impérios
P: Um dos pontos centrais da sua investigação atual é a relação da energia com as civilizações e os impérios. A que conclusões já chegou?
R: Estou a trabalhar de facto num livro sobre a forma como a energia afeta as civilizações e os impérios. Veja o caso da URSS, era basicamente um império no sentido clássico da palavra, com uma estrutura de comando específica, uma hegemonia e uma cultura não só para a União Soviética, mas para todos os seus aliados, que eram, na verdade, coagidos pelos soviéticos. Mas houve, na história, muitos outros impérios que foram afetados pelos problemas de energia, como Roma, Grécia, os Maias, o império britânico, ou dos Anasazi, que dominavam o que hoje é o sudoeste americano. Se olhamos bem de perto à sua ascensão e queda vemos que o fator energético é chave.
P: Em que sentido? Não têm sido os ciclos de tecnologias que erguem e abatem os impérios?
R: Sem dúvida que a tecnologia é um elemento intrínseco. Mas pergunte a si próprio: a queda de Roma foi motivada por falta de tecnologia moderna? Sim, à primeira vista. Se olhar para as tecnologias e energias da altura, verifica que tinham um nível muito bom, mas que, no fim, foi a energia que falhou. No caso de Roma, a ligada à agricultura, porque tinha havido uma mudança de padrão climático. Os agricultores mudaram do trigo – que se tornara mais difícil de cultivar – para o milho-miúdo, e a produtividade baixou. Como a fonte de energia baixou, também a economia como um todo, a política e a capacidade militar também.
IV- Três cenários para o pós-pico do petróleo
P: Outro aspeto desse seu estudo é o futuro depois do pico do petróleo?
R: Estou a trabalhar em três cenários. O primeiro com base num preço médio baixo do barril, na ordem dos 150 dólares (em termos de dólares de 2010) que se vai manter por uns anos. Um cenário intermédio com um preço de 300 dólares por barril por vários anos. E, finalmente, outro com um disparo do preço até aos 700 dólares por barril baixando depois para uma média de 500 dólares.
P: Qualquer um deles pouco agradável. O que poderá acontecer em cada caso?
R: No primeiro cenário pode haver uma transição mais suave para a economia mundial. Mas se, por exemplo, uma epidemia de gripe, como a das aves, surgir, parte da população mundial pode ser dizimada, o que, apesar da tragédia, mantém a procura em níveis mais reduzidos e os preços em baixa. No segundo cenário, a procura continua a aumentar e a transição para uma nova economia de energia vai ser muito difícil, mas manter-se-á a capacidade de gerir essa mudança. No terceiro cenário, expandem-se as revoluções árabes e os constrangimentos sobre uma série de produtores de petróleo. Pode gerar-se um “cenário líbio” em que potências estrangeiras se envolvem no terreno e a infraestrutura petrolífera é destruída. O choque dos preços manter-se-á.
Sáb 14 Mai 2011
“A reestruturação da dívida grega não passará de setembro” – entrevista no calor do bail out 1
Por JNR na secção Ciberardina na crise (do default) , Entrevistas no calor do bail out , Gestão do risco , Inteligência Económica , O novo capital financeiro , crise
ainda sem comentários
A questão da reestruturação da divida soberana tornou-se, para muita gente em Portugal, um tema ideologicamente fraturante ou um tabu. Mas nem uma coisa nem outra faz sentido. Entrevistámos Steen Jakobsen, economista-chefe do Saxo Bank, que duvida da eficácia dos programas de resgate em curso na zona euro e acha que Portugal tem de mudar de vida após as eleições. É mesmo taxativo: A Grécia acabará por adoptar um programa de reestruturação da sua dívida até final de setembro, mesmo contra vontade do presidente do Banco Central Europeu. É um vaticínio arriscado. O futuro dirá da sua justiça. É a primeira entrevista, em jeito de conversa, para esta nova secção.
[TEXTO LONGO]
Perfil Steve Jakobsen, dinamarquês, de 46 anos, é formado em Economia pela Universidade de Copenhaga e tem uma carreira de mais de duas décadas ligada ao sistema financeiro na Europa e nos Estados Unidos. No ano 2000 entrou no Saxo Bank, um banco de investimento global sediado em Copenhaga, saiu por dois anos para a Limus Capital Partners, e regressou este ano ao banco dinamarquês como economista-chefe. A conversa decorreu em Lisboa a convite do Banco Best.
I – A GRÉCIA
A atual solução de resgates posta em prática por Bruxelas com o apoio do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) deixa muitas dúvidas a Steen Jakobsen, um dinamarquês, de 46 anos, que é economista-chefe do Saxo Bank, um banco global que iniciou a sua projeção a partir de Copenhaga, a cidade da sereia, depois de 2001.
A reestruturação da dívida soberana grega parece-lhe, agora, inevitável e nos seus cenários é quase taxativo: “Não vai passar de setembro. O custo de oportunidade de deixar andar a situação é enorme. É claro que Jean-Claude Trichet não quer ficar associado a uma solução dessas. Por isso, resistirá. Mas, agora, é matematicamente impossível evitá-la”. Trichet termina o mandato de presidente do BCE em outubro, mas em finais de junho, na cimeira da União Europeia, já se deverá saber quem é o seu sucessor, que receberá o presente envenenado. A rentrée, depois de férias, é por isso “o período crítico”.
Admite que, quanto à Grécia, no segundo semestre, possa haver duas opções. Um “corte de cabelo” (que se designa tecnicamente, em inglês, como hair cut) que pode chegar aos 50% do valor atual da dívida, ou um reescalonamento das maturidades. “Os gregos não têm nada a perder”, sublinha.
Uma solução que refere é a possibilidade de estudar o que ficou conhecido como ‘plano Brady’ (do nome do secretário de Estado americano) que em 1989 propôs um conjunto de medidas para re-estruturar as dívidas externas de vários países latino-americanos. [Barry Eichengreen, professor de Berkeley, desenvolve este tema em coluna de opinião no caderno de Economia do Expresso na edição deste sábado, 14 de maio].
II- A mania dos resgates
Jakobsen fala criticamente desta “mania dos bail outs [resgates]”. O veredicto dos mercados da dívida está à vista: as yields (juros implícitos) dos títulos destes países no mercado secundário continuaram a subir mesmo depois dos resgates, quer no caso da Grécia como da Irlanda, e também do anúncio de pedido por parte de Portugal.
O juízo destes mercados é assim resumido pelo especialista dinamarquês: “O problema que defrontamos nestes países não é de liquidez, mas de solvência, inclusive também em França. Com o crescimento económico em declínio, o rendimento disponível de cada país encurta-se e a possibilidade de pagar o serviço da dívida mingua”.
E recorda que a oposição popular a estas soluções de resgate é hoje crescente em boa parte da Europa. “Os finlandeses retificaram o resgate a Portugal. Eu não tinha dúvidas. A Finlândia é um país de consensos. Mas há que ter em conta o sentimento popular finlandês. No entanto, não é só lá; também na Alemanha, na Holanda, e até certo ponto na Dinamarca cresce esse sentimento”, acrescenta.
O efeito nocivo que Jakobsen mais teme é que Espanha possa ser “contaminada” com o fracasso das soluções de resgate dos outros três países da zona euro (Grécia, Irlanda e Portugal). Mas acredita que, no limite, isso não acontecerá: “A União Europeia prevalecerá!”, e acrescenta: “Provavelmente, em última análise, a zona euro acabará por avançar para uma federação orçamental para sobreviver. A Alemanha tem todo o interesse na zona euro”.
III- Crise 2.0 no horizonte
Contudo, a envolvente internacional está carregada de riscos. O especialista dinamarquês trouxe a Lisboa três cenários principais de evolução das economias desenvolvidas durante esta década, com base em simulações no índice S&P 500.
Um cenário mais negro antevê uma crise abrupta até final da década que permitiria, diz o economista, reagir, sair do double-dip (a expressão inglesa usada para falar de uma recaída na recessão) com “um mandato político claro”. “É a crise 2.0, que pode ser desencadeada por uma crise do dólar”, explica.
Outro cenário, intermédio, evoluirá aos ziguezagues, alimentando-se de injeções monetárias sucessivas de quantitive easing [expressão inglesa para alívio quantitativo, uma política de injeção monetária na economia] quer nos Estados Unidos como na Europa, ainda que, neste último caso, sob outra forma – “como esta dos resgates”, esclarece. Mas acabará numa nova grande crise, ainda que mais tarde, num processo arrastado, “provavelmente mais do agrado dos políticos”.
Finalmente, o cenário menos pessimista também não é agradável; seria uma repetição dos anos da década de 1970, anos de estagflação, ou seja de estagnação no crescimento com inflação, carestia de vida.
IV – Situação americana é incrível: pode ser o “cisne negro”
Steen Jakobsen vê um “claro sinal” no recente comunicado da agência de rating Standard & Poor’s sobre os Estados Unidos. “A situação americana é incrível. As políticas de alívio quantitativo são mais do mesmo, ainda que menos eficientes de cada vez que se lança uma nova dose. Na última conferência do FMI em Washington era patente o receio generalizado sobre a performance da economia americana. Toda a gente sabia que a situação é preocupante, que se pode perder a fé no dólar. A acontecer isso seria um cisne cinzento”, diz o especialista dinamarquês. [Fala de um cisne cinzento, já que são visíveis muitos dos traços de um colapso inesperado da economia americana e da sua moeda. Um cisne negro, por definição, é um acontecimento imprevisível, inimaginável].
Em compensação há que olhar para fora desta caixa. As assimetrias são evidentes e o economista dinamarquês aconselha a que se siga de perto economias emergentes como a Rússia e o Brasil, e economias desenvolvidas do Oriente como a Coreia do Sul e o Japão. O próprio sistema monetário internacional pode levar uma reviravolta e moedas como as dos países referidos, além do franco suíço e da coroa norueguesa, poderão ser atores ganhadores.
ANDAMENTO FINAL – uma “bicada” sobre Portugal
«Depois das eleições acabam-se as férias»
Steen Jakobsen repete que Portugal está num ponto de mudança. “Uso essa expressão que sinaliza que estamos à beira de uma alteração da natureza das coisas. Muitos dos aspetos fundamentais da economia portuguesa estão num beco sem saída. Os políticos têm tendência a comprar um bilhete eleitoral e ganhar tempo. Ainda, agora, olhando de fora, vejo que o vosso primeiro-ministro privilegia a campanha eleitoral em detrimento das necessidades de mudanças estruturais. Caiu nessa armadilha, satisfazendo a audiência doméstica. Gere muito bem as expectativas. Mas o problema estrutural permanece”.
E, mais contundente, acentuando as palavras à medida que vai falando, avisa: “O vosso país está numa crise do seu modelo. Tem havido uma má alocação de recursos, própria de um capitalismo de estado. Estão a caminhar para o muro no final do beco. Este é o último toque para despertar”. E remata, com alguma ironia: “As férias vão durar até às eleições de 5 de junho, depois têm de por em prática o programa acordado”.
O problema central de Portugal, sublinha, não é o nível da dívida, mas o crescimento. Confessa que “fontes próximas da troika se queixaram de que os negociadores estavam muito desapontados com o facto das pessoas não reconhecerem a gravidade da situação”. Incentiva a olhar ao exemplo finlandês: “Eles decidiram fazer a mudança. Isso pode ser feito”.
Depois da conversa escreveu num dos seus posts diários: “O risco infelizmente é que Portugal pode dar um passo em frente para depois dar dois passos atrás – mas, por favor, Portugal, prove que eu estou errado, e faça o que é certo”.
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Os economistas batizaram estes períodos de “estagflação”, uma mistura de estagnação com inflação. Douglas Reynolds, da Universidade do Alasca, acha que estamos a atravessar “um longo período” deste género e que a energia está no coração do problema.
“Estamos no meio de um período de grande estagflação. A crise financeira foi apenas o começo”, diz, em entrevista, Douglas Reynolds, professor da Universidade do Alasca em Fairbanks, e um dos especialistas mundiais em economia da energia.
Reynolds veio à conferência anual da ASPO-Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e do Gás, que se realizou em Bruxelas, falar, também, do seu projeto de estudo da forma como a energia afeta todas as civilizações e impérios. O seu estudo de história económica pretende analisar o papel central das questões energéticas na ascensão e queda dos impérios.
O professor americano tem insistido no modelo de implosão da União Soviética como um exemplo claro do esgotamento de um modelo económico baseado no uso intensivo de energias que atingiram o seu pico de produção. Chocou inclusive alguma audiência mais sensível: “Quando olhamos para a nossa economia, que é muito similar em várias dimensões com a economia soviética de então, verificamos que todas as tecnologias que temos são baseadas no consumo de mais barris. Se mantemos uma economia assente no uso intensivo de petróleo, não haverá alternativa ao declínio económico e civilizacional”.
PERFIL
Douglas B. Reynolds, Professor de Oil and Energy Economics, na School of Management da University of Alaska Fairbanks, Fairbanks, Alasca.
@Jorge Nascimento Rodrigues, Bruxelas, 9th International ASPO Conference, 2011
I – O MODELO VIGENTE: «Só as bolhas nas bolsas, a mania das dot.com, e finalmente a bolha no imobiliário eram capazes de alimentar qualquer tipo de aparente crescimento rápido, desde essa primeira crise petrolífera.»
P: Muitos analistas falam do risco de um double-dip (recaída na recessão) com carestia de vida, e em alguns locais mesmo com hiperinflação devido ao disparo nos preços das commodities essenciais, qual é a sua opinião?
R: Penso que estamos no meio de um período de grande estagflação [estagnação económica com inflação]. A crise financeira, desde 2008, foi apenas o começo. Muita da nossa economia nos países desenvolvidos e mesmo nos países em desenvolvimento está a crescer na base do petróleo. E como estamos a atravessar já um período de pico de produção do petróleo – o que designamos popularmente por “pico do petróleo” [peak oil, em inglês] -, isso significa que a base da nossa economia moderna tem de mudar. Há, sem dúvida, outros combustíveis líquidos, mas são caros ou limitados em quantidade e não conseguem substituir o crude. Assim, quando o petróleo declinar, a economia que depende dele não tem outro caminho senão declinar também. Está tudo interligado.
P: A crise de 2008 teve por detrás o problema do pico do petróleo, é isso que está a querer dizer?
R: Bom, a crise financeira foi, em parte, derivada do sobre investimento no imobiliário. A ideia das políticas colocadas em prática era estimular esse setor, através da desregulação bancária, de modo a que a economia pudesse continuar a crescer. Porquê? Porque tinha ficado claro que, em muito do mundo desenvolvido, o crescimento económico tinha abrandado desde o primeiro choque petrolífero de 1973. Deste modo, só as bolhas nas bolsas, a mania das dot.com, e finalmente a bolha no imobiliário eram capazes de alimentar qualquer tipo de aparente crescimento rápido, desde essa primeira crise petrolífera.
P: Há uma relação, de facto, mas o petróleo é o elemento chave desta crise?
R: Se não tivéssemos tido a crise financeira, teríamos tido outro grande problema económico derivado do facto do preço do petróleo ter disparado em meados de 2008 até aos 150 dólares por barril, como todos estamos recordados. Algo tinha que acontecer. E as razões fundamentais para o preço do crude ter chegado tão alto continuam aí.
II – O modelo soviético de implosão
P: E quais são as consequências?
R: Um círculo vicioso. A economia cai com várias realidades em simultâneo – declínio do PIB, altos níveis de desemprego, altos preços, inflação. Por isso falo de estagflação. E isto não é novo em termos de modelo económico.
P: Está a lembrar-se do caso da União Soviética para o qual tem vindo a chamar a atenção?
R: Sim. Este tipo de reestruturação de toda uma economia minada simultaneamente por inflação e alto nível de desemprego é exatamente o que aconteceu durante a queda da União Soviética. A economia soviética atingiu um pico de produção do petróleo e caiu. Durante a queda viveu esse período de estagflação. Por isso, em circunstâncias similares, podemos esperar uma série de grandes recessões com alta inflação e provavelmente com ciclos de alta volatilidade. Estes ciclos podem parecer o que alguns chamam de double-dip-flation [recaída na recessão com inflação associada, em vez de deflação], mas, a meu ver, é tudo parte de um largo período de estagflação.
P: E o petróleo está no centro do problema, é o pecado original do modelo?
R: O petróleo é o elemento central. Quando olhamos para a nossa economia, que é muito similar em várias dimensões com a economia soviética de então, verificamos que todas as tecnologias que temos são baseadas no consumo de mais barris. Se mantemos uma economia assente no uso intensivo de petróleo, não haverá alternativa ao declínio económico e civilizacional. Um dos problemas que temos numa fase destas é que, com menos petróleo, temos menos trabalhadores produtivos, o que significa que não podemos pagar-lhes melhor, mas eles não deixarão os salários baixar. Então, uma das vias para forçar o declínio dos salários reais é gerar hiperinflação, que foi o que a União Soviética precisamente fez para se “ajustar” à nova realidade. Agora, vamos ter de fazê-lo em larga escala – e não só num país.
P: Num horizonte de cinco a dez anos poderemos apanhar com uma tempestade perfeita e uma transição difícil para uma economia diferente?
R: A União Soviética caiu muito rapidamente, mas a Rússia e outras economias da ex-URSS reestruturaram-se, depois, também, muito rapidamente, a meu ver. Depois tiveram a ajuda do Ocidente. Mas não creio que o mundo agora tenha essa oportunidade. Sem ajuda, esta transição mundial pode ser muito devastadora. Uma coisa que verificámos na URSS foi um declínio da população. Isso também poderá, agora, acontecer ao mundo no seu conjunto.
III – ENERGIA: Ascensão e Queda dos Impérios
P: Um dos pontos centrais da sua investigação atual é a relação da energia com as civilizações e os impérios. A que conclusões já chegou?
R: Estou a trabalhar de facto num livro sobre a forma como a energia afeta as civilizações e os impérios. Veja o caso da URSS, era basicamente um império no sentido clássico da palavra, com uma estrutura de comando específica, uma hegemonia e uma cultura não só para a União Soviética, mas para todos os seus aliados, que eram, na verdade, coagidos pelos soviéticos. Mas houve, na história, muitos outros impérios que foram afetados pelos problemas de energia, como Roma, Grécia, os Maias, o império britânico, ou dos Anasazi, que dominavam o que hoje é o sudoeste americano. Se olhamos bem de perto à sua ascensão e queda vemos que o fator energético é chave.
P: Em que sentido? Não têm sido os ciclos de tecnologias que erguem e abatem os impérios?
R: Sem dúvida que a tecnologia é um elemento intrínseco. Mas pergunte a si próprio: a queda de Roma foi motivada por falta de tecnologia moderna? Sim, à primeira vista. Se olhar para as tecnologias e energias da altura, verifica que tinham um nível muito bom, mas que, no fim, foi a energia que falhou. No caso de Roma, a ligada à agricultura, porque tinha havido uma mudança de padrão climático. Os agricultores mudaram do trigo – que se tornara mais difícil de cultivar – para o milho-miúdo, e a produtividade baixou. Como a fonte de energia baixou, também a economia como um todo, a política e a capacidade militar também.
IV- Três cenários para o pós-pico do petróleo
P: Outro aspeto desse seu estudo é o futuro depois do pico do petróleo?
R: Estou a trabalhar em três cenários. O primeiro com base num preço médio baixo do barril, na ordem dos 150 dólares (em termos de dólares de 2010) que se vai manter por uns anos. Um cenário intermédio com um preço de 300 dólares por barril por vários anos. E, finalmente, outro com um disparo do preço até aos 700 dólares por barril baixando depois para uma média de 500 dólares.
P: Qualquer um deles pouco agradável. O que poderá acontecer em cada caso?
R: No primeiro cenário pode haver uma transição mais suave para a economia mundial. Mas se, por exemplo, uma epidemia de gripe, como a das aves, surgir, parte da população mundial pode ser dizimada, o que, apesar da tragédia, mantém a procura em níveis mais reduzidos e os preços em baixa. No segundo cenário, a procura continua a aumentar e a transição para uma nova economia de energia vai ser muito difícil, mas manter-se-á a capacidade de gerir essa mudança. No terceiro cenário, expandem-se as revoluções árabes e os constrangimentos sobre uma série de produtores de petróleo. Pode gerar-se um “cenário líbio” em que potências estrangeiras se envolvem no terreno e a infraestrutura petrolífera é destruída. O choque dos preços manter-se-á.
Sáb 14 Mai 2011
“A reestruturação da dívida grega não passará de setembro” – entrevista no calor do bail out 1
Por JNR na secção Ciberardina na crise (do default) , Entrevistas no calor do bail out , Gestão do risco , Inteligência Económica , O novo capital financeiro , crise
ainda sem comentários
A questão da reestruturação da divida soberana tornou-se, para muita gente em Portugal, um tema ideologicamente fraturante ou um tabu. Mas nem uma coisa nem outra faz sentido. Entrevistámos Steen Jakobsen, economista-chefe do Saxo Bank, que duvida da eficácia dos programas de resgate em curso na zona euro e acha que Portugal tem de mudar de vida após as eleições. É mesmo taxativo: A Grécia acabará por adoptar um programa de reestruturação da sua dívida até final de setembro, mesmo contra vontade do presidente do Banco Central Europeu. É um vaticínio arriscado. O futuro dirá da sua justiça. É a primeira entrevista, em jeito de conversa, para esta nova secção.
[TEXTO LONGO]
Perfil Steve Jakobsen, dinamarquês, de 46 anos, é formado em Economia pela Universidade de Copenhaga e tem uma carreira de mais de duas décadas ligada ao sistema financeiro na Europa e nos Estados Unidos. No ano 2000 entrou no Saxo Bank, um banco de investimento global sediado em Copenhaga, saiu por dois anos para a Limus Capital Partners, e regressou este ano ao banco dinamarquês como economista-chefe. A conversa decorreu em Lisboa a convite do Banco Best.
I – A GRÉCIA
A atual solução de resgates posta em prática por Bruxelas com o apoio do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) deixa muitas dúvidas a Steen Jakobsen, um dinamarquês, de 46 anos, que é economista-chefe do Saxo Bank, um banco global que iniciou a sua projeção a partir de Copenhaga, a cidade da sereia, depois de 2001.
A reestruturação da dívida soberana grega parece-lhe, agora, inevitável e nos seus cenários é quase taxativo: “Não vai passar de setembro. O custo de oportunidade de deixar andar a situação é enorme. É claro que Jean-Claude Trichet não quer ficar associado a uma solução dessas. Por isso, resistirá. Mas, agora, é matematicamente impossível evitá-la”. Trichet termina o mandato de presidente do BCE em outubro, mas em finais de junho, na cimeira da União Europeia, já se deverá saber quem é o seu sucessor, que receberá o presente envenenado. A rentrée, depois de férias, é por isso “o período crítico”.
Admite que, quanto à Grécia, no segundo semestre, possa haver duas opções. Um “corte de cabelo” (que se designa tecnicamente, em inglês, como hair cut) que pode chegar aos 50% do valor atual da dívida, ou um reescalonamento das maturidades. “Os gregos não têm nada a perder”, sublinha.
Uma solução que refere é a possibilidade de estudar o que ficou conhecido como ‘plano Brady’ (do nome do secretário de Estado americano) que em 1989 propôs um conjunto de medidas para re-estruturar as dívidas externas de vários países latino-americanos. [Barry Eichengreen, professor de Berkeley, desenvolve este tema em coluna de opinião no caderno de Economia do Expresso na edição deste sábado, 14 de maio].
II- A mania dos resgates
Jakobsen fala criticamente desta “mania dos bail outs [resgates]”. O veredicto dos mercados da dívida está à vista: as yields (juros implícitos) dos títulos destes países no mercado secundário continuaram a subir mesmo depois dos resgates, quer no caso da Grécia como da Irlanda, e também do anúncio de pedido por parte de Portugal.
O juízo destes mercados é assim resumido pelo especialista dinamarquês: “O problema que defrontamos nestes países não é de liquidez, mas de solvência, inclusive também em França. Com o crescimento económico em declínio, o rendimento disponível de cada país encurta-se e a possibilidade de pagar o serviço da dívida mingua”.
E recorda que a oposição popular a estas soluções de resgate é hoje crescente em boa parte da Europa. “Os finlandeses retificaram o resgate a Portugal. Eu não tinha dúvidas. A Finlândia é um país de consensos. Mas há que ter em conta o sentimento popular finlandês. No entanto, não é só lá; também na Alemanha, na Holanda, e até certo ponto na Dinamarca cresce esse sentimento”, acrescenta.
O efeito nocivo que Jakobsen mais teme é que Espanha possa ser “contaminada” com o fracasso das soluções de resgate dos outros três países da zona euro (Grécia, Irlanda e Portugal). Mas acredita que, no limite, isso não acontecerá: “A União Europeia prevalecerá!”, e acrescenta: “Provavelmente, em última análise, a zona euro acabará por avançar para uma federação orçamental para sobreviver. A Alemanha tem todo o interesse na zona euro”.
III- Crise 2.0 no horizonte
Contudo, a envolvente internacional está carregada de riscos. O especialista dinamarquês trouxe a Lisboa três cenários principais de evolução das economias desenvolvidas durante esta década, com base em simulações no índice S&P 500.
Um cenário mais negro antevê uma crise abrupta até final da década que permitiria, diz o economista, reagir, sair do double-dip (a expressão inglesa usada para falar de uma recaída na recessão) com “um mandato político claro”. “É a crise 2.0, que pode ser desencadeada por uma crise do dólar”, explica.
Outro cenário, intermédio, evoluirá aos ziguezagues, alimentando-se de injeções monetárias sucessivas de quantitive easing [expressão inglesa para alívio quantitativo, uma política de injeção monetária na economia] quer nos Estados Unidos como na Europa, ainda que, neste último caso, sob outra forma – “como esta dos resgates”, esclarece. Mas acabará numa nova grande crise, ainda que mais tarde, num processo arrastado, “provavelmente mais do agrado dos políticos”.
Finalmente, o cenário menos pessimista também não é agradável; seria uma repetição dos anos da década de 1970, anos de estagflação, ou seja de estagnação no crescimento com inflação, carestia de vida.
IV – Situação americana é incrível: pode ser o “cisne negro”
Steen Jakobsen vê um “claro sinal” no recente comunicado da agência de rating Standard & Poor’s sobre os Estados Unidos. “A situação americana é incrível. As políticas de alívio quantitativo são mais do mesmo, ainda que menos eficientes de cada vez que se lança uma nova dose. Na última conferência do FMI em Washington era patente o receio generalizado sobre a performance da economia americana. Toda a gente sabia que a situação é preocupante, que se pode perder a fé no dólar. A acontecer isso seria um cisne cinzento”, diz o especialista dinamarquês. [Fala de um cisne cinzento, já que são visíveis muitos dos traços de um colapso inesperado da economia americana e da sua moeda. Um cisne negro, por definição, é um acontecimento imprevisível, inimaginável].
Em compensação há que olhar para fora desta caixa. As assimetrias são evidentes e o economista dinamarquês aconselha a que se siga de perto economias emergentes como a Rússia e o Brasil, e economias desenvolvidas do Oriente como a Coreia do Sul e o Japão. O próprio sistema monetário internacional pode levar uma reviravolta e moedas como as dos países referidos, além do franco suíço e da coroa norueguesa, poderão ser atores ganhadores.
ANDAMENTO FINAL – uma “bicada” sobre Portugal
«Depois das eleições acabam-se as férias»
Steen Jakobsen repete que Portugal está num ponto de mudança. “Uso essa expressão que sinaliza que estamos à beira de uma alteração da natureza das coisas. Muitos dos aspetos fundamentais da economia portuguesa estão num beco sem saída. Os políticos têm tendência a comprar um bilhete eleitoral e ganhar tempo. Ainda, agora, olhando de fora, vejo que o vosso primeiro-ministro privilegia a campanha eleitoral em detrimento das necessidades de mudanças estruturais. Caiu nessa armadilha, satisfazendo a audiência doméstica. Gere muito bem as expectativas. Mas o problema estrutural permanece”.
E, mais contundente, acentuando as palavras à medida que vai falando, avisa: “O vosso país está numa crise do seu modelo. Tem havido uma má alocação de recursos, própria de um capitalismo de estado. Estão a caminhar para o muro no final do beco. Este é o último toque para despertar”. E remata, com alguma ironia: “As férias vão durar até às eleições de 5 de junho, depois têm de por em prática o programa acordado”.
O problema central de Portugal, sublinha, não é o nível da dívida, mas o crescimento. Confessa que “fontes próximas da troika se queixaram de que os negociadores estavam muito desapontados com o facto das pessoas não reconhecerem a gravidade da situação”. Incentiva a olhar ao exemplo finlandês: “Eles decidiram fazer a mudança. Isso pode ser feito”.
Depois da conversa escreveu num dos seus posts diários: “O risco infelizmente é que Portugal pode dar um passo em frente para depois dar dois passos atrás – mas, por favor, Portugal, prove que eu estou errado, e faça o que é certo”.
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